DJ IDLIBRA faz turnê no verão europeu: 'Brasil tem sido visto como vanguarda mundial da música'
Artista se despede do Recife com festa gratuita, junto com a Brota Produtora, no Armazém do Campo, neste sábado (8); "Enxergo a cena eletrônica da cidade hoje de uma maneira que nunca vi igual", diz
Existe uma cena eletrônica independente em ascensão no Recife. A DJ IDLIBRA é uma "cria" direta dessa movimentação que vem se desdobrando para ocupar espaços - na mesma pegada do "faça-você-mesmo" que possibilitou o manguebeat. Após conquistar a capital, Libra Lima, de 26 anos, fará uma turnê no verão europeu, com 15 shows, em 5 países diferentes, durante mais de dois meses.
IDLIBRA assistiu a essa nova cena eletrônica nascer em "espaços que não eram destinados a esse tipo de evento". Ao longo dos anos, tornou-se curadora do elogiado palco Kamikaze do Festival Coquetel Molotov, artista residente da festa Nbomb e dupla de apresentação da cantora pernambucana Uana.
Enquanto pesquisadora, tem mapeado sonoridades oriundas de coletividades racializadas e dissidentes pelo mundo, flertando com afrobeat, vogue, techno, variadas vertentes do funk brasileiro, entre outros. Já lançou dois EPs: "Muganga" (2023) e "Neotrópicos" (2024), que conta com colaborações de BADSISTA e MC GW.
Antes da turnê na Europa, IDLIBRA se despede com festa gratuita, junto com a Brota Produtora, no Armazém do Campo, neste sábado (8). A programação ainda conta com os DJs Pedro Afonso, Vands, Geni e o "back 2 back" de Gabnaja e Yvri. Todos esses nomes fazem parte desse novo movimento que tem se construído nos últimos anos.
Entrevista com IDLIBRA
Como começou a sua trajetória na noite do Recife?
Minha trajetória na cidade, e principalmente pensando em discotecagem, começou há quase 10 anos atrás. Em 2016, eu estava no curso de Publicidade e Propaganda na UFPE e sempre estava nas festas, botando som e tal. Me chamaram para tocar numa calourada de Arquitetura em Olinda, no antigo Virgulino. Foi a primeira vez que toquei. Lembro que não tinha quase ninguém na pista porque havia outra pista com Kelvis Duran (cantor de brega) tocando ao mesmo tempo. Então, só estavam lá uns 5 ou 10 amigos meus que tinham ido me ver.
Ainda passei uns dois anos tocando nessas festas, que tinham uma proposta mais comercial, mais pop, e entendi que eu precisava sempre me adaptar muito. Em 2018, quando já fazia parte de dois coletivos – que hoje em dia não estão mais atuantes, o Hypnos e o Extasia – comecei realmente a focar na minha pesquisa musical em relação à música eletrônica. Eu sempre flertava com isso, mas sentia muito pouco espaço na cidade para conseguir focar e trabalhar nisso. Acho que 2018 foi uma virada de chave para entender que era isso que eu queria fazer, era na música eletrônica que eu queria focar.
Como ser do Recife cidade impactou a sua pesquisa musical?
Sem dúvida, ser da cidade me impactou muito. Eu sou olindense de nascença. Sempre morei em Olinda, estudei em Olinda e minhas vivências começaram na parte histórica de Olinda, área que tem uma coisa muito interessante, que é esse caráter multicultural. Uma miscigenação sonora acontece. Você está em um espaço qualquer, provavelmente em algum bairro, ouvindo uma cumbia ou música latina-americana e, de repente, passa por você um afoxé, um coco, um maracatu.
Essa mistura, esse 'amadeirado', essa ousadia, essa quentura na musicalidade que sempre senti na minha cidade com certeza me impactou e sempre bebi disso de alguma maneira. Quando entendo a música eletrônica como base da minha pesquisa, isso, querendo ou não, está ali intrínseco na maneira como toco e, hoje em dia, também na maneira como componho e produzo as minhas músicas.
Como enxerga a atual cena eletrônica independente da cidade?
Eu enxergo a cena eletrônica da cidade hoje de uma maneira que nunca vi igual. Quando comecei a ir, eram festas muito pequenas, que reuniam 100 a 200 pessoas em espaços que não eram destinados a esse tipo de evento, mas que eram ocupados para tentar construir esse tipo de experiência.
Eram pessoas que, depois de algum tempo, faziam esse êxodo para São Paulo por uma questão de sobrevivência, porque aqui não havia espaço para que elas pudessem viver disso e se aprofundar nas pesquisas. Hoje, vejo uma possibilidade, um mercado que tem, sim, os seus vícios e precariedades, mas que hoje existe e se movimenta. Vejo a possibilidade de algum diálogo com marcas, com o setor privado, com o público, e com as festividades da cidade.
