Música

Academia da Berlinda promove mudanças sutis no quarto disco

Grupo não sabe quando fará shows para promover o novo álbum

José Teles
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José Teles
Publicado em 27/03/2020 às 10:44 | Atualizado em 27/03/2020 às 11:58
Bruna Valença/Divulgação
Academia da Berlinda, disco novo nas plataformas digitais - FOTO: Bruna Valença/Divulgação

A Academia da Berlinda é a cara de Olinda, valendo a rima. Enquanto outras bandas olindenses, a Eddie e a Orquestra Contemporânea de Olinda, sejam igualmente queridas na cidade, a AB carrega consigo o espírito da mansidão, da tranquilidade, não confundir com complacência, que é uma característica de Olinda, mal comparando, uma variante de Salvador, só que em câmera lenta. Claro, só na área histórica, porque a maior parte do município é um emaranhado de problemas urbanos e sócio-econômicos.

Depois de quatro anos sem lançar disco, a Academia da Berlinda, na maciota, sem chamar os holofotes para si, lança nesta sexta-feira, nas plataformas digitais, o quarto disco, Descompondo o Silêncio, parceria do grupo com a plataforma paulistana de projetos musicais Coala.Lab. O selo do Coala.Lab de criação recente, o álbum da Academia da Berlinda é o segundo que lança (foi inaugurado com um disco de Baco Exu do Blues:

“A gente foi tocar no festival que eles fazem em São Paulo, uma megaestrutura, o grupo está trabalhando com Ana Almeida, que é também da Nação Zumbi. A gente circulou bastante, com Ana e Babel, fez muitos festivais, mas o melhor foi o Coala, em São Paulo. Tocamos lá um ano atrás, pra muita gente. Antes se apresentou uma banda baiana, que faz música eletrônica pesada, levou o povo ao delírio. A gente tinha que encarar, fomos lá e fizemos nossa brincadeira. O público pirou com o mastigado da gente. As produtoras perceberam e veio o convite pra fazer o disco. Gostamos da proposta delas, que fazem a divulgação, a parte da arte, apoio na gravação. O negócio da gente é música, trocar ideia com o público, então é muito bom ter um suporte, é mais ou menos como estar numa grande gravadora, sem a preocupação de vender muito disco, é mais importante que a música toque nas plataformas”.

O comentário é de Tiné, responsável por voz, pandeiro e maraca. Os demais “acadêmicos berlindenses”: Alexandre Urêa (voz e timbales), Yuri Rabid (baixo e voz), Gabriel Melo (guitarra), Hugo Gila (teclados), Irandê Naguê (bateria e percussão) e Tom Rocha (percussão e bateria). No disco eles mesmo se bastam, não têm convidados, e desta vez foram produzidos por Kassin, um dos mais requisitados produtores do país, um luxo proporcionado pela Coala.Lab: “A gente fez os outros trabalhos com produtores pernambucanos, nós mesmos produzimos. Queríamos fazer com um produtor feito Kassin, mas não havia como bancar”, explica Tiné. A masterização foi realizada em Los Angeles por Robert Carranza, detentor de quatro Grammy, e que trabalhou com nomes feito Jack Johnson, Marilyn Manson, Taj Mahal e o rapper Criolo.

O repertório de Descompondo o Silêncio foi montado nos quatro anos que separam este disco do álbum anterior, Nada Sem Ela, de 2016 (este, sim, cheio de participações especiais). Ao longo desses anos, a banda fez show do disco, enquanto os músicos também tocavam em outros projetos. Tom Rocha, por exemplo, é integrante do Nação Zumbi: “Quando ele não pode tocar, a gente chama Rapha B, da Orquestra Contemporânea de Olinda, ou outra pessoa se ele não estiver disponível. Somos sete, não dá para viver só da Berlinda, temos que fazer várias coisas, criar projetos diferentes. Eu mesmo tenho um trabalho solo, e trabalho com outras pessoas. Vem aquela ideia que não cabe na banda, as vezes não dá para discutir com os sete integrantes, a gente quer usar aquela ideia e faz com outro grupo, solo”.

A forma de compor é coletiva. “O grupo se reúne, ideias vão sendo sugeridas. As sugestões experimentadas. Alguns dias depois os sete voltam a se reunir e mostram o que foi desenvolvido com aquelas sugestões iniciais. Até que se chega a música finalizada”, diz Tiné.

