ENTREVISTA

De guerra na Angola a Portugal, conheça a jornada de reencontros da chef Isabel 'Batata Doce'

Dona de restaurante em Lisboa, cozinheira Isabel Jacinto se perdeu da família durante a Guerra de Independência de Angola e foi criada por militar português: 'Foi o sorriso o que me salvou, por isso o mantenho até hoje'

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Emannuel Bento

Publicado em 28/03/2024 às 19:40
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Ao subir a Rua João da Mata, no bairro de Santos, em Lisboa, é possível encontrar um charmoso bistrô capitaneado por "Isabel Batata Doce", como é conhecida a cozinheira Isabel Jacinto. Por trás desse nome peculiar, está uma história cativante de superação que atravessa os tempos turbulentos da Guerra de Independência de Angola (1961-1974).

A própria Isabel, 61, contou sobre a sua trajetória em visita à Rádio Jornal, no SJCC, na quinta-feira (28). Na entrevista, esteve acompanhada o jornalista pernambucano Antônio Martins Neto, com quem está visitando o Recife.

Acolhida por militares inimigos

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Jornalista Antônio Martins Neto e cozinheira Isabel Jacinto (Batata Doce) em entrevista à Rádio Jornal, do SJCC - Guga Matos/JC Imagem

A chef acabou sendo separada da família durante a citada Guerra, quando caiu das costas de uma tia que fugia das tropas da Companhia de Comandos e Serviços do Exército português. "Fui encontrada no mato, no Zézere do Itombo. Eu estava com um sorriso enorme. Acho que foi o sorriso o que me salvou, por isso o mantenho até hoje", disse, radiante.

"Os militares me pegaram e durante quatro horas caminharam comigo, atravessando um rio. Não poderia existir choro, pois isso poderia chamar atenção dos inimigos - que éramos nós, os angolanos. No acampamento, conheci a mulher do comandante Manuel Junqueira, que foi a primeira amiga branca que tive na Angola."

Mas, qual a relação desta história com o seu cativante apelido? "Dizem que eu gostava muito de comer batata doce quando era pequenininha. Eu não me lembro, mas é o que dizem."

Infância em Portugal

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Cozinheira Isabel Jacinto (Batata Doce) em entrevista à Rádio Jornal, do SJCC - Guga Matos/JC Imagem

O comandante português Manuel Junqueira, de uma família portuguesa abastada, que ficou com a tutela da menina após o fim da missão em Angola.

Após publicações sobre a história em jornais, um tio chegou a reconhecer a garota, dando duas condições ao comandante: trazê-la para Portugal e tratá-la como filha, "e quando a guerra acabasse voltar a levar-me para Angola". Porém, com o fim da Guerra da Independência, começou a Guerra Civil no País.

"Eu tive uma infância com aquilo que todos desejam ter, que é uma boa infância com carinho e amor. Era uma família pequena, mas muito bem educada, com muitos princípios. Eu costumo dizer que isso eu ainda mantenho", diz Isabel.

Ela decidiu abrir o restaurante "Batata Doce", em Santos (Lisboa), ao lado do companheiro João Castanheira. O espaço é frequentado por clientes de várias nacionalidades.

Isabel conheceu a família 50 anos depois

Em 2017, Isabel fez questão de voltar ao país natal para encontrar familiares. Ela encontrou as irmã Esperança e Conceição e as tias, incluindo Eva, que foi àquela que fugiu pelo mato e a deixou.

"Ela me disse: 'agora salta para as minhas costas para senti o peso que perdi'. Para quebrar o gelo, eu disse que me 'deixe de propósito'. Depois, abracei a minha tia e disse: 'Obrigada por ter me deixado no mato'. É uma família linda que eu tenho na Angola. Fui recebida com cânticos, com choro, com riso e com tudo o que as pessoas possam imaginar."

Hoje, no calor da cozinha do "Batata Doce", Isabel não serve apenas pratos deliciosos, mas também a essência de uma vida dedicada à busca pela felicidade. "

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