Entrevista

Renato e Seus Blue Caps celebrando 60 anos de estrada

Grupo carioca repassa a carreira com dois shows no Manhattan

José Teles
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José Teles
Publicado em 12/03/2020 às 13:28 | Atualizado em 12/03/2020 às 18:40
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Renato e Seus Blue Caps, a banda de rock mais antiga do país - FOTO: DIVULGAÇÃO

Renato e seus Blue Caps é um dos grupos de rock mais antigos do mundo em atividade, sem interrupções. Os irmãos Renato, Paulo César, Edinho e um amigo começaram a tocar juntos em 1959. Nesta sexta e no sábado, quando se apresentarem no Manhattan, em Boa Viagem, de cima daquele palco seis décadas de música vão contemplar a plateia da casa. Durante cerca de duas horas o grupo vai repassar uma série de canções que faz parte da vida de gerações. Uma história que começou a tomar forma num dia comum na cidade do Rio de Janeiro. Renato Barros não lembra mais o que foi fazer perto da TV Rio, acompanhando “Seu Francisco”, um amigo do pai dele. Mas quando viu uma longa fila diante da emissora, perguntou a um garoto o motivo. Soube que era para se inscrever no Hoje É Dia de Rock, programa de imensa audiência entre os jovens cariocas, apresentado por Jair de Taumaturgo. Renato perguntou se “Seu Francisco” poderia esperar enquanto ele se inscrevia.

“Foi o primeiro passo pra gente entrar na música. O programa foi um fenômeno no rádio, e passou para a TV, parava a cidade. Ia ao ar às duas da tarde, nos sábados. Jair de Taumaturgo, a primeira coisa que perguntou foi qual era o nome do conjunto. Eu não tinha ideia. Lembrei do carnaval, a gente tinha nosso bloco, Os Bacaninhas da Piedade, e disse que este era o nome. Ele olhou pra minha cara, e falou, vamos botar um rock no meio. E ficou Bacaninhas do Rock da Piedade. A gente venceu o concurso. Tinha que se apresentar de novo. Taumaturgo me cumprimentou, e pediu que mudasse o nome, que achava muito feio. Perguntou como eu me chamava. Ele sugeriu Renato e alguma coisa, Renato e aquilo, eu dizendo sempre não. Quando falou Renato e seus Blue Caps, eu gostei (vinha do americano Gene Vincent and the Blue Caps). Nos apresentamos assim pela segunda vez no É Dia de Rock, depois fomos ao programa de Chacrinha, na TV Tupi. Carlos Imperial assistiu, me procurou, fizemos o programa dele na TV. Fomos nos enturmando, foi nesta época que conheci Roberto Carlos. A história é esta”, rememora o músico.

Quanto às seis décadas de estrada da banda, Renato Barro confessa que jamais esperou que acontecesse, mas atribui a um conjunto de fatores: “Acho que tivemos muita sorte, e competência, de procurar cantar um repertório que vem de encontro ao que o povo queria, que marcou muito as vidas das pessoas. Depois, procuramos dar o melhor que a gente pode. Acho que a longevidade vem dai, depois de tantos anos de carreira, você subir no palco, o povo aplaudindo, a casa lotada, me sinto realizado”. Ele não se concebe fazendo outra coisa: “Só tive outras profissões ligadas à música. Fui produtor durante alguns anos na CBS, fiz sucesso com outros artistas, mas fora da música, não. Só não aprendi a ser empresário. Comecei com Renato e Seus Blue Caps com 17 anos, não sobrou tempo pra aprender outra coisa”.

Naturalmente, a demanda atual não é a mesma de quando o grupo estava no auge, entre os anos 60 e 70, mas se apresentam pelo menos duas vezes por semana. As viagens, por melhores que sejam, são cansativas, reconhece Renato, “Ainda mais com a idade, não é mais o mesmo de quando você tinha 20 anos, ficam cansativas. Então é muito bom chegar em casa. Mas eu gosto muito de viajar, o prazer de trabalhar com as pessoas, suplanta o cansaço receber o carinho dos fãs. Acho ótimo fazer show no Recife, pessoalmente, eu adoro esta cidade, feito Reginaldo Rossi que adorava o Recife. Tenho muitos amigos, pessoais, pra mim isto não tem preço. Chegar em casa é muito bom, encontrar sua família, mas tanto a ida, quanto a volta são prazerosas”.

ANOS 60

Se atualmente as viagens são cansativas, (Renato completa 77 anos em setembro), antigamente eram imprevisíveis. Nos anos 60, boa parte das rodovias do país não era pavimentada. Meios de transporte precários, e o Renato e seus Blue Caps bastante requisitado: “Você viajava naquelas estradas de chão, quando chovia era um sufoco. Cansei de empurrar carro, nos anos 60. Mas quando gente é novo tudo é divertido. O pior era naquela região do Amazonas, também nos anos 60, muito complicado pra viajar, as estradas não eram como são hoje, cidades não tinham campo de pouso pra pegar um teco-teco. No Nordeste, nem tanto, só ficava ruim quando era uma cidade do interior muito longe. O que me marcou mesmo foi a região Norte, a Ilha do Marajó, porém, todas tinham uma coisa em comum, o povo bastante simpático, gostavam muito da gente, isto aí suplantava qualquer dificuldade”, pondera.

