J. Borges deixa legado digno de 'maior gravador popular do Brasil'
Com projeção internacional, pernambucano de Bezerros elevou a prática da xilogravura para outro patamar perante as artes nacionais
"O maior gravador popular do Brasil". Era assim que Ariano Suassuna, um dos principais pesquisadores da cultura popular nordestina, se referia a J. Borges, xilogravador, cordelista e poeta falecido nesta sexta-feira (26), aos 88 anos, após sofrer parada cardíaca
A sentença não um é exagero: o pernambucano de Bezerros, no Agreste, elevou a prática da xilogravura para outro patamar perante as artes nacionais. As suas ilustrações partiam da memória, trazendo no traço uma ancestralidade das artes gráficas dos interiores nordestinos.
Todo esse imaginário ganha um aspecto quase documental, sendo um registro espontâneo da cultura popular. J. Borges contribuiu para um amadurecimento do entendimento de uma arte popular que não é necessariamente folclórica, mas que traz registros do dia-a-dia - ao lado de figuras fantásticas do imaginário regional e personagens famosos da literatura do cordel.
Estilo de J. Borges
Autodidata, J. Borges costumava desenhar direto na madeira. O fundo da matriz era talhado ao redor da figura que recebia aplicação de tinta, tendo como resultado um fundo branco e a imagem impressa em cor. Ao final, ele sempre assinava na matriz.
As suas xilogravuras não tinham uma preocupação com perspectiva ou proporção. Contudo, tinham uma grande valor estético. Os principais temas de sua obra podem ser separados em quatro grupos:
- O primeiro diz respeito às personagens fantásticas do imaginário regional, como a mula sem cabeça.
- No segundo grupo, estão personagens famosas de folhetos de cordel, como o Pavão Misterioso.
- No terceiro, personagens e temas emblemáticos da cultura nordestina: Lampião, Padre Cícero, a seca, a festa de São João etc.
- E, por fim, o quarto grupo apresenta temas do cotidiano, como os bares, as brigas de galo, as cerimônias ecumênicas e a política.
Quem foi J. Borges
José Francisco Borges nasceu em Bezerros, cidade do Agreste de Pernambuco, em 1935. Era filho de agricultores e frequentou a escola aos 12 anos, por apenas dez meses.
Antes de dedicar-se exclusivamente às artes, foi marceneiro, mascate, pintor de parede, oleiro, entre outras atividades. Em 1956, comprou um lote de folhetos de cordel e começa a atuar como vendedor em feiras populares.
Em 1964, escreveu seu primeiro folheto, "O Encontro de Dois Vaqueiros no Sertão de Petrolina", que foi ilustrado pelo artista Dila (1937), de Caruaru, e publicado pelo folheteiro Antonio Ferreira da Silva, que acompanhava J. Borges nas feiras do interior. Esse folheto foi um sucesso, vendendo cinco mil exemplares em apenas dois meses.
Na segunda publicação, "O Verdadeiro Aviso de Frei Damião sobre os Castigos que Vêm", não encontra um artista para a ilustração da capa o e, por economia, produziz ele mesmo a sua primeira xilogravura, inspirada na fachada da igreja de Bezerros. Com esse trabalho, tem início sua carreira como xilogravador. Em pouco tempo, adquiriu máquinas tipográficas e passa a editar folhetos.
Reconhecimento
J. Borges continuou produzindo cordéis nos anos 1970, mas as encomendas de gravuras tornaram-se cada vez maiores. Assim, ele cria a a gráfica Casa de Cultura Serra Negra, em Bezerros, na qual ensina o ofício a seus filhos.
O artista plástico Ivan Marchetti, do escritor Ariano Suassuna e do pesquisador Roberto Benjamin, que fizeram as primeiras encomendas de gravuras maiores, escreveram sobre o artista e deram-lhe ampla divulgação.
Foi a xilogravura quem lhe deu projeção nacional e até internacional. Suíça, Estados Unidos, Venezuela, França, Alemanha, Portugal, Cuba foram países para onde viajou, além dos lugares aonde tem ido a obra do artista: Itália, Espanha, Holanda, Bélgica, México, Argentina.
A partir da década de 1980, seu trabalho recebe prêmios como o Manoel Mendive, na 5ª Bienal Internacional Salvador Valero Trujillo, Venezuela, em 1995; a medalha de honra ao mérito da Fundação Joaquim Nabuco, Recife, em 1990; a medalha de honra ao mérito cultural, do Palácio do Planalto, Brasília, em 1999; e o Prêmio Unesco, em 2000.
Em 2006, tornou-se um Patrimônio Vivo de Pernambuco. Ele deixa 18 filhos e um grande projeto de vida e arte: o Memorial J. Borges, onde o visitante pode apreciar as obras gráficas, plásticas e poéticas do mestre.