Acho que isso é algo muito forte, pensar que, há anos atrás, isso não seria possível. Hoje, vemos realmente como um combustível para os artistas.
Você já realizou apresentações no Sudeste. Como sente a recepção da cena eletrônica do Nordeste por lá? Existe um reconhecimento da potência dessa cena?
Eu acredito que existe, sim, um olhar de interesse na curadoria das festas e labels do Sudeste em relação aos artistas daqui. Mas acredito que isso ainda depende muito do nosso alcance em relação à própria cena nacional. Muita coisa mudou para mim depois do meu primeiro lançamento, que foi o EP "Muganga", em maio do ano passado. Com ele, consegui estar em alguns veículos da música eletrônica e ser notada por muitas pessoas de meios importantes, tanto do Brasil quanto de fora.
Acho que foi isso que, de alguma maneira, me colocou dentro dessa perspectiva de mercado, de finalmente ver essas marcas e festas de São Paulo. Vejo que tanto eu como outras artistas do Nordeste estão sendo levados para lá necessitam ainda alcançar essa atenção desses veículos.
Existe uma certa relação de dependência. Para estar lá, precisamos pelo menos estar nos veículos deles para que saibam que existimos e que nosso trabalho tem notoriedade, porque eles não acompanham a cena daqui e não entendem como as coisas acontecem em relação ao nosso público, como nosso público está valorizando esses artistas. Mesmo com esse interesse, ainda dependemos de como estamos articulados nesses veículos, nesses contatos e com essas pessoas que têm poder nesse mercado.
Sobre a turnê na Europa: não é a sua primeira vez tocando no exterior, certo? Na primeira experiência, como se sentiu?
Fui a primeira vez porque desenvolvi um trabalho junto com Xan Marçall, uma artista-educadora de Belém do Pará que fez um trabalho comissionado para uma exposição chamada "Encantadas: Transcendental Brazilian Art" que aconteceu no Schwules Museum, em Berlim. Divide com ela a autoria do trabalho audiovisual "Sob a Terra do Encoberto", que depois se tornou um longa-metragem. A gente desenvolveu esse trabalho aqui no Brasil e foi convidada para ir para lá para a abertura da exposição, em 2022.
Foi a primeira vez que eu tive a oportunidade de ir para a Europa e com isso consegui vender algumas datas para tocar. Foi muito louco tá acessando este mercado internacional e entendendo como esse mercado tem visualizado o Brasil como realmente a vanguarda mundial pensando em música, pensando em um movimento emergente periférico em relação à criação de algo que é completamente nosso e que surge realmente de uma relação muito autêntica com nossas referências e trajetórias.
Me ver agora fincando meu nome dentro desse mercado esse ano, conseguindo acessar outros festivais, como o Festival de Jazz de Montreux, que é um dos grandes festivais da Europa e já teve outros artistas de Pernambuco, como o próprio Chico Science. Me sinto realmente conseguindo representar não só o meu país, mas também uma relação específica de musicalidade que eu trago por ser do Nordeste e a partir disso ter um espaço nesse mercado internacional. A maioria dos artistas brasileiros que estão lá vêm do Sudeste, né? Eu venho percebendo que tenho conseguido trazer uma certa unidade no meu trabalho para conseguir estar nesse mercado e também disputar esse lugar.
Ano passado você lançou o seu EP, "Muganga". O que mudou de lá para cá?
Nossa, para mim, com certeza, foi um antes e depois na minha carreira. Foi um processo muito longo. Eu passei três anos fazendo esse EP, desde que comecei a estudar produção musical. Antes eu só tocava e não tinha experiência com produção musical. Na pandemia, comecei a estudar e já sabia que queria que aquilo se tornasse meu primeiro lançamento. Mas eu sabia que precisava de tempo, paciência, tentativa e erro, para chegar em algo que realmente me representasse e que fosse interessante para mim. Queria me lançar no mercado como produtora musical.
Sem dúvidas, foi o passo mais importante da minha carreira. Mudou toda a perspectiva da minha vida, de pensar em sobreviver do que eu faço, em me visualizar sobrevivendo disso e sobrevivendo com qualidade de vida, tanto para mim como para as pessoas que sempre trabalharam comigo e fizeram com que isso acontecesse da maneira, com um bom nível
Estou com muita vontade de fazer agora o meu primeiro disco. Acho que tanto "Muganga", que foi meu primeiro EP, como "Eutrópicos", que foi o segundo EP que lancei este ano, deram início a esse meu processo de colaboração com outros artistas, como BADSISTA, MC GW, Clementaum, com a própria Juçara Marçal depois no álbum deluxe dela. Estou entrando em um processo que vai ser novamente longo de fazer um primeiro álbum, um disco, que eu acho que traz todo o aprendizado que tive realmente de me ver como artista, disputando esse lugar.