De todos os conjuntos da era do iê-iê-iê, Renato e Seus Blue Caps foi o mais popular. Disputava com Roberto Carlos em vendagem de discos na CBS. Renato confessa que não tem a menor ideia da quantidade de LPs que venderam, não havia controle do artista. Eles recebiam os borderôs de pagamentos de direitos autorais, com o número de unidades vendidas. Ele diz que nunca se preocupou em conferir. O grupo emplacava o tempo inteiro nas paradas porque tinha o dom de escolher a música certa. Estouraram nacionalmente, em 1964, com Menina Linda, versão de I’ve Should Have Known Better, de Lennon & McCartney, mas obtiveram o mesmo sucesso com Meu Bem Não me Quer, versão de My Baby Don’t Care, do obscuro grupo The Gants, bandinha texana de garagem:

“A gente gravava na CBS que era norte-americana, multinacional, tinha filiais no Brasil, Portugal, França, Inglaterra na Alemanha, pelo mundo. Estas CBS que existiam em vários países, se interconectavam. A Brasileira mandava seus discos pras outras filais, e a CBS de outros países mandavam pra cá. A gente ouvia estes discos, o que gostava fazia versão, de comum acordo com o presidente da empresa Evandro Ribeiro. Eu fazia versões, Rossini Pinto fazia muito, a Lilian, que era minha namorada, fazia muitas versões. Enfim, a gente recebia os lançamentos lá de fora, eu ouvia todas originais, se a gente gostava, gravava.

A Jovem Guarda, como passou a ser chamada a turma que fazia iê-iê-iê no Brasil, teve vida curta. Durou entre 1965 e 68. Três anos intensos. As mudanças no rock internacional, com a evolução da tecnologia, a psicodelia, junto com a eclosão do tropicalismo, deixou os ingênuos astros da Jovem Guarda baratinados. Ronnie Von, por exemplo, mudou de estilo, aproximou-se do tropicalismo. Renato Barros diz que sentiu as mudanças, mas que o grupo agiu com cautela:

“Eu escutava muito os conselhos da gravadora, a CBS, a gente mudava, mas muito de leve. Nunca fizemos uma mudança drástica, como outros artistas. O próprio Roberto Carlos fez isto. Quando foi participar do festival de San Remo, aquilo foi um novo ponto de partida. Ele mudou o estilo completamente, passou a ser o cantor romântico, de grandes orquestras, eu participei destas orquestras. Roberto foi ficando mais adulto. Nós optamos por não fazer esta mudança, preferimos manter o que estava dando certo. Os Beatles mudaram muito, mas a gente preferiu manter o estilo, não descaracterizar o que não dava certo. Mudamos uns componentes aqui, outros ali, mantendo o estilo, até um certo ponto. Se você for a um show de Renato e seus Blue Caps hoje, vai ver que o estilo é o mesmo, mas a pegada é outra. Até porque os equipamentos evoluíram. Evoluimos na parte técnica, sonora. A gente procura dar uma pegada atual às musicas antigas, sem que elas percam as características.”, explica.

PARADA

Da formação dos anos 60 de Renato e seus Blue Caps, além de Renato Barros, apenas Cid continua. Nestes 60 anos, até Erasmo Carlos, o que poucos lembram, passou pelo grupo. Aliás, Erasmo nunca cita seu período como vocalista da banda: “Nem fazemos questão de que ele cite, mesmo sendo meu amigo. Nós só fizemos sucesso depois que ele saiu, e ele também, depois que deixou a banda. Aquela época era uma fase amadora, muito amadora, mas que contribuiu de alguma forma para nossa formação. Renato estourou pela primeira vez quando Erasmo saiu. Fomos para a CBS gravamos logo de cara um compacto, com a música Vera Lucia, que fez muito sucesso. Descobrimos que podíamos cantar. Na banda só quem cantava era Erasmo. A grande coisa do Renato é o vocal, e só descobrimos isto quando Erasmo saiu, depois dele, mudamos até o nosso estilo”, conta Renato Barros. A formação atual do grupo (desde 1996): Renato Barros, Cid, Gelson, Darcy Velasco, Amadeu Signorelli.

Em 2023, o bacaninha da Piedade completará 80 anos, seria o momento de voltar para casa de vez? Ele sabe da inevitabilidade de encerrar a carreira, mas, por enquanto, não acena para esta possibilidade: “Todos falam isto, acham que estamos ricos. Que nada, temos uma vida confortável. Nem sei quando se precisa pra ser rico, mas acho que não sou, mas mesmo que fosse eu não pararia. Minha vida é esta. Se precisar parar por algum motivo será muito ruim. Não sei viver mais sem receber o carinho do público, passou a fazer parte da minha vida, não sei ficar com a cabeça vazia. Quando estou em casa fico pensando no show, que inovação posso fazer, faz parte da minha vida e me faz muito bem. No palco minhas ideias estão sendo sempre colocadas à prova. É uma emoção muito forte, sinal de que estou bem, é muito bom testar suas ideias. Acho que não saberia viver sem Renato e Seus Blue Caps. Claro, sei que vai chegar um dia em que isto vai acontecer. As viagens, as brincadeiras, isto tudo faz parte da minha vida. Seria difícil parar de livre e espontânea vontade. Só vou parar quando for obrigado”.

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