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Illy, revelação da música baiana, grava tributo a Elis Regina

Cantora optou por interpretações mais suaves, com acompanhamento básico

JC
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Publicado em 23/04/2020 às 19:34
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Illy, e Elis pelo avesso - FOTO: Divulgação

A baiana Illy é destaque do novo som de Salvador. No entanto, seu primeiro álbum, Vôo Longe, de 2018, era diferente do que a Bahia vem disseminando pelo Brasil, com nomes feito BaianaSystem, que se apoia na percussão e na eletrônica. Ela fez um disco de música popular brasileira, mesclando veteranos consagrados novos autores. Fez um disco colorido e ensolarado. Te Adorando Pelo Avesso, seu segundo disco, que aterrissou nas plataformas digitais nessa quinta-feira. Uma empreitada ousada. O repertório foi pinçado da obra de Elis Regina, quase uma unanimidade como a maior cantora da história da MPB. Illy concedeu entrevista ao Jornal do Commercio para falar desta homenagem a Elis, que deve dividir opiniões, tal a dimensão que a cantora gaúcha alcançou no panteão da música brasileira.

JORNAL DO COMMERCIO - Dois anos depois de Vôo longe, você volta e gravando só Elis. Como surgiu a ideia de focar no repertório de alguém, e por que Elis?
ILLY - Zé, eu estava com um segundo disco de inéditas em mente. Já tinha escolhido seis músicas e pensando já nos arranjos, quando surgiu um convite para eu participar do Programa Versões, do BIS/Multishow. Escolhi Elis, por ser meu grande amor. Me juntei com Gabriel Loddo e Guilherme Lirio e quando as canções foram tomando forma, ficando tão com a nossa cara e fui notando o quanto elas são atuais, decidi ir pro estúdio gravar.
JC- Aliás, Elis ocupa em que lugar entre as cantoras que lhe inspiraram ou influenciaram a seguir a carreira?
Illy - Número 1. Eu ouço muito Elis e teve uma fase que eu só ouvia ela. Ela me inspira na atitude, na voz, na força de intérprete, na coragem...
JC - Elis é quase sempre citada como a melhor das cantoras brasileiras, como foi encarar este desafio?
Illy - Pois é. Precisei ser bem corajosa. Acho que só topei porque estava numa fase de barrigão, um ato mamãe coragem. Mas, procurei fazer tudo com muito respeito, apesar de fazer do meu jeito. É um disco meu. Cantando minha ídola do meu jeito e com todo respeito e devoção que ela merece. Fujo de todas as maneiras possíveis de qualquer tipo de comparação. não sou nem louca, né? Quem ousaria achar que canta igual ou melhor do que Elis?
JC - Você chegou a procurar João Marcelo, filho e Elis? Pergunto por que ele se tornou uma espécie de curador da memória e da obra da mãe, escreveu sobre ela e tal.
Illy - Acho que os filhos dela devem ter tanta gente os procurando para mostrar projetos cantando Elis, que preferi ficar na minha. Não incomodar. Mas, mandei ontem o disco pelo Instagram. Tomara que ele ouça e goste.
JC - O repertório não traz canções gravadas por Elis nos anos 60, quando ela fazia a MPB digamos mais tradicional. A partir de 70, Elis torna-se mais aberta, canta até rock. Qual o conceito que você pensou pra cantar Elis?
Illy - Engraçado isso, né Zé? Não foi proposital. Eu busquei as canções que têm mais a ver com minha vida, com minha trajetória e as que soavam mais atuais. Pensei em fazer algo totalmente diferente do que já foi feito e com arranjos modernos. Acho que essa Elis mais aberta tem mais a ver com o momento do disco.
JC - Vôo longe teve dois produtor, Moreno e Kassin, por que você mesma, com Gabriel e Guilherme. Comenta um pouco sobre como é se produzir.
Illy - Em Vôo Longe, Kassin produziu umas faixas e Moreno outra depois de eu falar com eles o caminho que eu queria. Dessa vez, o processo criativo foi diferente. Loddo ficava lá em casa até altas horas da madrugada comigo criando esse arranjos. A gente foi ajustando levada, inovando com outros ritmos para as músicas. depois veio Gui para tornar tudo mais espacial e ainda mais contemporâneo com os timbres das guitarras e synths. Coube a mim também pensar nas participações, que acho que acertei em cheio.
