Frevo nas escolas: crescem movimentações para garantir o futuro da manifestação

De iniciativas aprovadas em editais a institucionalização pelo poder público, educação tem sido vista como ferramenta para salvaguarda do frevo

Publicado em 25/10/2024 às 18:15 | Atualizado em 26/10/2024 às 9:11

"Meu sonho maior é ver o frevo sistematizado nas escolas como disciplina escolar. Acho que é o que falta: ver a cultura popular sendo estudada todos os dias nas escolas. Esse é o meu principal sonho, e um dia vamos realizá-lo". A fala é do Maestro Spok em entrevista ao JC na ocasião do Dia Nacional do Frevo, em 13 de setembro deste ano.

O sonho é compartilhado por outros diversos artistas e tem aparecido nos discursos de instituições nos últimos anos. Desde a patrimonialização pela Unesco, em 2012, o frevo tem sido protagonista de muitos debates sobre fruição e salvaguarda. Naturalmente, a questão formativa vem aparecendo.

A fala de Spok, inclusive, fez eco no poder público. "Secretários municipais entraram em contato comigo: da educação, da cultura, do turismo. Me chamaram para uma reunião sobre essa ideia de sistematização do ensino da cultura popular", conta Spok, ao JC.

 

ANDREA REGO BARROS/PCR
Maestro Spok - ANDREA REGO BARROS/PCR

"Fui em um evento da cultura com o prefeito João Campos e ele reforçou que viu a matéria em que falei da cultura popular como disciplina. Isso foi uma grande emoção para mim. É a única forma de fazer com que as crianças conheçam um pouco do seu próprio espírito."

A ideia, contudo, ainda é embrionária. "Ainda irei entender como irá acontecer, quem vai dirigir e toda a parte burocrática. O mais importante é que foi autorizado e vai acontecer. No que eu puder contribuir, irei contribuir, estarei por perto."

Orquestra Malassombro

Em sintonia pelo interesse formativo, Orquestra Malassombro, criada em 2018, aprovou no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), da Prefeitura do Recife, o projeto "Orquestra Malassombro - Concerto-aula para crianças: Na trilha das Assombrações do Recife”.

Os músicos visitaram cinco instituições de ensino com um concerto-aula sob direção cênica de Quiercles Santana, que adaptou textos de Gilberto Freyre no livro "Assombrações do Recife Velho", resultando em um passeio literário-musical por ruas, becos e praças marcadas por essas histórias.

LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO
Nas atividades, mediadas por docentes, foram apresentados os históricos de cada agremiação - LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO
LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO
Orquestra Malassombro apresenta o projeto "Concerto-aula para crianças: Na trilha das Assombrações do Recife" em escola municipal da capital - LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO
LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO
Orquestra Malassombro apresenta o projeto "Concerto-aula para crianças: Na trilha das Assombrações do Recife" em escola municipal da capital - LUARA OLIVIA/DIVULGAÇÃO

"A Malassombro surgiu com a proposta de fotografar o nosso tempo, a nossa sociedade, através dos frevos de bloco, um gênero que já fazia isso nas décadas de 1930, 40, 50 ou 60. Ao mesmo tempo, temos essa veia cênica por conta do nosso elemento do coro, praticamente todos são atores, além de cantores", diz Rafael Marques, maestro da Malassombro.

"Optamos por escolas em comunidades, porque queríamos dar esse acesso à cultura para comunidades mais carentes desse tipo de atividade, algo mais recorrente no Centro. Está sendo muito especial o retorno das crianças. A criança é, na verdade, o público mais importante que podemos ter. Precisamos ter cuidado e atenção", continua.

Marques opina que desde a abertura do Paço do Frevo, a manifestação tem sido vista de uma forma diferente na cidade, para além do Carnaval. “Ela está ocupando o nosso tempo para além do Carnaval. Também tem gente fazendo formação de dança ou de artes plásticas, que envolve máscaras e sombrinhas. Percebo que o frevo está conseguindo se movimentar mais, de uma forma geral."

Paço do Frevo

HUGO MUNIZ/PAÇO DO FREVO
Frevações, atividade do Paço do Frevo, no Recife - HUGO MUNIZ/PAÇO DO FREVO

O Paço do Frevo, que celebrou 10 anos de funcionamento no Bairro do Recife, tem há nove anos o projeto "Escola do Frevo", com atividades de música (primeiro andar do museu) e dança (segundo andar). "Quase 50 mil alunos passaram por essa escola", diz Luciana Félix, que preside o museu, gerido pela IDG.

"Também trabalhamos com outros segmentos e preparações para agremiações carnavalescas enfrentarem editais públicos. Existem cursos regulares, mas também cursos livres, que são oferecidos em um link localizado na Bio do Instagram do museu", explica.

Há dois anos, após a pandemia, Paço também deu início ao projeto "Escolas do Frevo", em que professores de música visitam escolas públicas que possuem bandas de fanfarra. As atividades ocorrem durante todo o ano. "O frevo tem muito futuro", assinala Luciana.

"O contato com a criança tem que ser retomado com urgência após a pandemia. É um clichê dizer que ‘não tem frevo novo’, mas tem gente nova, tem uma série de ações novas que estão surgindo para que esse patrimônio da humanidade continua tendo esse corpo, essa solidez. Não é algo que está só no carnaval; está entranhada em todo mundo."

Saberes Carnavalizados

Neste ano, o Governo de Pernambuco também iniciou um programa que levou para 50 escolas artistas e grupos da cultura popular. O "Saberes Carnavalizados" ocorreu nas vésperas do Carnaval, propondo uma imersão com as manifestações mais representativas do período.

Idealizado pela Secretaria Estadual de Educação em parceria com a Fundação do Patrimônio Histórico e Artístico de Pernambuco (Fundarpe), a iniciativa contou com escolas clubes de frevo, blocos de pau e corda, clubes de boneco, caboclinhos, afoxés, maracatus de baque solto, maracatus de baque virado, ciranda, samba de véio, escolas de samba, tribos de índios, bois, ursos, grupos de mascarados.

Dani Pedrosa/SecultPE/Fundarpe
Saberes Carnavalizados leva o Caboclinho Índio Canindé Brasileiro de Itaquitinga para o EREF Deputado Oscar Carneiro, em Camaragibe - Dani Pedrosa/SecultPE/Fundarpe

Nas atividades, mediadas por docentes, foram apresentados os históricos de cada agremiação, com um representante disponível, em forma de roda de conversa. Na sequência, foram realizadas apresentações e performances. Também foi produzido um material didático sobre as manifestações.

"A cultura dentro da educação virou uma pauta prioritária. Além dos Saberes Carnavalizados, tivemos os Saberes Juninos e teremos os Saberes Natalinos. A expectativa é que no ano que vem cerca de 200 escolas recebam o programa. As escolas que não receberem apresentações vão receber materiais e abordagens dos docentes", diz diz Tarcia Silva, Secretária Executiva de Desenvolvimento da Educação

"Em paralelo a isso, o Maestro Forró também está realizando formações com os maestros das bandas de fanfarra das escolas, que hoje são 350. A ideia é que os maestros sejam preparados para ensinar sobre o frevo."

Todas essas iniciativas apontam para um movimento importante para o futuro do frevo: a conscientização e a formação das novas gerações. É uma manifestação que pulsa o ano inteiro e se renova através da educação.

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