Ibrahim Ferrer tem seu melhor disco relançado e reformatado

Álbum de 2003, recebeu mexidas e ganhou músicas inéditas

José Teles
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José Teles
Publicado em 10/03/2020 às 13:00 | Atualizado em 10/03/2020 às 13:05
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Ibrahim Ferrer, cantando la vieja Cuba - FOTO: DIVULGAÇÃO

Cuba influenciou a música de outros países desde as primeiras décadas do século 18, quando a habanera (nascida em Havana), chegou à Europa. Uma das árias da ópera Carmem, de Bizet, é uma habanera, composta em cima de uma música intitulada El Arreglito do espanhol Sebastián Iradier. Bizet supôs que fosse de domínio público. A habanera disseminou-se pela Europa, sofreu transformações e foi levada de volta à Cuba, de onde se espalhou pela América-Latina, está na base da milonga, do tango, da rumba, do maxixe, do frevo. A proximidade da ilha com os Estados Unidos, com o advento da indústria fonográfica, fez com que os ritmos cubanos se tornassem ainda mais populares nos EUA. Nos anos 40 a percussão cubana foi assimilada pelo jazz, os percussionista Machito e Chano Pozo, foram os mais importantes nomes do afro-cuban jazz, baseado em Nova Iorque, e ligados a grandes do jazz feito Dizzy Gillespie e Charlie Parker.

Até os primeiros anos da década de 60, a música cubana ainda continuava forte no exterior. Com o bloqueio sofrido pelo país depois da tomada do poder por Fidel Castro, quando muita gente da música preferiu deixar o país, ela passou a ter menos influência, sobretudo quando o Brasil exportou a bossa nova para o mundo. A leva de percussionistas brasileiros que trocou o país pelos Estados Unidos, Airto Moreira, Naná Vasconcelos, Dom Um Romão, entre outros, desbancou a percussão cubana do jazz.

Um salto para 1999, quando o documentário Buena Vista Social Club, dirigido por Wim Wenders, com direção musical do músico americano Ry Cooder, tornou-se um fenômeno de bilheteria, recolocou a música cubana voltou à vitrine. O espírito de Buena Vista Social Club (uma antiga casa noturna de Havana) inspirou o ótimo doc pernambucano Sete Corações, idealizado pelo maestro Spok, e dirigido por Déa Ferraz, focando sete maestros do frevo, boa parte já acima dos 80 anos.

Ry Cooder “garimpou” a ilha em busca de astros aposentados e reclusos do son, o mais popular dos ritmos cubanos. Um doc simples, muito bem amarrado, que consegue prender o espectador contando histórias de artistas que ele, antes de entrar na sala de projeção ignorava. Ibrahim Ferrer, Compay Segundo, Omara Portuondo, Eliades Ochoa, Faustino Oramas e Rubén González, são as estrelas do filme. Destes Omara Portuondo e Ibrahim Ferrer foram os que conquistaram corações e mentes.

Ferrer faleceu em 2005, relativamente novo, aos 78 anos. Omara Portuondo, por exemplo, chega aos 90 em outubro de 2020.

Depois do sucesso do documentário, Ibrahim Ferrer gravou três discos solo. Um destes volta às lojas, físicas e digitais, Buenos Hermanos, lançado em 2003, foi o mais bem produzido dos discos de final de carreira de Ferrer. Son, guajira e boleros são a base do repertório, com participações especiais de The Cubans, Cachaito Lopez, Chucho Valdés, respectivamente, contrabaixo e piano, Manuel Galbán, na guitarra,, Flaco Jimenez, toca acordeom, com The Blind Boys of Alabama no backing vocals.

A produção é de Ry Cooder, um dos mais importantes músicos americanos, guitarrista virtuoso, e criativo. Ficou conhecido por suas colaborações com os Rolling Stones, nos anos 70. Afastou-se do grupo acusando terem-lhe afanado músicas, entre estas o riff e melodia de Honky Tonk Women. Coincidentemente, no ano em que ele produziu Buenos Hermanos, a revista Rolling Stone o posicionou entre oitavo lugar ente os cem melhores guitarristas do século (dos sete acima dele, três já tinham morrido).

O setentão Ibrahim Ferrer está cantando primorosamente neste álbum, com pleno domínio da música cubana dos anos 40 e 50, feito no bolero Mil Congojas (Juan Pablo Miranda). Ele canta no estilo da época, mas no acompanhamento destaca-se a guitarra elétrica, que aliás, permeia quase todo o álbum, porém sem estridência, no ponto. Ry Cooder, or sinal, é especialista em gravar artistas não americanos, gravou e fez turnês, por exemplo, com o malinense Ali Farka Toure, ou com os mexicanos da Los Tigres del Norte. Não por acaso, uma das melhores faixas do álbum é Perfume de Gardênia (Rafael Hernández Marín) com os vocais do quinteto The Blind Boys of Alabama, um bolero que frequentou repertórios de muitos artistas brasileiros (incluindo Waldik Soriano).

Um dos últimos dos clássicos intérpretes do son, Ibrahim Ferrer teve um disco à altura do seu talento e história. O trabalho de Ry Cooder neste álbum fez dele quase um lançamento inédito. Além de retrabalhar as gravações originais, ele modificou a sequência das faixas, e acrescentou quatro canções não incluídas na primeira edição. A capa também tem uma nova foto, em p&b, pinçada das sessões realizada há 17 anos. O encarte virou um libreto com um texto assinado por Cooder.

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