Disco

Almério valoriza autores locais em disco ao vivo

Repertório foi gravado no Teatro de Santa Isabel há dois anos

José Teles
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José Teles
Publicado em 03/08/2020 às 13:51 | Atualizado em 03/08/2020 às 13:51
Juarez Ventura/Divulgação
Almerio, ativismo - FOTO: Juarez Ventura/Divulgação

Em 10 de agosto de 2018, Almério realizou um dos seus sonhos: gravar um disco e DVD no Teatro de Santa Isabel. Com direção artística de Andre Brasileiro, e musical de Juliano Holanda ele repassou o repertório do álbum Desempena, com mais três inéditas. Ao longo destes dois anos, o cantor, em além de shows de Desempena, incursionou por outras searas, gravou o projeto Acaso Casa, com a baiana Mariene de Castro, e só agora, em plena pandemia, lançou o registro da apresentação no Sta Isabel, com selo da Biscoito Fino, já nas plataformas digitais, mas que terá também edições físicas, porém quando for viável que o disco alcance o público.
A demora, destaca Almério, deveu-se a vários fatores. O primeiro deles contingenciar parcerias que viabilizassem financeiramente a conclusão do projeto, o que aconteceu com A Globo Nordeste, Estúdio Fábrica, Canal Brasil e a Biscoito Fino. Depois vem o bem sucedido Acaso Casa, com a cantora Mariene de Castro, surgido de apresentações casuais na casa do produtor José Machline, no Rio:
“Quando tava tudo certo pra lançarmos veio a pandemia, a gente puxou o freio de novo pra sentir o que estava acontecendo. Depois de três meses de quarentena, eu percebi que dividindo esse projeto, mesmo depois de dois anos, com as pessoas que estão sofrendo com esse isolamento social, seria um jeito de dizer que elas não estão sozinhas, e também levantar questões importantes que, mesmo após dois anos ainda persistem em nos atormentar”, comenta Almério, que está se protegendo da pandemia em Caruaru, onde mora sua família (ele nasceu em Altinho, no Agreste Pernambuco), mas a maior parte de sua vida transcorreu na Capital do Agreste.
As questões importante a que se refere envolvem a sua atuação contra LGBTQfobia, a transfobia, homofobia, o racismo: “E toda forma de violência e enjaulamento social. Quando registrei esse show em 2018 já alertava sobre os índices de violência contra as pessoas LGBTQIA+, como um cantor e compositor gay cisgênero, dois anos se passaram e o Brasil ainda lidera esses índices como o país que mais mata LGBTQ no mundo! Nossa sociedade precisa interferir nessa violência verbal, moral e física contra nossos corpos! Esse jardim é bonito por ser diverso, policromático, não há mais como voltar atrás, precisamos aprender a conviver e nos respeitar mutuamente, as questões de respeito ao gênero”.
Assim como todos que atuam na cultura, tem como lastro econômico shows individuais, em festivais, venda de discos aos fãs na plateia, Almério foi duramente atingido com a pandemia, recorrendo às soluções tomadas também por quase todos: “Lives, plataformas digitais, virtuais como Ágora Sonora, em Webshows e festivais virtuais. Eu preciso dar asas a minha arte tendo consciência de que as pessoas precisam dela nesse momento difícil. Ao mesmo tempo deixo a realidade ser a realidade, me permito às transformações mas combatendo as desigualdades e conscientizando todos quanto posso. Me moldo a esse futuro retrógrado, onde eu precisar cantar eu vou cantar. As primeiras lives fiz todas a capela por causa do isolamento social, depois veio as bases de guitarra e violão que Juliano Holanda gentilmente gravou pra mim para abrilhantar meus shows, voltei a praticar pandeiro, não fiz live presencial com banda em estúdio porque não conseguimos parcerias ainda!. Mas não posso parar, nem abandonar meu público. A turnê agora é hightech até o tão falado novo normal chegar”, afirma.
Almério entusiasma-se ao comentar sobre a gravação ter sido realizada no Teatro de Santa Isabel, considerado um dos mais belos do país, mas que ao longo dos seus 170 anos foi palco para as mais diversa atividades, nem sempre ligadas às artes, como bailes carnavalescos, e combates de luta livre, sofreu deteriorações e reformas que não duravam muito. “Até que desde a última, em 2000, firmou-se como preferido pelos artistas, ao mesmo tempo privilegiados por se apresentarem ali:” O Teatro de Santa Isabel é um santuário, é o Recife, né? Cidade dos sonhos de muitos e muitas artistas. Recife de eterna ebulição sonora e artística, de gente que inventa e reinventa e faz essa engrenagem se mover. Ver o Santa Isabel lotado cantando a música desse artista que veio dos brejos? Eu comparo a sensação de começar a andar, ou pedalar pela primeira vez, ou insistentemente, voar”.
O brejo de que fala é a cidade natal Altinho, a 36 km de Caruaru, para onde se mudou adolescente, virava-se cantando na noite, e pegando o trabalho que surgisse durante o dia. Um destes foi numa banca de revistas, onde conheceu muita gente da cidade, a quem divulgava suas apresentações na cidade: “Comecei compondo em Altinho, mas explodi cantando em Caruaru. Cantei em todos os cantos, bares, becos, feiras, calçadas, igrejas, salões, sarjetas, botecos, restaurantes, palcos de todos os tamanhos que eu fazia tudo virar grande quando fechava os olhos. Um dia o Festival Pernambuco Nação Cultural passou por Caruaru, onde meu projeto não tinha sido aprovado. Um dos realizadores André Brasileiro foi jantar justamente no Bar onde eu me apresentava, o Forneria. Anos depois estávamos trabalhando juntos e ganhamos o festival Natura Musical que me projetou nacionalmente”, resume sua trajetória.
DISCO
Pode-se dizer sem muito exagero que Almério vaza corrente de tanta energia, a adrenalina saindo pelo ladrão. É isso que faz com que ele se pontencialize no palco. O álbum, que contém o show na íntegra, começa já no pique da autoral Desempena (com a voz do ator Irandhir Santos definindo o verbo desempenar), uma canção cuja letra pede habilidade de rapper ou de embolador para ser interpretada. Desempena cria clima para Trêmula Carne (Juliano Holanda), iniciada também como uma embolada, para desacelerar.
Desempena ao Vivo tem a dose certa de regionalismo, feito o baião Do Avesso (Juliano Holanda), pontuado por uma flauta, e ponteio de guitarra. O repertório também é uma celebração a um quase movimento de uma néo-MPB que circula entre o Recife e Olinda, mas que tem autores também do interior, a exemplo de Isabela Moraes, que assina duas faixas no disco (uma com Pablo Patriota). O repertório é composto por canções de músicos locais. Almério recorre a autores “forasteiros”, /Caetano Veloso com Divino Maravilho, de Caetano Veloso e Gilberto Gil, e Kledir Ramil (da dupla Kleiton & Kledir), em Androginismo, canção resgatada dos anos 70, do grupo gaúcho Almôndegas, do disco Circo de Marionetes. Há ainda o carioca Pedro Luis, parceiro de Lucky Luciano em Ainda Vivo, mas Pedro Luis é quase pernambucano, não conta.
Divino Maravilhoso destoa do repertório, mesmo que aborde uma época pesada feito a atual, mas não se liga tanto como as outras canções o fazem entre si de forma orgânica. Almério, autor de oito faixas, só ou com parceiros, se joga interpretação em todas as faixas, mas alguma se destacam, como a balada Não Nasci Para o Amor (Juliano Holanda/Martins), a citada Androginismo e Trêmula Carne.

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