Cid Moreira informou e emocionou brasileiros com voz que permanecerá na memória
Jornalista esteve na primeira transmissão do Jornal Nacional, narrou chamadas marcantes e fez da voz expressão da fé com locuções de salmos bíblicos
Quando Carlos Drummond de Andrade faleceu, em 17 de agosto de 1987, Cid Moreira finalizou o Jornal Nacional com um improviso. Além do "boa noite", ele disse: "E agora, José?", em referência ao famoso poema de 1942. Apesar de soar simples, esse gesto teve impacto em uma época em que o formato do telejornal era bem mais engessado.
"Ninguém esperava isso. Fizeram uma fila para me cumprimentar, e até hoje me sinto honrado", relembrou Moreira ao projeto Memória Globo, gravado em 2000. O episódio exemplifica o estilo marcante do jornalista, que morreu nesta quinta-feira (3). Mais do que informar, Cid soube emocionar.
A sua trajetória se confunde com o desenvolvimento dos telejornais no Brasil. Ele esteve na bancada da primeira edição do "Jornal Nacional", em setembro de 1969, quando esse foi o primeiro telejornal transmitido em cadeia nacional. Nesta bancada, ele passaria mais 26 anos, saindo apenas em 1996, com a entrada de William Bonner e Lillian Witte Fibe.
Início de carreira
Filho do bibliotecário Isauro Moreira e da dona de casa Elza Moreira, Cid Moreira formou-se em contabilidade em 1944. A sua história com a locução começou de forma improvável: um amigo, cujo pai era diretor da Rádio Difusora Taubaté, o convenceu a fazer um teste de locução.
Em 1949, mudou-se para São Paulo e trabalhou na Rádio Bandeirantes e na Propago Publicidade. Em 1951, transferiu-se para o Rio de Janeiro, passando pela TV Rio. A televisão ainda era embrionária: "Ninguém levava a TV a sério. Custei a comprar o meu primeiro aparelho de televisão. Mas não tinha nada, o rádio ainda dominava."
Estreia na Globo
Em 1969, foi convidado a substituir Luís Jatobá no "Jornal da Globo", que na época era um noticiário diário de 15 minutos de duração, exibido às 19h45, com um panorama das principais notícias do Brasil e do mundo.
O "Jornal Nacional" estreou em setembro daquele mesmo ano. Ele dividiu a bancada com Hilton Gomes posteriormente com Sérgio Chapelin, esse durou uma década.
"Eu chegava no horário de fazer o jornal, não participava da redação. Eu só ia para apresentar o jornal. Naquele dia, cheguei e vi aquele nervosismo, todo mundo preocupado. E, para mim, era normal. Mas no dia seguinte, vi na capa do jornal O Globo: 'Jornal Nacional…' Aí comecei a perceber a dimensão", relembrou, ao projeto Memória Globo. "Eu ainda tinha na minha cabeça a ideia de rádio, que estava em todos os lares, em todas as casas, pela facilidade. A televisão não tinha essa facilidade".
Fantástico
Após a saída do Jornal Nacional, Cid Moreira passou a fazer locuções em reportagens especiais no "Fantástico".
Ele já participava o rodízio de apresentação, ao lado de Sérgio Chapelin e Celso Freitas, mas neste período dedicou-se a gravar também os áudios das chamadas e de algumas matérias do programa. Um dos quadros mais marcantes foi o do ilusionista Mr M.
Salmos bíblicos
Paralelamente ao seu trabalho na emissora, Cid Moreira continuou narrando comerciais. A partir de meados da década de 1990, obteve grande sucesso ao gravar salmos bíblicos. Em 2011, cumpriu o objetivo de gravar a Bíblia na íntegra. Os CDs bíblicos com sua locução se tornaram um grande sucesso, com milhões de cópias vendidas.
A história do jornalista, apresentador e locutor está registrada no livro "Boa Noite – Cid Moreira, a Grande Voz da Comunicação do Brasil" (Editora Prumo), escrita por Fatima Sampaio Moreira, sua esposa, com diversos depoimentos de jornalistas, amigos e parentes.
Assim como no caso de nomes como Silvio Santos e Glória Maria, a despedida de Cid Moreira marca o fim de uma era na comunicação brasileira. Sua voz ecoou por décadas e permanecerá viva na memória de milhões de brasileiros.