Marcos Valle com novos parceiros em disco de inéditas

Emicida, Kassin, e Bem Gil, assinam músicas com um mestre da bossa nova

José Teles
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José Teles
Publicado em 07/04/2020 às 18:16
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Marcos Valle, renovando-se - FOTO: divulgação

Cinzento, disco que Marcos Valle lançou pela Deck, tem a ver com os muitos tons de cinza destes tempos? Não explicitamente, mas em qualquer tom, sempre vale a pena escutar um compositor e cantor que não parou no tempo. Aos 76 anos (77 em setembro), enceta parcerias com Emicida, Kassin, Bem Gil, Moreno Veloso, Domenico Lancelotti, Zélia Duncan (numa parceria de dez anos atrás).

Da segunda geração da bossa nova, com o irmão Paulo Sergio Valle, criou clássicos que se tornaram hits internacionais, Viola Enluarada, Samba de Verão, Preciso Aprender a Ser Só, Terra de Ninguém; Mustang Cor de Sangue. É pouco analisada a participação de Marcos Valle na música alternativa brasileira dos anos 70. Ele fez discos com o Azymuth (que surgiu com ele, ao criar a trilha para um filme sobre Emerson Fittipaldi), com o Terço, Som Imaginário.

Quando incorporou um piano Rhodes aos seus instrumentos, descobriu que era bom de groove. A musica de Marcos Valle tornou-se mais pop, mais dançante. Ele até foi descoberto pelos DJs nos anos 90, e virou hit nas pistas londrinas e parisienses, mas continuou reciclando-se. Entre idas e vindas, fixou-se nos Estados Unidos durante cinco, durante os quais teve livre circulação pelo jazz, chegou a gravar com Sarah Vaughan, a canção Something, e George Harrison.

Ainda era época de ditadura, o Marcos Valle de que as pessoas se lembravam era ainda o de canções engajadas como Terra de Ninguém e Viola Enluarada, e ele reaparece nas paradas com Estrelar, uma canção pop bem distante das passeatas, e apropriada às academias de malhação: “em que correr, tem que suar, tem que malhar (vamos lá!) /Musculação, respiração, ar no pulmão (vamos lá!) /Tem que esticar, tem que dobrar, tem que encaixar (vamos lá!) /Um, dois e três; é sem parar, mais uma vez”.

PREVISÃO

O próprio Marcos Valle ressalta que Cinzento está diretamente ligado a Previsão de Tempo, de 1973, quando ele vai enveredando por um caminho novo, até perigoso. Em Flamengo Até Morrer ele cita o presidente flamenguista (o general Garrastazu Medici), o centroavante Dario (que foi escalado a pedido do presidente, o que resultou na saída do técnico João Saldanha da seleção de 1970).

O disco de 1973 é mais balançado (foi feito com o Azymuth). Marcos Valle cria um balanço próprio, com arranjos pouco comuns, sambas com guitarras. Em Cinzento ele se aproxima de músicos mais jovens (embora alguns nem sejam mis tão jovens assim), mas não em busca de se atualizar. Pelo contrário, os parceiros aqui são os letristas, e se adaptam a ele. As duas parcerias com Emicida, por exemplo, Reciclo e Cinzento não recorre ao óbvio, qual seja, como ele está com um rapper, este necessariamente vai mesclar à melodia da balada um rap, com bases eletrônicas.

Marcos Valle é hoje um monumento da música brasileira, a parceria com o irmão é tão decisiva para a bossa quanto foi de Tom e Vinicius e ou Carlos Lyra e Bôscoli e Menescal. Curioso, e estranho, é que Paulo Sérgio Valle virou letrista de música sertaneja. Ele está neste disco em apenas uma faixa. A única faixa que flerta com a nostalgia é uma das mais bonitas do disco, Posto 9 : “Logo ali/onde aquele garota se criou/e o balanço da bossa inventou/a caminho do mar, que coisa linda”, versos de Ronaldo Bastos, A música tinha sido gravada, sem letra, no álbum Jet - Samba, de 2005, lançado pelo Dubas, selo de Bastos. Com Jorge Vercilo, a parceira Só Penso em Jazz, que é uma espécie de Influência do Jazz (Carlos Lyra/Oscar Castro Neves) ao contrário. Se em 1963, Carlos Lyra criticava o jazz embutido na bossa nova, em Só Penso em Jazz Marcos Valle confessa seu amor pelo jazz, e termina a canção apontando a onipresença do jazz na música brasileira, de Luiz Gonzaga a Capiba, passando por Caymmi e Elis Regina, entre várias estrelas de primeira grandeza da MPB, inclusive ele, claro, mas que não está na letra.

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