CINEMA

Filme 'O Homem Cordial' reflete sobre a onda do cancelamento

Longa-metragem de Iberê Camargo provoca o público a todo o momento para se posicionar sobre atitude de protagonista

Agência Estado
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Publicado em 12/05/2023 às 16:47
MARCELO VITTORINO
Aurélio (Paulo Miklos) é protagonista do filme 'O Homem Cordial' - FOTO: MARCELO VITTORINO

Logo em uma das primeiras cenas de O Homem Cordial, estreia da semana, Aurélio (Paulo Miklos) está se apresentando em um palco quando começam a atirar objetos em sua direção. As pessoas estão vaiando e exigindo que ele saia dali. O motivo é um vídeo que começou a circular mostrando o roqueiro, que fez sucesso nos anos 1980, diretamente envolvido em uma confusão, ajudando o bandido a escapar da polícia. Será?

A partir dessa pequena pergunta, o filme se desmembra em assuntos que não poderiam ser mais atuais. Iberê Camargo, diretor que também é conhecido por seu trabalho em "O Último Cine Drive-In", provoca o público a todo o momento para se posicionar: Aurélio estava certo ou errado? O que, de fato, aconteceu naquela confusão? Ao longo de 85 minutos, buscamos respostas, na noite de Aurélio em São Paulo, sobre o que ocorreu mais cedo.

Enquanto isso, o público presencia a "cultura do cancelamento" em ação - ou seja, quando as redes sociais julgam e condenam a partir de fragmentos da realidade. "As redes sociais têm essa condição. Você vê uma imagem por três segundos e já tem uma opinião formada. A velocidade da informação é preocupante. Somos bombardeados. A gente cria e forma opinião a partir de algo que não questiona mais", comenta Miklos ao Estadão.

Apesar de dizer que nunca foi cancelado, Miklos avisa: conhece profundamente muitas das coisas que Aurélio passa - e não, não é só a semelhança de dois roqueiros que fizeram sucesso nos anos 1980.

ASSUNTOS ATUAIS

"Tenho experiência acumulada com o que vive esse personagem, por ser uma figura pública", explica Paulo. "É importante discutir assuntos atuais, como fake news, cancelamento, linchamento virtual. Descortina um Brasil que a gente nem sempre quer ver. A arte tá aqui pra tocar a gente, para alertar, sensibilizar."

Ainda que grande parte do filme fale sobre o "cancelamento", O Homem Cordial vai além. Em determinado momento, buscando respostas, Aurélio vai à periferia encontrar o amigo Bestia (Thaíde) para falar com a família do menino acusado de ser bandido. Neste ponto, o filme entra em outra seara: fala sobre violência policial, racismo e linchamento (agora, porém, no mundo real). Tudo fica ainda mais forte com a última cena da produção, que enfim nos revela a verdade daquela confusão que tornou a noite de Aurélio um inferno.

"Se você não sentir nada com a última cena, estamos perdidos. E o que espanta é como isso é ‘normal’. É preciso discutir a normalidade da violência", diz Paulo Miklos. Iberê, enquanto isso, explica o motivo de a cena estar no final, transformando a maneira de se ver o filme. "Na montagem, até pensamos em colocá-la fragmentada. Mas depois resolvemos deixar para o final São histórias reais de crianças que foram assassinadas e não são só nomes. São pessoas com medos, inseguranças e desejos."

Como cenário para isso, São Paulo. Gravado ao longo de cinco semanas, apenas à noite, o longa é tratado por Paulo Miklos como algo premonitório, já que o filme foi gravado em 2018 e reproduz problemas vividos até hoje. "Como ator e como paulistano da gema, conheço bem minha cidade. Nas gravações, vi minha cidade por outro ângulo. Eu andava por ali, ia para as baladas, curtia o final de semana, passeava com a turma. O que vi durante cinco semanas de gravações noturnas foi uma crise humanitária. As coisas pioraram. O filme é premonitório. Com isso, São Paulo também é um personagem do filme."

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