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Fernanda Takai suaviza o amargor da pandemia em novo disco solo

Ela gravou em casa, produzida pelo marido John Ulhoa, que toca todos os instrumentos

José Teles
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José Teles
Publicado em 17/07/2020 às 18:18
Dudi Polonis/Divulgação
Fernanda Takai, feito em casa - FOTO: Dudi Polonis/Divulgação

"As provas sobre a planicidade ou não cada um busque as suas. Já há material farto, científico e bem documentado sobre. A Bíblia não prova a planicidade, mas a confirma. E todas as outras escrituras sagradas de povos ancestrais confirmam o mesmo sobre a planicidade da Terra e o céu como redoma”, texto pinçado do comentário de um Internauta, numa discussão sobre o formato do planeta, que se estende por centenas de pessoas. Tão acalorado que as pessoas mal lembram que o bate-boca foi motivado por uma canção intitulada Terra Plana, de John Ulhoa, da banda mineira Pato Fu.

Terra Plana abre o novo álbum de Fernanda Takai, Será Que Você Vai Acreditar? Já disponível, por enquanto apenas no formato digital. O nome do disco vem de um verso da citada Terra Plana: “Se alguém te contar
Que a Terra é plana/e não dá pro espaço viajar/será que você vai acreditar?”. A canção ratifica o quanto os ânimos estão acirrados. Não há nada panfletário na letra da música, composta bem antes da pandemia.

O álbum foi composto no estúdio doméstico do casal. Feito todo mundo, Fernanda Takai foi pega de surpresa, recolheu-se com John e a filha, de16 anos, e ocupou o tempo compondo e gravando. Para não infringir o isolamento social, o álbum foi feito a dois. John Ulhoa, produziu e tocou todos os instrumentos. Fernanda já estava com algumas músicas prontas, e completou o repertório em parceria com o próprio John, e com as cantoras Virginie Boutaud (que nos anos 80 integrou o grupo Metrô), e Maki Nomiya (do Pizzicato Five uma das influências de Fernanda Takai). Ambas também cantam no álbum, Virginie (que mora há anos em Paris), na faixa O Amor nos Tempos da Cólera, e Maki em Love Song (cantada em parte em japonês). A capa foi encomendada a Renato Larini, com arte da Hardy Design.

Fernanda Takai construiu uma das carreiras mais sólidas e coerentes entre os nomes surgidos na década de 90, tanto com a Pato Fu, quanto na carreira solo, que tem incursionado pelo pop/rock à bossa nova, ousando regravar clássicos do repertório de Nara Leão, com quem comunga a suavidade da voz pequena e afinada, com a discrição e bom gosto no eu canta. Da maneira mais mineira possível, sem alarde, na sutileza, até para evitar o incômodo de mensagens raivosas, o álbum reflete o momento, tanto sanitário quanto político sem panfletarismo, e com canções que terão sentido quando este período for passado. ‘Eu te digo minha filha/não esqueça de sempre sorrir/não esqueça de ligar pra mim/se por acaso conseguir/não esqueça que é tudo ilusão/não esqueça de lavar as mãos”, versos de Não Esqueça, mesmo a referência a lavar as mãos tem a ver com o agora, mas esta regra básica de higiene deverá ser um habito que a maioria seguirá daqui por diante. A canção, no entanto não é autoral, foi composta por Nico Nicolaiewski, do Tangos & Tragédias, falecido em 2014.

 

É provável que o hit do disco seja Não Creio em Mais Nada (Totó), sucesso de Paulo Sérgio em 1970. Ressaltando que há 50 anos, esta balada rock, d melodia que gruda, não era rotulada como brega. Paulo Sérgio foi ídolo da era do Iê-iê-iê, na cola de Roberto Carlos. Conseguiu tanta popularidade que o único álbum de RC que não tem seu nome por título, O Inimitável (1968), é um recado dirigido a Paulo Sérgio (curiosamente, capixaba feito o Rei). Fernanda Takai imprime doçura onde antes havia passionalismo.

CLIMA

O disco reflete a serenidade da vida em reclusão domiciliar, com a família. São canções de reflexões do que paira no ar, de amor, quase sempre lentas, com acompanhamento em que raramente instrumentos se destacam. A de beat mais acelerado é Love Song, com a japonesa Maki, enquanto O Que Ninguém Diz (parceria com Climério Ferreira), com um balanço latino, que lembra na levada, uma fase de Rita Lee, nos final do anos 70.

Como em muito dos discos gravados durante a pandemia, Fernanda Takai recorre às memórias afetivas, e regrava músicas de que gosta, feito a citada Não Esqueça. Uma delas é Love Is a Losing Game, de Amy Winehouse, afastando-se do estilo Motown original, aproximando a canção da new bossa inglesa dos anos 80, com John Ulhoa tocando violão de cordas de nylon. A outra é a balada One Day in Your Life (Sam Brown III/Renée Armand), lançada por Michael Jackson há 45 anos.

Uma disco que em que a faixas se nivelam, o clima segue nublado, mas sem pancadas de chuva ou ventos fortes. Algumas faixas se destacam, feito O Amor nos Tempos das Cólera, e Corações Vazios, que foi composta por John, no tempo do vírus.

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