Arranjos

Flavio Mendes, em vez de shows, análises de arranjos no Youtube

Músico que trabalhou vários anos com Bibi Ferreira, enfatiza importância do arranjador

José Teles
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José Teles
Publicado em 09/07/2020 às 16:21 | Atualizado em 10/07/2020 às 13:51
Marcelo Rodolfo/Divulgação
Flavio Mendes, arranjador - FOTO: Marcelo Rodolfo/Divulgação

Em 1939, Ary Barroso compôs Aquarela do Brasil, um samba ufanista influenciado pelo Estado Novo. Talvez a música tivesse caído no esquecimento se não fosse o arranjo do maestro Radamés Gnattali. “Um caso em que o arranjo virou a marca da música”, o comentário é do músico e arranjador fluminense,  Flávio Mendes, que durante a pandemia criou, no seu canal no Youtube, o projeto O Arranjo, em que comenta arranjadores e arranjos. Ele iniciou tomando como ponto de partida o ano de 1958,e a gravação de Chega de Saudade (Tom/Vinicius), por João Gilberto: “Comecei pela bossa nova, mas escolhi começar com o Tom. Achei que teria um arco mais completo para falar sobre arranjos, até pelo Tom ter sido o arranjador dos três primeiros discos do João, e de ter, nesses discos, formatado o som, a orquestração clássica da Bossa Nova” , esclarece Mendes.
Seu instrumento é o violão, e a guitarra, integrou o grupo Bossacucanova, cujo mentor é Roberto Menescal. Foi arranjador de vários espetáculos de Bibi Ferreira, e assinou arranjos para, entre outros, Zezé Motta, Leila Pinheiro, Danilo Caymmi, Alice Caymmi, Marília Pera, Lenny Andrade, Joyce Moreno, e Carlos Lyra, que, aliás, será um dos temas do seu projeto: “Vou fazer sete programas dedicados ao Tom. Depois começo a falar dos outros fundadores da bossa, João Gilberto, claro, o primeiro, mas Carlos Lyra, Roberto Menescal, Sergio Mendes”.
Flávio não apenas fez arranjos no mais recente disco de Carlos Lyra, como tocou violão nas gravações: “Eu escrevi dois arranjos pro disco do Carlos Lyra, que teve um problema no ombro e não conseguiu gravar, por isso toquei o disco inteiro. Estava escrevendo para um grande concerto com Danilo Caymmi e a orquestra sinfônica de Campinas, que foi adiado por causa da pandemia. O concerto é baseado no disco que Danilo Caymmi canta Tom Jobim, disco que me fez ser indicado ao Prêmio da música brasileira como melhor arranjador”, conta o músico.
O projeto O Arranjo não chega aos arranjadores anteriores à bossa nova, além do já citado Radamés Gnattali, praticamente todos os grandes maestro sustentavam-se escrevendo arranjos, para os mais diversos gêneros musicais, Astor Silva, Lyrio Panicali. O maestro Guerra-Peixe, por exemplo, arranjou discos de Waldik Soriano de quem era amigo: “tem Radamés, Pixinguinha (tenho dois livros incríveis de arranjos dele), Leo Perachi. Não sei, ainda não pensei. Tem uma questão técnica nas gravações pré bossa, especialmente no 78 rotações, uma dificuldade de se ouvir todo o espectro sonoro, o que, a princípio, dificultaria o meu processo de análise. Eu precisaria ter contato com a grade do arranjo, que é onde o arranjador escreve para todos os instrumentos”, justifica Flavio.
Arquiteto por formação, ele conta que aprendeu muito com Roberto Menescal que chama “minha escola, minha universidade”. Flavio Mendes trabalhou dez anos na gravadora Albatroz, de Menescal. Continuou escrevendo arranjos para ele, mesmo depois que deixou a gravadora: “Eu estudei com Ian Guest, um grande mestre pra muita gente. Fiz o curso de arranjo com ele. E depois fui aprendendo na prática, principalmente com o Menescal. A partir do momento que eu começo a trabalhar com a Bibi Ferreira, em 2004, eu me dedico a estudar e escrever para orquestras, porque era uma demanda que sempre tinha com a Bibi. Até então eu escrevia para gravações, usando naipes de orquestra, às vezes cordas, ouras sopro. Com a Bibi eu levei isso pro palco”, conta.
CONTINUIDADE
Um dos objetivos de Mendes ao idealizar o projeto de arranjos no Youtube era chamar atenção das pessoas para detalhes da música. A maioria dos que escutam à música, ou vai a show a consome como um todo, não atenta para particularidades. “Eu estou muito animado com o retorno que já está dando, não pretendo parar. Acho que já fiz um desenho pra ficar uns 10 anos fazendo. A minha ideia é falar ainda sobre a bossa nova mais um pouco, quero chegar até o Jorge Ben, que eu acho que é uma ruptura. A partir daí vou fazer uma sequência falando dos festivais, tem muita coisa pra ser contada ali. Festivais já me indica falar da tropicália, Rogério Duprat. Daí eu acho importante falar de Clube da Esquina, que é, por caminhos tortos, filho da tropicália. E daí entra na MPB dos anos 70, muita coisa”.
Aos músicos que estão acompanhando seus programas no Youtube, Flávio Mendes faz uma recomendação do que considera fundamental para quem pretende ser arranjador: “Ouvir, ouvir, ouvir. Ouvir os clássicos, Beethoven, Ravel, Debussy, tantos. Ouvir os clássicos populares internacionais, Jhonny Mandel, Henry Mancini, Ennio Morricone. Ouvir os clássicos brasileiros, Pixinguinha, Radamés, Dori Caymmi. E estudar orquestração, entender os instrumentos, as regiões que eles tocam. Ir a ensaios de orquestra, conversar com os músicos, eles vão te passar coisas que não estão escritas nos livros. Tudo isso que eu escrevi acima é pra vida inteira. Eu faço isso, sempre, e vou fazer para o resto da minha vida. Estudar”.

 

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