Memória

Zuza Homem de Mello foi mestre em contar histórias de música

Ele esteve onpresente no cenário musical brasileiro durante seis décadas

JC
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Publicado em 11/10/2020 às 8:29 | Atualizado em 11/10/2020 às 8:31
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Zuza respirava música - FOTO: Divulgação

José Eduardo Homem de Mello, ou Zuza Homem de Mello, produtor, radialista, jornalista, falecido em 4 de outubro de 2020, aos 87 anos, foi um contador de histórias. Escreveu que desde criança foi fascinado por contadores de histórias. Cita entre os contadores de histórias com quem cresceu professores do Liceu Pasteur, o pai e alguns tios: "Conservo na memória a voz de cada um deles, lembro saudoso das descrições entusiasmadas de meu pai da sonoridade radiofônica de meu idolatrado tio Geraldo, do timbre e da impecável dicção do charmoso tio Marcus, lembro-me das pausas, do ritmo e das inflexões deles todos ao contarem suas histórias", escreveu Zuza, na abertura do livro Música na Veia, Memórias e Ensaios (Editora 34, 2007).

Ele foi o último de uma linhagem que remonta ao jornalista e escritor recifense Cruz Cordeiro (José da Cruz Cordeiro Filho, 1905/1984), editor da Phono Arte, a primeira revista sobre discos, e de crítica musical no país. Uma linhagem marcada por nomes como os cariocas Lúcio Rangel (1914/1979), e seu sobrinho Sérgio Porto (1923/1968) o caruaruense Claribalte Passos (1923/1986), e o também carioca Sérgio Cabral (desditado pai do ex-governador do Rio, Sérgio Cabral Filho). Pode-se incluir nesta lista o igualmente carioca Tárik de Souza, ainda na ativa, remanescente de uma estirpe de jornalistas dedicados à música em tempo integral.

Música circulava nas veias do paulistano desde tenra idade. Aos 19 anos, ele largou o futuro certo como engenheiro, e foi para Nova Iorque a fim de estudar música. Tinha comprado um contrabaixo a um músico da noite de São Paulo. Havia poucos contrabaixistas na cidade, e ele foi convidado, em 1952, para tocar num grupo de jazz tradicional, o Paulistania Jazz Band. Ressalte-se que ao contrário das jazz bands surgidas no país, a partir dos anos 20, na verdade assim chamada por usar sax e bateria na instrumentação, a jazz band tradicional tocava os ritmos de New Orleans.

Mas Zuza Homem de Mello também tocou para casais dançarem, no conjunto do recifense Walter Wanderley, o mais célebre dos organistas brasileiros, que fez fama nos EUA. Zuza poderia ter entrado na história da música brasileira como contrabaixista. Em 1959, quando foi convidado para trabalhar na TV Record, como técnico de som, deu a carreira por encerrada, vendeu o instrumento a Luiz Chaves, do Zimbo Trio, por um preço simbólico. Zuza conta que, anos depois, Chaves lhe contou que, nos Estados Unidos, lhe ofereceram cem mil dólares pelo contrabaixo vintage: "Comercialmente pode ter sido um péssimo negócio, mas musicalmente foi a melhor solução. Nas mãos de Luiz Chaves, o meu contrabaixo foi o pulso do Zimbo Trio no Brasil e no exterior".

EM NOVA IORQUE

Zuza Homem de Mello foi para os Estados Unidos em 1957, a intenção era estudar música, e estudou. Mas até 1958, quando voltou ao Brasil, ele fez uma pós-graduação em jazz. Desceu no aeroporto de Idlewild (futuro J.FK), quando o jazz passava por uma revolução, da qual Nova Iorque era o epicentro. Na School of Jazz, de Lenox, em Massachussets, ele iria conviver, num curso de verão, com alguns dos mais importantes nomes do jazz. O diretor da escola era John Lewis, do Modern Jazz Quartet. Entre os professores estavam o trompetista Dizzy Gillespie, o pianista Oscar Peterson e o contrabaixista Ray Brown, de quem Zuza foi aluno.

Em Nova Iorque ele quase todos os músicos os intérpretes que abririam rumos variados para o jazz, às vezes todos, no mesmo lugar, pelo módico preço de três dólares: "Assim um espetáculo com cardápio não menos impressionante: no início a orquestra de Dizzy Gillespie, que depois acompanhou um jovem pianista e cantor estreante, Ray Charles. A seguir, vieram, respectivamente, o quarteto de Thelonious Monk, com John Coltrane; o quarteto de Zoot Sims, com um convidado; Chet Baker; o grupo de Sonny Rollins e, finalmente, uma cantora, Billie Holiday".

MPB

Se foi a pessoa certa na hora certa em Nova Iorque, Zuza Homem de Melo repetiu o timing exato quando foi para a TV Record. A emissora investiria nos musicais, com participação de uma das gerações mais criativas da história da música brasileira. Zuza participou nos bastidores deste capítulo, que teve o ponto máximo, nos festivais de música popular, contados no livro A Era dos Festivais - uma parábola (2003). Ele até demorou a começar a contar o que testemunhou nos efervescentes anos 60, e nas décadas seguintes. Após seu primeiro livro, Música Brasileira Cantada e Contada, vieram mais sete (A canção no tempo, em dois volumes, com Jairo Severiano). O último que lançou foi sobre Copacabana e o samba-canção. O contador de histórias deixou pronto um texto emblemático, uma biografia de João Gilberto, que surgiu em cena, quando Zuza Homem de Mello começava na TV Record.

 

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