O baterista Ringo Starr completa 80 anos nesta terça-feira, 7 de julho. 80 anos. O primeiro beatle que chega a esta idade. Somente na última década do século passado foi que a estimativa de vida mais longa tornou comum os octogenários, sobretudo nos países do primeiro mundo. A data é cercada de um grande simbolismo porque os Beatles consolidaram o conceito de juventude, enquanto um segmento da sociedade específico. Até 1956, quando surgiu o embrião dos do Fab Four, os Quarrymen, não havia a figura do jovem. As pessoas mais moças seguiam o padrão de vida dos adultos, vestiam o mesmo tipo de roupa, iam os mesmos livros, e escutavam as mesmas músicas.
Com o pleno emprego dos pós guerra, nos EUA, a mocidade começou a ganhar mais dinheiro em seus primeiros empregos, uma época em que coincidiu com o surgimento do rock and roll, que se tornou sua musica. Independência financeira levou à independência estética. Os cabelos cresciam, os trajes mudaram, os hábitos já não eram os mesmos dos pais. Surgia assim o jovem, a juventude, um novo segmento de consumidor. Os Beatles consolidaram a independência dos jovens, impediram que a rachadura que dividia as gerações se fechasse. Detonariam a maior revolução cultural do século 20, com arte e alegria.
Ringo Starr para muita gente, menos para ele próprio, não se encaixava nos muitos papéis que fizeram do quarteto de Liverpool um fenômeno que, mesmo extinto em 1970, não teve processo de continuidade até os tempos atuais. Continua fazendo amigos, e influenciando. Pessoas. Ringo seria um sujeito de baixíssima octanagem de talento, entre três músicos excepcionalmente talentosos. É considerado o mais sortudo cara do século 20. Foi convidado para ingressar na banda Beatles na véspera do quarteto decolar para a fama. Ainda assim titubeou, porque ganhava mais no Rory Storm and The Hurricane, banda badalada da região de Liverpool, um som que um jornalista da cidade batizou de Mersey Beat (Mersey é o rio que a cruza).
Sorte que já o bafejava desde criança, embora tenha nascido em uma família de classe média baixa para os padrões ingleses. Morava numa casa sem calefação, com banheiro no quintal, onde se tomava banho em tinas, com água quente. Morava em Dingle, o equivalente a uma favela, guardadas as devidas proporções. Um bairro perigoso, com muita gente desempregada por causa da guerra (Liverpool foi um dos alvos principais da aviação alemã). Uma criança pequena e frágil, Richie, como era chamado em casa, foi acometido de peritonite, aos sete anos.
Quando foi operá-lo,os médicos alertaram à mãe do garoto que era pouco provável que sobrevivesse. Passou por três cirurgias, e permaneceu quase um ano no hospital. Perdeu dois anos escolares, só aprendeu a ler e escrever por volta dos oito anos. Aos 13 contraiu tuberculose, já não tão grave quanto poucas décadas atrás, mesmo assim uma doença perigosa. Foram mais dois anos num hospital. Richie nunca terminou o curso primário. Não parecia ter um futuro dos mais brilhantes.
Com 15 anos, sem estudo formal, começou a trabalhar, até que se fixou na profissão de marceneiro, na qual permaneceu durante quatro anos. Não sentia inclinação pela música, até surgir na Inglaterra a onda skiffle, um estilo básico, em que se usavam violão, uma taboa de lavar roupas, para percussão, instrumentos improvisados. Ringo comprou um tambor para tocar nas festas. Um dos acontecimentos mais importantes de sua vida, aconteceu em 1957. Harry, um amigo de trabalho, foi ao funeral de um parente. Encontrou uma bateria por uma pechincha e a comprou para Ringo.
Indiferentes aos gritos dos vizinhos incomodados com a bateria, Ringo foi em frente. Logo estava num grupo de skiffle, The Eddie Myles Band. Passou a dedicar-se à música, comprou uma bateria profissional, logo era admirado como um dos bateristas mais requisitados de Liverpool. Por volta de 1958, muitas bandas o queriam, porque ele já desenvolvia um artifício que o tornou o ideal para os Beatles: adaptava-se ao estilo dos músicos com quem tocava, e ainda acrescentavadetalhes que enriquecia a músuca. Por pouco não segue um curso técnico de engenharia. Para desespero da família, fez a opção pela música.
Ringo não foi um baterista medíocre que deu sorte em entrar nos Beatle.s Pelo contrário. Quando ele entrou nos Beatles, John, George e Paul sentiram-se com sorte por ter enfim um talentoso baterista profissional, cobiçado pelas bandas da cidade. Quando foi convidado para um teste com a Rory Storm and the Hurricane, pediu 16 libras, uma fortuna para bandas iniciantes. Logo Rory Storm and The Hurricanes tornava-se o grupo mais badalado de Liverpool. Foi Rory Storm que decidiu mudar o nome de Richie para Ringo, por causa dos quatro anéis que usava, mas também pela sua paixão por filmes de western. Sobretudo o personagem Ringo Kid, vivido por John Wayne, no filme No Tempo da Diligências, de John Ford. O Starr, veio mesmo de Starkey, o sobrenome. John, Paul, George e Ringo, é bem mais sonoro do que John Paul, George e Richie (ou Starkey).
ESTRELA
O “starr” foi adotado quando Ringo tornou-se uma estrela na efervescente cena pop de do Norte da Inglaterra. Foi o primeiro baterista a ter seu espaço no show da banda, o Ringo Starr Time, em que cantava dois números, o mais constante era Boys (o primeiro que gravaria num disco dos Beatles). O Cavern Club era um local seleto, a música que se tocava lá era jazz. Não se permitiam grupos de rock. A Rory Storm and the Hurricanes derrubou a barreira, abriu o caminho para as dezenas de bandas de Liverpool o ocuparem, incluindo os Beatles.
Quando foi sondado para substituir Peter Best nos Beatles, Ringo Starr ficou na dúvida. A Rory Storm and the Hurricanes estavam vários degraus acima dos Beatles. Ambos tocaram em Hamburgo, Alemanha, na mesma época. Os Beatles viajaram de van, dormiam nos fundos de um velho cinema. Rory Storm e o grupo viajaram de avião e se hospedaram em hotel. Ringo não via futuro nos Beatles, estes por sua vez inicialmente antipatizavam com o baterista, que lhes parecia muito arrogante. Mas foram se aproximando pelo bom humor. Recatado, Pete Best não acompanhava John, Paul e George nas noitadas em Hamburgo, Ringo sempre estava com eles. Em outubro de 1960, gravou com os três acompanhando Lu Walter, pra um disco desta hoje obscura cantora de Liverpool.
Uma tarde, Ringo estava em casa quando recebeu a visita de Brian Epstein, empresário dos Beatles. Ele veio convidá-lo para tocar com John, Paul e George na hora do almoço no Cavern Club. Era 1962. No outono, Epstein conseguiu um teste para o grupo na EMI. O produtor George Martin não gostou de Pete Best. Imediatamente os outros três integrantes pensaram no melhor baterista de Liverpool. Ringo Starr. Convidaram. Ele aceitou. Iria ganhar 5 libras a mais. O resto é história contada e recontada em milhares de livros.
Comentários