O Reverbo é um (quase) movimento musical restaurador pernambucano. O “restaurador” porque a sua principal característica é o capricho na melodia, parte da canção que estava se perdendo, escanteada pelo estilo musical que predomina no país. Os ubíquos e profícuos sertanejos entoam, todos, a mesma melodia, com letras também muito parecidas, e uma interpretação que ignora a revolução que a bossa nova imprimiu ao modo de se cantar música popular no Brasil.
Já se debateu muito o fim da canção, tal como se conhecia e se estruturou no século passado. Se depender dos intérpretes, compositores do Reverbo ela não morre tão cedo. Os discos dos integrantes do coletivo são a reafirmação desta asserção. O mais recente deles é Amor, Saudade e Tempo, de P.C Silva, uma coleção de onze composições, de canções a maioria romântica. Um estudo sobre as palavras que formam o título do álbum, aprontado em março, e com show de lançamento marcarado para maio, no Santa Isabel, planos abortados por causa da pandemia.
“Compartilhar desse trabalho no meio dessa confusão foi quase que obrigatório pra mim. Quando tudo caiu por terra e veio a ansiedade da pandemia, eu tinha também a ansiedade do lançamento. Duas ansiedades não davam pra aguentar. Soltei um clipe inicialmente, Meu Amozim, em abril e em Junho um single Adeus, Obrigado e Disponha, Foi assim que senti que dava pra colocar o disco completo no mundo no fim de julho.
Me ajudou bastante e tem ajudado. A repercussão tem sido um alento no meio desse caos. Algumas pessoas agradecendo pelas canções, dizendo que são alimento pra esses dias difíceis. Isso faz valer a pena o esforço de ter feito o disco”, comenta PC, iniciais de Paulo César, nascido em Serra Talhada, no sertão pernambucano, de onde trouxe referências musicais que permeiam o repertório do álbum:
“Ouvi muito da poesia popular, dos poetas mais conhecidos o Pajeú, fui vizinho da família de Zé Marcolino e mantenho amizade até hoje com eles, até os anônimos das cantorias na feira, das zonas rurais. Isso, junto com muitas outras coisas que chegavam pelo rádio, faz parte dessa base musical. Vim morar em Recife, a contragosto, em 1999. Conheci mais de perto e estudei melhor a música pernambucana que não chegava com tanta força no interior. Alceu, o mangue beat, etc, e me aprofundei na canção de Chico, Caetano, Gil. Mais recentemente em Aldir Blanc. Isso eu trouxe pro disco”.
CANÇÕES
Embora boa parte das canções não tenha sido criada especificamente para este álbum, elas estão interligadas e discorrem sobre amor, saudade e tempo. Um disco conceitual, basicamente acústico, de interpretação contida, e apuro nos arranjos: “Pra pensar no título conceito desse álbum eu juntei diversas composições minhas ao longo dessa última década e fiz uma espécie de dissecação de cada uma delas. Isso foi me dando um norte, a medida que eu notava sobre o quê elas falavam. Sobre o quê elas traziam de sentimento.”, confirma PC Silva, que fez um inusitado trabalho de pesquisa em sua própria obra:
“Nas letras de cada uma, eu fiz uma redução em palavras-chaves. No final, eu tinha essa tríade prevalecendo na grande maioria das letras que escrevi: Amor, Saudade e Tempo. Do ambiente sonoro, até as artes gráficas, tudo foi pé dado pra remeter, de alguma forma, a essa trinca de palavras. São termos que já foram, continuam e continuarão sendo muito visitados na música... por isso passei muito tempo estudando como fazer esse álbum sem parecer que queria inventar a roda e sem também ser apenas as mais um trabalho sobre os temas”
Como acontece com os discos de integrantes do Reverbo, este também contou com a “brodagem” da confraria, no acompanhamento e vocais de apoio. Na banda estão com PC, Juliano Holanda (violões, guitarra e baixo)
Diego Drão (piano), e Gilú Amaral (percussão). O coro é formado por Joana Terra, Luiza Fittipaldi, Juliano Holanda e Jr. Black, e Marcello Rangel. PC Silva contou ainda com as participações realmente especiais de duas cantoras extremamente talentosas, de carreiras longevas, mas ainda biscoito que a massa ignora, Ceumar e Monica Salmaso. E cerzindo o disco em cinco faixas, o requinte do violoncelo de Lui Coimbra.
As explicações podem levar a se imaginar um disco complexo, para poucos. Muito ao contrário. Bastando dizer que a faixa de abertura é um ijexá intitulado Freegels (Ai que saudade que eu tava de você/destas saudades capazes de matar/trouxe um abraço pra gente repartir/e um Freegels na boca pra lhe dar”). A música que puxa o fio condutor da trinca de palavras, amor, saudade e tempo. Para elas, PC Silva se vale de diversos ritmos, da ciranda, Meu Amorzim, à métrica exata dos repentistas, nos decassílabos das estrofes de Ciclone. Um disco que reafirma a força da canção.
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