Bell Puã lança primeiro EP, indo do drill ao repente: 'A cena pernambucana está aprendendo a jogar'
'Podemos falar do nosso jeito, do que acreditamos e sobre quem somos, apesar dos desafios', diz cantora, vencedora do Slam BR e finalista do Jabuti
Conhecida pela atuação na poesia falada, tendo vencido Slam BR, e na literatura, sendo finalista do Jabuti em 2020, a pernambucana Bell Puã mergulha de vez no universo da música em seu primeiro EP, "Jogo de Cintura".
O projeto vem alinhado com a produção de uma cena pernambucana em ascensão que adiciona, de forma bem interessante, elementos da cultura do Estado a vários ritmos urbanos, como as vertentes do rap. No caso de Bell, existe uma aposta no "drill" em meio a ritmos da terra, como brega-funk (que é igualmente eletrônico e urbano) e repente.
A poesia de Bell continua lá, fazendo citações que vão da autora Lélia Gonzalez ao MC Biel XCamoso, morto em acidente no ano passado. Esse alinhamento entre poesia, flow e uma produção musical afinada resulta em "Jogo de Cintura".
'Música com veia de poesia falada'
"A música é uma coisa que sempre esteve presente em minha vida. O meu pai cursou música. Apesar de ser de família indígena paraibana, do Sertão do Cariri, ele foi criado no Recife, no bairro de Beberibe. Meu pai é aquela pessoa que chora ouvindo baião, que valoriza o interior do nosso estado. Aprendi muito com isso", diz Bell Puã, ao JC.
"A literatura se tornou o meu primeiro ofício porque comecei a recitar no Slam das Minas. Fui galgando lugares por conta das premiações e trabalhei com literatura. Lancei dois livros. Agora decidi trabalhar com música com essa veia, com um braço da poesia falada. Senti uma facilidade, um fluxo bom para cantar o rap", continua a artista, que é historiadora por formação.
Bell Puã já tinha lançado single como "Passeio" e "Passa Nada" e feito participações em discos de Zé Manoel (na faixa "Prelúdio Pra Iluminar o Rolê") e Chinaina (faixa "Moinhos de Tempo").
Drill
"O meu interesse no drill também surgiu pelo falar. Quanto mais pesquiso, mais me interessa, me envolve e tenho vontade de fazer. Eu estava ouvindo toda hora artistas como Major RD, Nina do Porto, Flora Matos e achei um tipo de flow muito interessante, assim como a batida", diz Bell.
"Com essa pesquisa também surgiu o reggae’n’drill, o meu primeiro single já tem essa referência do reggae, tem a sanfona, um elemento cultural do forró do Nordeste. Essa referência eu aprendi ouvindo uma artista de Trinidad Tobago chamada Prince Swanny."
A produção musical é da dupla Marley no Beat e Tom BC, que tem se destacado por justamente tirar do papel essas misturas no cenário musical do Estado. "Eles têm um repertório muito grande e são capazes de adaptar muito bem a demanda, mesmo que seja uma demanda bem específica e cheia de referências."
"O Eixo é Nóis"
A faixa "Estado das Maravilhas", em parceria com Jessica Caitano, de Triunfo, traz o repente com uma composição cheia de referências à cultura pernambucana. "Nós, como pernambucanos, temos a nossa pernambucanidade e gostamos disso, né? Essa faixa parte muito desse lugar e nos colocar dentro do que a gente chama de O Eixo É Nois, de ser perceber como eixo, apesar de estarmos no Nordeste e o eixo do mercado e da indústria pulsar no Sudeste".
O projeto "O Eixo É Nois", idealizado pela Bola1Produção, recentemente ocupou uma pauta no Cineteatro do Parque, no Centro do Recife, com uma live session com Bell Puã, Okado do Canal e Bione - outros expoentes do hip hop.
"Acho que podemos falar do nosso jeito, do que acreditamos e sobre quem somos, apesar dos desafios, que são muitos. Esses desafios a gente vai aprendendo. A gente está aprendendo a jogar. A questão de fazer publicidade de si mesmo, de vender o seu trabalho, de acessar editais que são importantes e ajudam na carreira. Apesar dos desafios, vamos encontrando estratégias", diz Bell.
Como ela bem canta em "Passa Nada", faixa que ela mesma destaca: "É de passinho em passinho que nós chega no poder". "Para mim, 'Jogo de Cintura' é sobre jogar com o capitalismo, jogar com a xenofobia, com o racismo, o machismo. São tantos homens que são tão bons rimando, mas são tão ruins pras suas mulheres".
"Jogo de Cintura" tem a concepção artística assinada por Bell Puã em parceria com sua produtora, Bola1Prod, contou com aporte financeiro do Fundo de Incentivo à Cultura do Governo do Estado. O EP está disponível em todas as plataformas de streaming. No Youtube, também ganha uma versão audiovisual com visualizers de cada música.