Lô Borges com disco novo e longe do Clube da Esquina

Artista mineiro fez todas as músicas com o piauiense Makely Ka

José Teles
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José Teles
Publicado em 19/03/2020 às 18:32 | Atualizado em 19/03/2020 às 18:56
João Diniz/Divulgação
Lô Borges, turnê dependendo do corona vírus - FOTO: João Diniz/Divulgação

O piauiense Makely Ka (produtor, músico, escritor, compositor) encontrava-se na plateia da estreia da turnê Rio da Lua, em Belo Horizonte, título do disco lançando em 2019, por Lô Borges, com todas as canções feitas em parceria com Nelson Ângelo. Da poltrona do teatro mesmo, ele se inspirou para escrever uma letra que mandaria mais tarde para o celular de Lô Borges.

“Cheguei em casa vi aquela letra no meu telefone. Dentro de uns três, quatro dias, disse pra mim, esta letra é bonita, gostei dela e vou musicar. Não tinha intimidade nenhuma com Makely. Gostava do trabalho dele, mas não tinha intimidade pessoal. Porém através dos textos que ele me mandou, desenvolvemos um trabalho. Foram chegando os textos e eu fazendo as músicas, quando a gente viu estávamos com dez canções inéditas e gravadas. Foi um processo inusitado, pra mim e pra ele”, conta Lô Borges o processo de criação de Dínamo, disco que lançou no início de março, pela Deck. A entrevista por telefone, de Belo Horizonte, onde mora.

Lô Borges, 68 anos, foi o garoto prodígio da MPB, compondo com Milton Nascimento, aos 18 a maior parte da música do seminal álbum Clube da Esquina, de 1972. Mesmo ano em que gravou Lô Borges, mais conhecido como o “disco dos tênis”, por exibir na capa um par de basqueteiras. Ele vem lançando discos solo desde então, inicialmente com intervalos de alguns anos, entre um e outro. Do “Disco do Tênis” para Via Láctea, o segundo álbum, foram cinco anos. Neste século sua produção tem sido mais constante.

Em 2019, ele engatou dez parcerias com um sócio do Clube da Esquina, Nelson Ângelo, que não há décadas. Daí saiu o álbum Rio da Lua, feito na base da correspondência eletrônica, pela primeira vez Lô Borges modificando sua maneira de compor, compondo melodias para letras. Em seus discos até então, ele mandava melodia para parceiros criarem letras. “A forma como fiz estas músicas com Makely foi semelhante. E também um processo muito rápido, muito intuitivo, ele mandava a letra, eu fazia a música, levava para ensaiar com a banda, em três meses a gente fez terminou”, diz Lô Borges.

Ele diz ter gostado muito do resultado final do disco: “Minha música favorita é Lava do Vesúvio, que tem uma poesia, uma letra linda. Todas as letras são muito boas, mas nesta Makely foi de uma felicidade poética (declama parte dos versos: “Os seus olhos de dilúvio/Afundaram dois navios/Seu sorriso eu vi no Louvre/E aceitei o desafio/Sobrevivi ao naufrágio/Navegando nesse rio/Você era um mau presságio/Mas não havia um desvio”). Ele foi muito inspirado, é a minha favorita, apesar de eu gostar de todas. Cai no clichê que diz que música é feito filho você gosta de todas, mas de vez em quando tem um filho de que a gente gosta mais”.

A dez músicas de Dínamo são facilmente identificáveis como de Lô Borges, que emprega acordes poucos comuns na MPB, mas sempre transparece a grande influência do mineiro, os Beatles. É o que se sente em Altaajuda, a canção mais “Fab Four” do álbum. Influência que ele confirma com entusiasmo: “Os Beatles, pra mim, são a banda mais espetacular que já ouvi. Conheci com 12 anos, quando assisti ao primeiro filme, A Hard Day’s Night. Jurei amor eterno aos Beatles desde os 12 anos e estou honrando isto. Continuo amando, e ainda escutando Beatles”.

CLUBE DA ESQUINA

Curiosamente, Lô Borges revela que raramente se encontra com os companheiros do Clube da Esquina, uma agremiação que só existiu musicalmente, embora muita gente vá a Belo Horizonte e procura o local onde funcionava o clube. Clube da Esquina, o álbum duplo feito co Milton Nascimento, e com participação da maioria dos sócios, é um dos mais cultuados da história da MPB: “Vejo o pessoal muito pouco. O cara que mais encontro é o Milton, As pessoas estão cada qual cuidando de sua carreira. Continuamos amigos, mas nos encontramos muito pouco. Só Milton é que aparece. Mas o Clube da Esquina foi uma coisa que aconteceu quando a gente tinha 20 anos. Hoje todo mundo tem 70, e estar se encontrando hoje, fica uma coisa meio déjà vu. Adoro Beto Guedes, adoro todo eles, mas nos encontramos muito pouco”.

O assunto Clube da Esquina surgiu por causa dos dois garotos, um branco, o outro negro, uma foto antológica do pernambucano Cafi (falecido em 2019), que ilustra a capa do Clube da Esquina. Cafi e o compositor Ronaldo Bastos iam num Fusca, por uma estrada de barro, na Zona Rural, em Minas, quando se depararam com os garotos Tonho (Antonio Carlos Rosa de Oliveira), e Cacau (José Antônio Rimes), que só souberam que a fotografia deles estava na capa do disco 40 anos depois, e querem ser indenizados por uso indevido de imagem e danos morais.

Lô Borges defende-se, afirma que nem ele nem Milton Nascimento têm nada a ver com o processo: “– Um advogado da gente tá olhando isto. Quando assinei contrato, aos 19 anos, com a gravadora (a EMI- Odeon) foi pra fazer e gravar música, não pra vender disco, publicar música, pegar autorização de imagem. Isto é uma atribuição da gravadora. A minha parte e a do Milton era fazer as canções e gravar. Se estas pessoas se sentem lesadas, que tratem com advogados. Eu nem tava na cena da foto. Acho que foi perto de uma fazenda Cafi clicou de dentro do carro. Nunca tive contato com esses meninos, que hoje são homens, fiquei surpreendido com esta história. Acho que isto deve ser coisa de advogados, a partir de uma matéria que descobriu os meninos já adultos”.

POLÍTICA

Dínamo tem uma particularidade em tempos de discos engajados, manifestos de artistas, polarização. As letras de Makely Ka são pessoais, tratam do cotidiano, de amor, passa por longe do ativismo: Realmente, não tem a ver com política, faladas ralações das pessoas, do cotidiano. Eventualmente passa por alguma coisa assim. A primeira que fiz com Makely Ka chama-se O Caos da Cidade, que reflete o caos que a gente vive hoje, que pode ter uma conotação até mais política, porém é só esta. As outras, é ele falando das coisas dele, eu fazendo as minhas coisas, a partir dos textos dele. É a poesia, a música, querer o legal, o bem feito inspirado. “O que moveu a nossa parceria foi isto , não tem nada voltado para a política abertamente”.

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