CINEMA

"E.T., o Extraterrestre": Há 40 anos, Spielberg conquistou o mundo com amizade interplanetária

Amizade interplanetária entre um alienígena e um garoto teria comovido até o casal Nancy e Ronald Reagan e deixado Elizabeth II efusiva

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JC

Publicado em 03/08/2022 às 23:07 | Atualizado em 04/08/2022 às 17:18
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Por Luiz Carlos Merten, da Agência Estado

Tem gente que não sabe ou nem se lembra disso, mas em 1982 um prestigiado diretor francês, Claude Lelouch — que venceu a Palma de Ouro por "Um Homem, uma Mulher", em 1966 —, lançou a candidatura de Steven Spielberg para o Prêmio Nobel da Paz, que ele mereceria receber por seu longa E.T., o Extraterrestre. A Academia Sueca não levou o pedido em consideração, mas vale a pena recapitular. Há 40 anos, Spielberg usou a vitrine do Festival de Cannes para lançar E.T., em alto estilo, no dia 26 de maio de 1982. Em 11 de junho, o filme estreou nos cinemas dos EUA — no Brasil, chegaria só em 25 de dezembro daquele ano. Em 27 de junho, Spielberg foi convidado a apresentar E.T. na Casa Branca.

Existem relatos de que a então primeira-dama Nancy Reagan chorava copiosamente no fim da sessão e o presidente Ronald Reagan, perdendo o decoro do cargo, reagiu como um garoto, o próprio Elliot (Henry Thomas), quando descobre que o alienígena, dado como morto, está vivo. Em 17 de setembro, recebido pelo então secretário-geral Javier Pérez de Cuellar, Spielberg mostrou E.T. na ONU e ganhou, não o Nobel da Paz, mas a UN Peace Medal. Faltava só exibir E.T. para a rainha da Inglaterra, o que Spielberg fez em 9 de dezembro de 1982. Sua Majestade Elizabeth II permitiu-se um momento de plebeia e reagiu efusivamente, quebrando o protocolo.

E.T. virou um daqueles filmes de culto. Foi indicado para o Oscar e perdeu — a Academia de Hollywood preferiu premiar o que não deixava de ser outro E.T., o "Gandhi" de Richard Attenborough. O sucesso foi planetário, e hoje talvez pareça piada lembrar que a Columbia, primeiro estúdio à qual Spielberg levou o projeto, declinou da oferta, não acreditando no potencial comercial da história. O diretor foi bater na porta da Universal, que prontamente aceitou, mas fixou um teto de custo que hoje talvez pareça incipiente — US$ 10 milhões. Com todos aqueles efeitos? Spielberg conseguiu, mas em 2002, usando sua fortuna pessoal, refez os efeitos e lançou a versão especial digitalizada.

Para chegar à gênese de E.T., é preciso recapitular. Em 1980/81 Spielberg, convencido pelo amigo George Lucas, estava realizando uma superaventura que viraria série com o personagem Indiana Jones, "Os Caçadores da Arca Perdida". Mas Spielberg não estava feliz. Intimamente, confessou a seu biógrafo, Joseph McBride, que sempre quis ser diretor para contar histórias sinceras de gente.

Spielberg se inspirou em amigo imaginário da infância

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RECONHECIMENTO Por seu trabalho em E.T., Steven Spielberg foi indicado ao Nobel da Paz pelo cineasta Claude Lelouch e ganhou medalha da ONU - DIVULGAÇÃO

François Truffaut, o renomado crítico e autor francês, que foi ator em "Contatos Imediatos de Terceiro Grau", exortou-o a contar histórias de crianças. Steven Spielberg voltou-se para uma fantasia do próprio passado. Garoto, tinha um amigo imaginário, um alienígena. Contou a história a Melissa Mathison, que na época namorava Harrison Ford e o acompanhava no set de "Raiders of the Lost Ark". Melissa começou a escrever o roteiro que viraria E.T., mas algo ocorreu. John Sayles, que viraria um importante diretor independente, encaminhou um roteiro à produtora de Spielberg. "Night Skies" era sobre um bando de alienígenas que aterroriza uma família de fazendeiros. O grupo é liderado por um E.T. maligno chamado Scar — como o chefe pele-vermelha que sequestra Natalie Wood e é perseguido por John Wayne no clássico "Rastros de Ódio", de John Ford, de 1956.

Alienígenas perversos sempre foram o modelo para Hollywood. A totalidade das ficções científicas apostava nesse tipo de personagem para explorar a paranoia do povo norte-americano. A novidade do roteiro de Sayles é que, a despeito da crueldade de Scar, havia no seu grupo um E.T. do bem, que tentava ajudar a família por meio do filho menor, o júnior. Spielberg chegou a pensar em produzir o roteiro de Sayles para que ele próprio dirigisse, mas o roteirista já estava em outra, virando diretor com um filme autoral — "Return of the Secaucus Seven". Melissa Mathison incorporou elementos de "Night Skies", mas seu roteiro baseava-se na narrativa inicial do diretor.

Como o próprio Steven Spielberg, Elliot é filho de um lar destroçado, de pais separados. Supre sua carência afetiva com o E.T. No roteiro de Sayles, o E.T. bonzinho é abandonado na Terra por Scar e seu grupo — é o começo do longa de Spielberg. E.T. vai apontar o dedo para o céu - Home/Lar. Elliot vai ajudá-lo a voltar para casa. Não é por caso que o garoto da história se chama Elliot e que seu nome começa e termina englobando as iniciais do extraterrestre. Num determinado momento da rodagem, Spielberg deu-se conta do que é bastante óbvio. O E.T. ressuscita. Spielberg chegou a comentar com Melissa — "Público, críticos, todos vão comparar com a ressurreição de Cristo. Minha mãe não vai gostar." Criado pela mãe judia, Spielberg sempre se considerou um bom judeu. O Talmude inspira seus dois filmes vencedores do Oscar — "A Lista de Schindler", de 1994, e "O Resgate do Soldado Ryan", de 1999. A vida de um homem vale a de todos os homens.

Ao que consta, o roteiro de Melissa Mathison já incluía uma descrição física do E.T. Carlo Rambaldi criou o alienígena a partir da descrição dela. Quando o filme estourou e uma infinidade de bonecos e objetos chegou ao mercado, Melissa processou a Universal e ganhou uma fortuna. Virou jurisprudência, a roteirista contra o estúdio. E.T. pega carona em John Ford, mas as imagens que aparecem no filme não são de "Rastros de Ódio", e sim de "Depois do Vendaval", de 1952, o beijo de John Wayne e Maureen O'Hara. Conceitualmente, o desfecho — o E.T. parte na nave, Elliot sente a dor da perda — remete a outro clássico, Joe (Brandon de Wilde) despedindo-se de Shane (Alan Ladd) no western de George Stevens, "Os Brutos Também Amam", de 1953.

É tempo de reverenciar E.T., um grande filme popular, infantil, mas não apenas para crianças, no momento em que o alienígena entra nos 'enta'.

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