Sem exposição na mídia, sem disco gravado, ou ter caído nas graças das novas gerações de músicos pernambucanos, as bandas de pífanos do esado continuaram atuando nos grotões rurais, passando de pai para filho, e com muito mais grupos ativos do que se imagina. A força desta tradição pode ser conferida a partir dessa quinta, dia 30, quando será lançado o portal Tocando Pífanos, dentro do projeto Pífanos: do mapeamento a salvaguarda com uma live, às 19h, com os pesquisadores Cláudia Lisboa, e Amaro Filho, da produtora Página 21, Eduardo Monteiro, historiador que trabalhou no projeto, com Daniel Magalhães, Daniel Magalhães, musicólogo e pesquisador convidado, mais Bruna Ferreira da Silva, do Rumos, do Itaú Cultural. O portal elenca mais de 80 bandas de pífanos pernambucanas, mapeadas nas diversas regiões do estado, uma pesquisa que levou uma década e 15 mil quilômetros de rodagem, e aventuras pela reduzida equipe que tocou o projeto.
Um projeto de monta, que chegou a surpreender os pesquisadores, pois esperavam encontrar muito menos bandas em atividade, e se depararam com tantas, que uma parte ainda precisa ser acrescentada. E tudo começou com uma, até ingênua, ação de Amaro Filho e de Cláudia Lisboa. Preocupados com a continuidade das bandas de pífanos, eles entraram em contato com o Iphan para que a manifestação fosse considerada patrimônio cultural do país.
A pesquisa nasceu do encontro que produziram para ser um dos fundamentos do reconhecimento da banda de pífano seguindo as regras do Inventário Nacional de Referencia Cultural, o INFC. “Este pedido nacional já existe no Iphan, há quase dez anos. Seu Sebastião Biano, da Banda de Pífanos Irmãos Biano, entrou com o documento pedindo o reconhecimento. Na época ele estava com 98 anos, hoje está com 101. Isto aconteceu depois de um cortejo de bandas, em Olinda, com a presença de todos dos Iphan. O processo está rolando. A coisa começava a caminhar direitinho, aí aconteceu esta mudança de governo, que a gente nem sabe mais o que é o Iphan.”, comenta Amaro. As negociações também são tocadas juntos à Fundarpe, para a banda de pífano se tornar patrimônio estadual, até porque boa parte da pesquisa foi banda por um edital do Funcultura,
No primeiro edital aprovado do Funcultura, em 2010, foi feito o mapeamento do Agreste Central. Três anos mais tarde, se conseguiu aprovar mais um projeto, este para o Sertão Central: “Desde então a gente vinha tentando aprovar o sertão de Itaparica, Araripe e São Francisco, porque não queríamos ter apenas um recorte, uma amostragem, mas preservar a história de cada um, a visão humana das pessoa. Valorizamos as histórias de cada um, a trajetória de cada banda, por que isto se constituía numa riqueza muito grande“, comenta Cláudia Lisboa.
RUMOS
Em 2017, o projeto Rumos, do Itaú Cultural, aprovou em edital o projeto Tocando Pife, que permitiu a continuidade do mapeamento: “A aprovação do Rumos não apenas contemplou a pesquisa, o mapeamento das outras regiões, como também o aprofundamento sobre as bandas que existiam no Leitão da Carapuça, Ingazeira, o Travessão do Caruá, em Carnaíba, e Quitimbu que a gente acha que foi um quilombo mãe, que a partir dele foi ramificando estes outros quilombos.
Em 2010, a gente inscreveu o projeto no Funcultura, e foi aprovado, contemplando o Agreste Central, apresentamos o mapeamento do Sertão Central Meridional do Pajeú, em 2013 desde então a gente vinha tentando aprovar o sertão d e Itaparica, Araripe e São Francisco, porque diferentemente a gente não queria ter apenas um recorte, uma amostragem, mas preservar a história de cada um, a visão humana das pessoas. A gente já tinha conteúdo que subsidiasse e que originou este inventário, o pedido de reconhecimento por parte do Iphan, a gente começou valorizar as histórias de cada um, a trajetória de cada banda, por que isto constituía uma riqueza muito grande.
