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Caetano e Gil ilustres desconhecidos no festival da Ilha de Wight

Os Baianos e amigos gravaram um fitinha que agradou à organização do festival. Apresentaram-se no segundo dia do evento em 27 de agosto de1970

JC
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Publicado em 26/08/2020 às 15:24 | Atualizado em 26/08/2020 às 18:04
Reprodução youtube
Caetano na Ilha de Wight - FOTO: Reprodução youtube

“Ilha da Wight – No nosso quinto dia de festival, estávamos todos nus, do outro lado da colina, na praia: eu, Rogério Sganzerla, Helena Ignes, Gilberto Gil, Sandra, Caetano, Mercedes, e milhares de pessoas que abandonaram o festival pela praia num dia de sol brasileiro”. Início da matéria que Antonio Bivar (falecido em 5 de julho, vítima da covid-19), escreveu para o semanário O Pasquim, em setembro de 1970. O banimento de Caetano Veloso e Gilberto Gil, com respectivas mulheres, para Londres, atraiu muitos amigos para a capital inglesa, entre, escritores, músicos, gente de teatro. Não apenas por causa dos baianos, mas pelo ar irrespirável do país na época, nomes como o também teatrólogo Zé Vicente, Gal Costa, os músicos do grupo A Bolha.
Caetano e Gil saíram do estrelato no Brasil para o quase completo anonimato na Inglaterra. Na verdade não escolheram Londres para de lá alavancar a carreira. Estavam pelas circunstâncias. Rock e pop só se sabia do que era feito em língua inglesa. De países periféricos, também só os de ex-colônias inglesas. O reggae jamaicano começava a ser mais notado, o grupo Osibisa, formado em 1969, em Londres por músicos de Gana e do caribe foram relativamente bem sucedidos. No entanto, música brasileira pra gringo era a bossa nova, mesmo assim quase sempre em inglês. Português, como diziam nessa época, era tão ignorado, que poderia ser usado na espionagem como código secreto.
“Numa de nossas barracas Gil, Bruno, David, Claudio, Caetano, Gal Costa, e todo o pessoal começaram a fazer um som fantástico, absolutamente livre, que foi gravado em mini-cassete. Ficou tão genial que o Cláudio foi até a organização do festival, mostrou o som e disse que o pessoal gostaria de tocar para o grande público”. O pessoal da organização gostou do som, e concordou com a participação dos brasileiros, abrindo a programação do dia seguinte. Na verdade, não apenas brasileiros, era uma salada de nacionalidades, Gilberto Gil comandando.
“Gil começou a cantar e a tocar guitarra. Cantou em português, inglês, africano, baiano e uma língua que criou na hora e aprendemos logo. No final grande parte do público levantou e aplaudiu de pé. Aí Caetano cantou uma de suas ultimas composições em inglês, e todo mundo fez coro. Depois ele dançou, e rolou pelo palco, que nem um moleque. Alguém sugeriu aquele abraço e Gilberto Gil cantou fazendo dez minutos de improvisação. No palco muita gente chorou”. Infelizmente restaram poucas imagens desse show improvisado. Certamente o mais interessante da quinta-feira, 27 de agosto. Não havia um único grande nome na programação. Apenas um deles, o Supertamp seria conhecido internacionalmente, mas em 1970, tinham acabado de lançar o disco de estreia.
Por onda anda a fitinha citada por Antonio Bivar? No Youtube tem alguns trechos do áudio, muito bom, de Caetano Veloso cantando Shoot me Dead, canção então recente que cantou pela primeira vez em público no festival da Ilha de Wight (está no LP que lançou em 1971). Foi um happening tropicalista no meio do rock and roll, culminando com o baixista e compositor Arnaldo Brandão, que era integrante de A Bolha, barbudo e cabeludo, estendendo uma bandeira do Brasil na borda do palco. Uma francesa uniu-se ao grupo, com uma capa de plástico vermelha, espécie de instalação em que cabiam doze pessoas. No meio da performance saíram da capa nuas (aparecem no palco enquanto Caetano canta).
FESTIVAL
Os baianos e seus amigos se apresentaram no mesmo palco pelo qual passaram Jimi Hendrix, Joni Mitchell, The Doors, The Who, Joan Baez, Miles Davis, Leonard Cohen, Richie Havens, a nata do rock mundial, vistos pela maior plateia da era dos festivais, entre 600 a 700 mil pessoas. O mítico festival de Woodstock, no ano anterior, não foi exatamente utopia da Era de Aquarius apresentada no documentário de Michael Wadleigh, enquanto o festival de Altmont, na Califórnia, organizado, em dezembro de 1969, pelos Rolling Stones, foi uma catástrofe (um homem negro foi esfaqueado até a morte por integrantes dos Hell’s Angels a poucos metros do palco), e tido como a tampa simbólica do caixão dos anos 60. O festival da Ilha de Wight, em agosto de 1970, ficou no meio termo.
Mas não era mais anos 60. Uma onda de conservadorismo foi uma reação as tentativas libertárias da libertárias da década passada, o que refletiu também na juventude. O americano Kris Kristoferson foi vaiado, o palco foi invadido por um hippe atraplhando a apresentação de Joni mitchel, que foi vaiada quando seu empresário tirou o intruso do palco. Vaiados foram também Joan Baez e Sly and the Family Stone. Pior Fizeram com Jimi Hendrix. Durante seu show atiraram cocô no palco. Não admira que esta tenha sido considerada a pior apresentação do guitarrista (que faria a última apresentação dali a seis dias, em Fehmarn, na Alemanha).
O moradoresde Wight, local preferido pelos aposentados ingleses, e por abonados donos de iates, já estavam descontentes desde o festival de 1969, que quadruplicou sua população. O de 1970 teve público seis vezes maior do que a quantidade de habitante da ilha. Daí em diante para a aprovação do festival dependeria de um conselho de moradores. O festival de rock da Ilha de Wight só voltaria a acontecer em 2002, e recebeu um público de apenas 10 mil pessoas.

 

DIVULGAÇÃO
EXÍLIO Caetano Veloso e Gal aparecem entre o público do festival da Ilha de Wight - FOTO:DIVULGAÇÃO

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