Em matérias sobre Agora {PIAS} Recordings, primeiro disco de estúdio de Bebel Gilberto em seis anos, diz-se que ela está voltando para o Rio, depois de 30 anos em Nova Iorque. A rigor, ela não está voltando, mas vindo para o Rio. Bebel nasceu em Nova Iorque, 54 anos atrás, onde seu pai João Gilberto morou durante anos com a mãe Miúcha. Cresceu em Ipanema. Sua primeira apresentação pública foi aos nove anos, no Carnegie Hall, em Nova Iorque, num show da mãe com o saxofonista Stan Getz. Ainda criança participaria do musical infantil Os Saltibancos, do tio Chico Buarque. Mais tarde, amiga de Cazuza, foi sua parceira e lançou um EP em 1986, mas sua carreira não engrenou. Em 1991 mudou-se para Nova Iorque.
Bebel ainda não emplacou um sucesso no Brasil, assim, é pouco conhecida no país, a não ser por um nicho
que a descobriu quando, duas décadas atrás, com o disco Tanto Tempo, tornou-se uma das preferidas das
pistas, com sua bossa caprichada nos elementos eletrônicos. Um trabalho cultuado nos clubes brasileiros. Sempre citada como cantora de bossa nova, ela já trilhou vários caminhos estilísticos, de participações em
disco de Mike Botton (Faith No More) a Momento (de 2007), que teve participação do grupo americano
Brazilian Girls. Ao longo dos anos, Bebel Gilberto forjou seu próprio estilo, afastando-se das pistas, atraindo muita gente para seus discos, culminando com All in One, de 2009 (com selo da Verve) em que trabalhou com três produtores renomados: Mario Caldato Jr., Mark Ronson (que produziu Amy Winehouse) e D.João (que trabalhou com Beck). E contou com participações de Daniel Jobim e Carlinhos Brown. Tudo, lançado em 2014, é um avanço na ambiência sonora que virou estilo da cantora, um álbum com repertório mais amplo, que consegue abrigar o irado roqueiro Neil Young.
AGORA
As músicas do álbum foram feitas com o produtor Thomas Bartlett (duas com partipação de Jennifer Charles). Ele é requisitado músico e produtor que tem no currículo nomes como Norah Jones, Florence + The machine, Yoko Ono). A exceção é Na Cara, composta com Mart’Nália. Bartlett é responsável pelos instrumentos e programações. Agora é o refinamento do estilo de Bebel, um álbum mais introspectivo, confessional, que reflete os maus momentos pelos quais passou na volta ao Brasil. Miúcha e João Gilberto morreram num espaço de seis meses, entre dezembro de 2018 e junho de 2019. Não bastassem as perdas, o imbróglio para interditar o pai, envolto em problemas financeiros e legais, que inspirou a faixa O Que Não Foi Dito, um recado ao pai, uma explicação, um desabafo (“Na outra metade da vida/você soube fazer tudo/mas nessa metade, vou ter que te ensinar”), uma canção em tons cinzas, com um discreto batuque sincopado ao fundo, cerzida por teclados.
Ao longo de sua carreira, Bebel Gilberto tenta afastar seu nome da bossa nova. É inegável que há infl uências da BN na sua música, mas cada vez menos perceptíveis. Agora, a música que dá nome ao álbum tem batida inrotulável. Mas Agora não é um trabalho sombrio, mesmo tendo, ainda por cima, o enfrentamento de uma pandemia. Tem momentos alegres, mesmo na melancolia, feito em Raio, em que ela está mais perto do pop cabeça de Lana Del Rey do que da ensolarada bossa nova. Curioso é que Yet Another Love Song tem levada daquelas canções americanas infl uenciadas pela bossa nova, com harmonia e melodia requintada. Bebel Gilberto traz a sambista Mart’Nália para seu universo em Na Cara, um pop que lembra a música de Céu, e foi composta num bate papo em Nova Iorque, completada por whatsapp, lançada como single.
Agora é o disco em que Bebel Gilberto marca seu terreno. O estilo que delineava em discos anteriores está sedimentado, as canções formadas por amálgamas de ritmos brasileiros e latinos, com tendências da música contemporânea, apontam caminhos para o pop.
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