POLÍTICA

Num clima de acirramento ideológico, de lados definidos, com consequência indefinidas, o título do álbum da Academia da Berlinda leva à Ideia de um trabalho engajado, como está sendo grande parte dos discos lançados desde que a polarização ideológica instalou-se no país. Tiné concorda que realmente o título pode ser pensando assim, mas tudo não passou de coincidência: “Tem esta coisa de descompor o silêncio, que parece ter a ver com o isolamento social. Porém o disco foi feito bem antes de acontecer a quarentena. Mas não deixa de ter a ver com o que a gente sentia, a maneira como o mundo estava, como o Brasil estava, o desrespeito a muitas coisas, todo mundo com a tristeza dentro de si o mundo como estava o Brasil, tanto desrespeito, está todo mundo sentindo a tristeza dentro de si. Acabamos falando deste silêncio que está dentro das pessoas”

Para Tiné que o título foi um involuntário prenúncio do caos, tem a ver com o pessoal isolado em casa, sem nem puder botar o pé na rua: “Mas a Berlinda nunca abordou política de forma direta, como fazem os rappers, por exemplo. Temos a coisa da serenidade, com a alegria. Nossas letras são mais reflexivas, comentários de coisas que a gente vê, ou vive, colocadas de maneira sutil. Deixamos que as pessoas interpretem como elas sentem”.

DISCO

A Academia da Berlinda começou a formar seu estilo por volta de 204, quando surgiram festas espontâneas nas ruas de Olinda, ao lado de grupos feito a Roda, Erasto Vasconcelos, o astral ia à estratosfera, com muita gente bonita e a fim de dançar. A Academia da Berlinda direcionou sua música à dança. Chegou a chamar o estilo de “olindance”, o que não foi aprovado pelos integrantes:”A gente usava tantos ritmos diferentes, paraenses, caribenhos, sempre levando o povo a dançar. Um dia Pinduca estava em Olinda, viu a gente e disse que deveríamos botar um nome na música nossa, que isto aconteceu com ele quando começou. Mas não sei como rotular a música da banda, e nem sei se precisa”, diz Tiné.

Kassin que também mixou o disco, no Marini, seu estúdio, no Rio, entendeu que a Academia da Berlinda é tal o Grateful Dead, seus fãs nunca quiseram saber de mudanças de percurso, de experimentações, e sim curtir a música com que se acostumaram. O produtor entendeu que a música da Academia é feito o bolo de rolo, a receita é perfeita e redonda. Pode até aceitar mudanças, mas com o máximo de sutileza: Em Descompondo o Silêncio prestem atenção nas guitarras. A AB é, por trás de todo suingue, uma guitar band, O instrumento está na linha de frente de seus discos. “Em todos nossos trabalhos temos muita guitarra. Neste disco conseguimos encontrar timbres, e graças a Kassin. No estúdio do cara, tem um arsenal de instrumentos. Ele saí procurando, experimentando timbragens. Enquanto Gabriel (do estúdio Maruim, em Olinda), trouxe ideias novas, feito uma música com influência tuareg. Kassin até toca com a gente numa faixa, uma steel guitar. No estúdio dele conhecemos caras que nos deram toques, apareciam por lá, feito Paulo Braga, o baterade Elis, Memê, que trabalhou com Lulu Santos, aprendemos muito com este pessoal, mas não saímos da nossa linha, sempre música, animada, dançante”

Em Descompondo o Silêncio a Academia da Berlinda continua a mesma, embora aqui e ali, a guitarra de Gabriel soe mais pesada, acrescentes timbres mais distorcidos, a música repete o clima descontraído de sempre. Derrota e Vitória, abre com um solo que lembra um ponteado de viola, e em seguida entra numa olidance malemolente, dançável. Os títulos das canções dez canções estão bem dentro do clima, quase sempre uma única palavra, Fala, Solução, Rude. Autoreferente apenas em Semente do Semba, em que se valem do ancestral ritmo angolano.

A música está mais encorpada, o que fica bem claro em Fala, entrecortada por riffs de guitarra de Rafael Melo, com andamento mais acelerado. Os climas vão transformando-se a cada faixa, aqui uma cumbia, Calma, reggae, A Música não para, com a percusão sempre cumprindo papel determinante no som da Academia. O fiel séquito de fãs da Academia da Berlinda no entanto vão ter que esperar para ver a banda ao vivo: “A gente esperava já estar rodando pelo Brasil com este disco, mas com esta interrupção de shows em público, fomos pegos de surpresa”, comenta Tiné. Mas pelo menos vão poder escutá-lo a partir de hoje nas plataformas digitais.

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