Em 2017, no Rumos foi aprovado um projeto que não só contemplava a pesquisa o mapeamento destas regiões que faltavam, como também aprofundamento das bandas que existiam nos quilombos, Leitão da Carapuça, Ingazeira, o Travessão do Caruá, em Carnaíba, e em Quitimbu, em Custódia que a gente acha que foi um quilombo mãe, que a partir dele foi ramificando estes outros quilombos”, explica Cláudia. “Na região do São Francisco, em Orocó tem Banda da Caatinguinha, e em Conceição das Crioulas tem a mais organizada, a Banda de Pífanos do quilombo Conceição das Crioulas”, complementa Amaro Filho.
CAUSOS
Eles visitaram todas as bandas, conversaram com os mestres, forma ajudados por vários deles a se aprofundar no universo dos ternos de “pife”. No meio destas viagens, e encontro não poderiam faltar os “causos”, relembrados por Amaro Filho:
““Uma coisa que acontecia com frequência era a gente seguir uma trilha de estrada de chão de barro, e se perder. Caminhava, caminha e não chegava a lugar nenhum. Não via uma casa. Ia prum lado errava. Não via um pé de gente. De repente avistava uma casa, ia lá, o pessoal orientava a gente. Por outro lado foi bacana, porque às vezes você chegava a lugares incríveis, que nunca imaginaria que poderia estar ali um dia”
Ou então causos de músicos das bandas: “Encontramos um pifeiro que morreu e ressuscitou. É comum os pifeiros tomarem muita cachaça. Festa, música, felicidade, a cachacinha tá no meio disso tudo. Esse pifeiro chamado Dolfo, de Ingazeira, tomou um pau tão grande que levou doze quedas até chegar na casa dele, chegou a cara ralada, todo quebrado, e ainda levou a última queda em casa. A mulher botou ele na cama. Passou doze dias na cama Na cidade todo mundo falava que ele tinha morrido. Quando é de repente ele apareceu o povo disse que ele ressuscitou. Visitamos um mestre que tinha uma mulher que não deixava responder as perguntas que a gente fazia. Acho que aconteceu em Serrita. Quando ele iniciava a frase, ela entrava na conversa, e contava a história todinha. A gente teve que pedir, com diplomacia, pra ela deixar o mestre mesmo contar a história. Aconteceram coisas assim”.
Amaro relembra também um frade, aos moldes de Frei Damião, de banda que também tocava pife; “Ele recebeu a gente na casa dele, onde tinha um grande oratório. Depois de benzer a gente, saímos pra rua e ele benzeu também o carro”.
Voltando ao projeto, tocado sob a égide do Rumos, está a publicação de livro com a junção de todas as áreas pesquisadas: “Além do livro, uma exposição, adaptada para ir em vários lugares, e que depois será oferecida a algum ponto de cultura, museu, ou instituição que possa ser a guardiã disso. O projeto da exposição é da Arte Monta, empresa recifense de concepção, criação, execução de exposições de artes visuais. A grande vontade nossa é ver esta a exposição física acontecer. Quanto ao site, pretendemos que seja vivo, e vá sendo construído pra sempre, diz Cláudia, ressaltando que tanto o livro, quanto a exposição são desdobramentos do trabalho, projetos futuros, que não estão neste edital aprovado pelo Itaú.
Independente de bandas de pífanos se tornarem oficialmente patrimônio da cultura nacional, a maioria das que estão em atividade em Pernambuco tem sua história e imagens perenizadas e disponibilizadas no portal Tocando Pife, que inclui também o primeiro livro do projeto, todas as bandas pesquisas, com imagens e áudio, partituras e hemeroteca, os livros disponibilizados no site podem ser baixados. O endereço: https://tocandopifanos.com/inicial/. A vídeo conferência poderá ser vista no Instagram (@tocandopifanos).
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