Memória

Wilton de Souza embelezou o frevo com capa criadas para a Rozenblit

Ele criou embalagens antológicas para os LPs da gravadora

José Teles
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José Teles
Publicado em 09/03/2020 às 17:33 | Atualizado em 09/03/2020 às 19:37
Acervo da Rozenblit
Capa de Wilton de Souza para LP de valsas de Nelson Ferreira - FOTO: Acervo da Rozenblit

O artista plástico Wilton de Souza, falecido nesse domingo, aos 87 anos, faz parte da história do frevo como capista da Fábrica de Discos Rozenblit, para a qual trabalhou de 1956 a 1964. Ele próprio se ofereceu a José Rozenblit, o presidente da gravadora, para criar as capas. Embora não tenha sido o primeiro artista plástico a encarar tal tarefa para os discos da empresa, foi o primeiro a se especializar em fazê-lo. Antes dele, o pintor Lula Cardoso Ayres fez capas para a Mocambo, como a gravadora era conhecida em Pernambuco. Mocambo é o nome estampado na logomarca inicial da gravadora, escolhido entre os clientes da Lojas do Bom Gosto, o estabelecimento comercial dos irmãos Rozenblit, na Rua da Aurora. Curioso é Wilton, que foi aluno de pintores como Vicente do Rego Monteiro, Abelardo da Hora, um dos fundadores do Atelier Coletivo, marco da pintura pernambucana, ter desejado fazer capas de disco, com carteira assinada, que somente seria tratada como uma extensão das artes plásticas a partir da década de 60, quando a gravadora Elenco, de Aloysio de Oliveira passou a tratar capas com o mesmo zelo como tratava os discos que gravava.

A Mocambo seguia uma tendência que começou a se configurar nos anos 50, com o surgimento do LP. O 78 rotações era vendido em embalagens tipo envelope, geralmente em papel fosco, sem ilustrações, a não ser a logomarca da gravadora. O LP precisava de visual atraente para atrair o consumidor. Em 1954, por exemplo, o pintor Di Cavalcanti, uma celebridade da pintura brasileira, fez o desenho da capa do álbum em que Aracy canta composições de Noel Rosa. No primeiro LP de Dorival Caymmi, Canções Praieiras (1954), a capa estampa uma tela do próprio Caymmi, também pintor de talento.

O álbum Capital do Frevo, para o Carnaval de 1958, teve a primeira capa que Wilton de Souza criou para a Mocambo. Na dissertação de mestrado de Paula Valadares, O Frevo nos Discos da Rozenblit - Um Olhar de Designer Sobre a Representação da Indústria Cultural (2007), Wilton de Souza confirma que sofreu influência das capas de discos americanos no trabalho feito para a Mocambo. A gravadora distribuía o catálogo da Mercury, Time e Seeco no Brasil. E passou a utilizar no rodapé um “high fidelity”, copiando os discos internacionais. O que era muito comum na época. Algumas gravadoras, como a Columbia (depois CBS e Sony Music), simplesmente costumava usar a arte da capa de um LP da matriz para seus contratados brasileiros. É o que acontece por exemplo com o Louco Por Você, álbum de estreia de Roberto Carlos, no original To Each His Own, álbum do tecladista Ken Griffin, que o lançou em 1956.

REGIONALISMO

Mas tem muito de regionalismo nas suas capas. A primeira delas, o volume inicial da série Capital do Frevo, ele inseriu personagens do Carnaval do Recife (incluindo papangus, então uma das fantasias mais comuns da folia pernmbucana), sobre uma foto da Avenida Guararapes, cruzando com a Rua do Sol. Wilton tem capas memoráveis, uma delas a do LP Evocações em Piano e Conjunto de Cordas, de Nelson Ferreira, fotografado sentado ao piano, meditativo. Toca no LP um repertório de valsinhas. Claro, o título Evocações pega carona na marcha de bloco homônima, maior sucesso nacional da Mocambo, em 1957. Antes de dar sair da Rozenblit, Wilton de Souza criou, em 1963, um de seus melhores trabalhos para a gravadora, Frevo em Passo de 1 mais 2. primeiro álbum duplo da discografia brasileira. Ele imprimiu a dinâmica do frevo, com figuras de passistas em locais diferentes da capa (também dupla). Pena que todos estes trabalhos, em disco físico, estejam fora de catálogo.

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