JC - Os arranjos foram feitos por vocês? Ficaram bem diferentes, acho que o que se aproxima mais do original foi em Dois Pra lá Dois pra Cá. Não apenas os arranjos, mas até os ritmos foram modificados.
Illy - João Bosco disse que 2 pra lá 2 pra cá está bem Caribe. E é isso mesmo. Talvez seja mesmo a mais parecida com a original, mas quis trazer um frescor tropical. Ao mesmo tempo um ar de série latina do Netflix que já tinha EM Djanira , no meu primeiro disco. A gente que fez os arranjos sim e me sinto muito orgulhosa por isso.
JC - Sua interpretação está bem cool neste disco, ao contrário de Elis, que geralmente era arrebatada, de subir os tons, de dramatizar. Isto fica bem claro, em Atrás da Porta, uma canção de letra densa.
Illy - É isso Te adorando pelo avesso. Em muitos momentos da gravação eu tentava interpretar de forma diretamente inversa ao que Elis fazia, claro que sem dispersar para a mensagem da letra e da melodia. Em Atrás da Porta mesmo, a gente sofre, mas com um amor já mais atual , esboçando quase um sorriso. Propus a Silva que ele cantasse como se estivesse lendo a minha carta.
JC - Fala da opção pelos convidados, Silva e Baco Exu do Blues, a participação exatamente nestas músicas que cantam foi escolha sua?
Illy - Foram sim. Silva é um encontro muito feliz na minha vida profissional. Acho que somos parecidos nos gostos musicais. Assim que pensei em gravar, pensei nele. Primeiro a ideia era fazer algo com ele no piano, depois mudamos de ideia e trouxemos esse arranjo de baixo e clarinete. E no caso de Me deixas louca, eu tava estudando a letra da música quando notei que os versos pareciam com esse lance visceral de Baco. Falei pra ele: Baco, estou com uma ideia louca aqui,. ele topou na hora e trouxe uma divisão diferente, bem no seu estilo . Eu amei. Além de tudo isso, eles são expoentes da nova cena e a contemporaneidade é um fator crucial nesse projeto.
JC - Muita gente está adiando lançamentos por causa da endemia. Você achou que este seria o momento certo para lançar disco novo?
Illy - Eu queria ter lançado esse disco em novembro, mas adiei pra não lançar disco e ter filho quase simultaneamente. Fui lançando singles e meu público me cobrando esse disco completo quase que diariamente. Não quis adiar mais por conta da pandemia. Acho que não é bem o momento certo, mas é meu jeito de fazer um carinho em quem gosta de meu som neste momento barra pesada. Há quem defenda também que as pessoas estão mais atentas em casa às novidades, mas sinceramente, não penso muito nessa conta.
DISCO
Elis Regina foi um equivalente, no canto popular brasileiro. A Pelé no futebol. A emoção e a técnica insuperáveis. Illy já no título alerta que não fez disco para competir. Te adorando Pelo Avesso, já está no título, que é um tributo que se distancia da perfeição de Elis. Isto fica explícito também no repertório, que tem apenas Atrás da Porta (Chico Buarque/Francis Hime), que ganhou uma interpretação definitiva. É a música que define o conceito de Illy. Com Elis Atrás da Porta equilibra-se entre o drama e o dramalhão tamanha a entrega da cantora. Com Illy a letra pesada fica mais leve. O que era sombrio, torna-se mais arejado.
As demais canções, com poucas exceções, Fascinação é uma destas, tiveram as inevitáveis grandes gravações de Elis, mas são marcadas indelevelmente pela sua voz. Nem são as mais marcantes. Alô Alô Marciano (Rita Lee/Roberto de Carvalho), Ladeira da Preguiça (Gilberto Gil), Trem Azul (Lô Borges/Ronaldo Bastos), e até Dois Pra lá Dois Pra Cá (João Bosco/Aldir Blanc). Illy canta bem, mas com simplicidade. Sem a irreverência mesmo quando muda o ritmo da canção. Com os Nossos Pais (Belchior), ganhou uma levada de ska. Silva e o rapper Baco Exu do Blues, convidados especiais, entraram no clima cool do disco. Com acompanhamento idem, de Gabriel Loddo: (baixo, Rhodes, caixa clara), Guilherme Lírio (guitarras) Pedro Fonte (bateria), Marcelo Costa (bateria e percussão). Illy é uma ótima cantora, com um timbre que às vezes lembra Gal Costa de início de carreira, mas não se arvora a ser deusa da MPB por canta a maior delas.

 

 

 

 

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