Em 'Baile do Marley', brega-funk mostra fortalecimento coletivo e criativo
Fruto da produtora A Mais de Mil, tocada por Marley no Beat e Tom BC, álbum 'Baile do Marley' reúne faixas autorais com parcerias representativas
Os artistas do brega-funk são, quase sem exceção, autodidatas: começaram movidos pelo impulso criativo, utilizando o que a tecnologia ao alcance lhes oferecia.
Foi o caso do produtor musical Marley no Beat, jovem de 29 anos do Alto do Mandu, na Zona Norte do Recife, que passou a produzir após receber um tablet que o Governo de Pernambuco distribuiu nas escolas públicas na gestão de Eduardo Campos.
"Assisti vídeos no YouTube e aprendi a produzir beats pelo programa FL Studio", relembra Caio Moraes de Santana, ao JC.
Nos últimos anos, ele tem buscado impulsionar as carreiras de tantos outros artistas autodidatas com a produtora A Mais de Mil, criada em parceria com o produtor Tom BC (Tomás Brandão, do grupo Estesia).
Baile do Marley
Neste ano, a iniciativa conseguiu emplacar um projeto no Sistema de Incentivo à Cultura (SIC), da Prefeitura do Recife: o álbum "Baile do Marley Vol. 1", que reúne dez faixas autorais, com vocais de MC Fantaxma, Rayssa Dias, MC Draak, Gui da Tropa, AMun-há e MC CH da Z.O.
É o primeiro projeto de brega-funk desse porte aprovado nesta lei de incentivo, mostrando que os tempos realmente estão mudando - antes, era muito difícil, fosse pela falta de conhecimento e orientação dos artistas, ou pela própria visão dos pareceristas.
"Eu nunca tinha visto outro projeto de brega-funk nessas leis de incentivo. A galera do brega-funk não tem esse acesso, essas informações, e acaba não conseguindo se inscrever”, diz Marley.
"A gente está sendo parte de algo muito importante, podendo abrir esse caminho e mostrar para a galera que existem outros meios de sobreviver da música. Está sendo muito massa, e eu estou muito feliz de poder mostrar para outras pessoas que existem essas outras possibilidades."
Formação
O projeto ainda teve uma etapa formativa com jovens das periferias, com oficinas de áudio, técnica vocal, distribuição digital e produção musical, com orientação de um time que incluiu Vinicius Aquino, Surama Ramos, Jéssica de Brito e os próprios Marley e Tom.
O produtor acredita que iniciativas formativas podem ajudar àqueles que querem iniciar carreiras nesse meio, um dos principais propulsores da economia criativa nas periferias. “Vejo nos filmes que, desde criança, a galera lá fora tem aula de música, aula de teatro, artes incluídas nas escolas. Aqui, não temos muitos programas assim nas escolas públicas, mas deveríamos ter mais programas de arte e cultura nas escolas para que as pessoas pudessem aprender essas coisas”, diz.
“Isso ajuda muito na hora de formar um músico. Muita gente do brega-funk não tem esse acesso, não sabe o que é uma nota musical. Eles fazem o que vem na cabeça, no instinto mesmo, e colocam pra frente."
Sonoridade
Passeando por várias fases do brega-funk, "como se fosse um baile", o projeto é um tanto fora da curva quando comparado com a cena do brega-funk atual.
Em primeiro lugar, ele não usa "capelas", que são refrões de MC’s de funk que ganham versões no brega-funk por já fazerem sucesso posterior. Hoje, a maioria dos lançamentos segue essa proposta.
"Queremos mostrar que o bregafunk tem músicas autorais boas, que são bem produzidas"Marley no Beat
Frequentemente, faixas de brega-funk são produzidas rapidamente para acompanhar o ritmo frenético das plataformas de streaming e das mídias digitais. Com o incentivo público, a produção talvez tenha ganhado mais liberdade, resultando em trabalhos mais elaborados e, por vezes, arrojados.
"A gente investiu totalmente em músicas autorais para fugir desse lugar comum. As pessoas têm visto o bregafunk como uma forma de remix, mas queremos mostrar que o brega-funk tem músicas autorais boas, que são bem produzidas e tudo mais", diz Marley.
"O público vê uma galera lançando autoral e começa a se inspirar, e isso já está acontecendo. Tem muita gente assinando música autoral, querendo se desvencilhar do 'capela', desse improviso. Esse projeto ajudou muito a construir isso também."
Já os artistas convidados já tinham proximidade com os produtores - Marley e Tom. "Pretos, mulheres, pessoas não-binárias, lésbicas, incluímos toda essa galera. A gente priorizou fortalecer quem já está com a gente nessa caminhada".
Ao priorizar a originalidade e o fortalecimento coletivo, Marley no Beat, Tom BC e equipe traçam novos caminhos para a cena. O Baile do Marley é uma declaração de autonomia criativa e um convite para continuar reimaginando o lugar do brega-funk na música contemporânea pernambucana.
"Queremos mostrar que o bregafunk tem músicas autorais boas, que são bem produzidas"
Marley no Beat