'Não é fácil falar da questão racial na França', diz Rokhaya Diallo, no Recife para o Festival Baobá Cine
3ª edição da Mostra de Filmes Africanos e da Diáspora de Pernambuco exibe três projetos da jornalista, escritora e cineasta considerada pelo The New York Times uma das principais ativistas do antirracismo da França
Uma das principais vozes pela igualdade racial na França, a cineasta Rokhaya Diallo está no Recife para exibir três filmes dentro da 3ª edição do festival Baobá Cine - Mostra de Filmes Africanos e da Diáspora de Pernambuco. Realizada da segunda (15) até a quinta-feira (18), a programação ainda inclui encontro com organizações e personalidades do movimento negro e debates com Diallo e Leonard Cortana, um dos curadores da edição.
Com o objetivo de promover um intercâmbio entre as práticas antirracistas dentro e fora do audiovisual negro do Brasil e da França, a grade começa por Caruaru, no Agreste, nesta segunda (15) e terça (16), com sessões na Casa Cultural Respira e no Teatro Rui Limeira Rosal (Sesc Caruaru).
No Recife, a programação se inicia com um encontro direcionado a organizações e ativistas do movimento negro da cidade na quarta-feira (17), às 19h, no auditório da Aliança Francesa do Derby. No dia seguinte, 18, a partir das 18h, serão exibidos no Cinema da Fundação do Derby os filmes "Bootyful", "Steps to Liberty" e "Acting while black : blackness on French screens". Em seguida, a cineasta e o curador conversam com o público.
'Realizadores sentem falta de reconhecimento'
Criada nos bairros operários de Paris, Rokhaya Diallo é uma jornalista, escritora e cineasta francesa premiada, tendo sido considerada pelo The New York Times uma das principais ativistas do antirracismo da França.
"Na França, não é fácil falar da questão racial. Falta um lugar que fale sobre isso, então isso faz com que eu tenha um espaço diferente e original. Tenho mais facilidade para falar sobre isso no estrangeiro, fora da França. Existe uma negação sobre esse tema, principalmente vindo de uma mulher negra", diz a Rokhaya Diallo, em coletiva de imprensa na sede da Aliança Francesa.
"Steps to liberty", um dos documentários, aponta a pouca presença e representatividade de atores e atrizes negros no cinema francês. "Existe uma evolução nesse tema, temos alguns realizadores premiados, mas continua complicado. Muitos realizadores sentem a falta de um reconhecimento internacional, já que ter esse reconhecimento na França já é muito difícil", diz.
A cineasta explica que a falta de representatividade engloba pessoas não-brancas no geral, incluindo asiáticos. "Franceses que são franceses, com pais e avós franceses, muitas vezes não tem reconhecimento por conta de uma origem estrangeira", diz. "Eu sempre morei na França, mas, quando sofro algum ataque nas redes sociais, existe um cunho de 'volte para a África', embora eu nunca tenha morado na África."
'Contra a desinformação no Brasil'
Leonard Cortana, um dos curadores, diz que a edição tem entre os seus pilares achar um espaço de diálogo para que pessoas negras da diáspora africana façam uma conexão no Recife. "No Brasil, existe essa ideia das pessoas de São Paulo e não há a valorização das pessoas do Recife. Essas imagens não são levadas para a Europa, mas sim uma imagem ligada a São Paulo e ao Norte."
"Outra coisa importante trabalhada nessa curadoria é o papel da juventude na pós-pandemia. Qual é o engajamento deles, através do ativismo, do empreendedorismo, do engajamento político? A ideia é mostrar o que essa juventude negra produz. O jovem negro é um sujeito, um objeto de representação, mas também é ativo e produz".
Para Leonard Cortana, a atual edição do festival torna-se uma oportunidade para que Rokhaya Diallo conheça mais o país e "seja capaz de lutar contra a desinformação que existe no Brasil". "Os filmes dela trabalham com os jovens. Quando ela faz entrevistas, ela valoriza e emancipa os jovens, colocando-os num local de fala valorizado".
'Falar sobre cinema negro em Pernambuco ainda é difícil'
Nathalia Lopes, da produção da Baobá Cine, afirmou que "falar sobre o cinema negro e cinema afrodiaspórico em Pernambuco ainda é difícil". "É difícil em vários sentidos, mas o que nos atinge é a pouca visibilidade para os realizadores e toda a cadeia que faz esses filmes acontecerem. Afinal, sabemos que a visibilidade é que dá a passagem para o acesso ao mercado cinematográfico visual e o sustento dessa cadeia", disse.
"Então, nós acreditamos que fortalece essa rede para além do Brasil, estendendo até uma realizadora negra da França, nos proporciona uma ponte com esse continente. Isso fortalece nossa rede interna para buscar novas parcerias e ter mais reconhecimento de voz."
Confira a programação:
Segunda-feira, 15/01
19h, Casa Cultural Respira Encontro com o movimento negro de Caruaru e exibição de Steps to Liberty
Terça-feira, 16/01, 19h, Teatro Rui Limeira Rosal (Sesc Caruaru)
Exibição de "Acting while black: blackness" on "French screens", "Bootyful" e debate com Rokhaya Diallo e Leonard Cortana
Quarta-feira, 17/01, 19h, Auditório da Aliança Francesa
Encontro com lideranças do "Movimento Negro e trabalhadores negros do audiovisual do Recife"
Quinta-feira, 18/01, 18h, Cinema da Fundação Joaquim Nabuco Derby
Exibição dos filmes "Bootyful" e "Steps to Liberty"
Quinta-feita, 18/01,19h, Cinema da Fundação Joaquim Nabuco Derby
Exibição do filme "Acting while black: blackness on French screens" e debate com Rokhaya Diallo e Leonard Cortana