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Gorillaz atira para todos os lados sem errar o alvo

Damon Albarn tcomanda uma constelação de estrelas, de Elton John a St Vincent e Beck

José Teles
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José Teles
Publicado em 26/10/2020 às 20:31
Divulgação
Gorillaz, o virtual real - FOTO: Divulgação

Damon Albarn tem uma das carreiras mais inusitadas do rock inglês. No auge do britpop, a Blur, sua banda, era a maior rival da Oasis, e uma das mais bem sucedidas da década de 90. Em 1998, com o artista gráfico Jamie Hewlett, criou a banda virtual Gorillaz, formada pelos personagens Stuart "2-D" Pot, Murdoc Niccals, Noodle, and Russel Hobbs, e um universo em que estes circulassem. Com o estouro da música Clint Eastwood, o Gorillaz se tornou a ocupação principal de Albarn. Mais do que isto, deu-lhe amplos horizontes a serem explorados, sem as amarras de estar circunscrito ao nicho britpop.
Contando-se a partir do EP Tomorrow Comes Today, a Gorillaz está em seu vigésimo ano, e sétimo álbum com o recém-lançado Song Machine, Season One: Strange Timez (Parlophone/Warner), com as canções compostas para Song Machine, uma série na web (a cargo de JamieHewlett). Parte foi feita e gravada antes da pandemia, parte durante, mas o Gorillaz não perdeu sua característica mais forte, o alto astral e a espontaneidade das canções.
Não fosse a marca Gorillaz, o disco poderia se chamar Damon Albarn e His All Stars Band. Cada episódio da série tinha um convidado, resultando num disco com muitos deles, estrelas por si mesmos, e de épocas variadas, o que dá um colorido maior ao álbum, o mais ousado do sete do grupo virtual. Quer dizer, virtual, mas com fartura de bons músicos, a começar pelo próprio Damon Albarn.
O isolamento social não interferiu na qualidade ou humor das canções, até porque a Internet já o incentiva e encurtava as distâncias. Não se soubesse que era o Gorillaz o disco poderia ser confundido com uma compilação de singles. Na máquina de canção de Damon Albarn cabe tudo, e começa com o descabelado Robert Smith, com Strange Timez, mas não se espere a mesma melancolia do The Cure (a banda de Smith). E até começa assim, mas resvala para um rap, com bases eletrônicas e frases repetidas. Tão dançante, quanto a faixa seguinte, The Valley of Pagans, uma das melhores canções que Beck já cantou em anos.

SEM FRONTEIRA
Ao longo de 17 faixas, 65 minutos de música, Damon Albarn envereda pelas mais diversas trilhas do pop, trazendo para a mesma trilha o veteraníssimo Elton John com o rapper americano, da Geórgia, 6Lack (em The Pink Phantom). Damon Albarn consegue permite que o convidado sinta-se confortável num mimetismo musical inteligente. Elton John canta um baladão, mas a roupagem é de outro universo sonoro, a mesmo para 6Lack, que permanece no trap, enquanto Albarn molda os dois estilos ao estilo do Gorillaz.
Um disco com uma surpresa a cada faixa. A faixa Aries tem uma guitarra distorcida e barulhenta na abertura, mas logo soa como o New Order. Não por acaso Peter Hook, do New Order é o convidado, o teclado tem idêntica sonoridade do velho grupo pós-punk, numa melodia chiclete, quase um clichê, tornada complexa pelo arranjo bem bolado, e bateria (de Remi Kabaka Jr.) cercando por todos os lados. Os horizontes de Albarn vão bem além do que se espera, chega à cantora africana, do Mali, Fatoumata Diawara (em Désolé), para as pouco conhecidas Kano & Roxani Arias. E daí para a cultuada St Vincent, em Chalk Table Tower, uma batida apropriada às pistas.
De surpresa em surpresa, o álbum termina com How Far, primeiro lançamento póstumo do baterista do afrobeat Tony Allen, colaborador das antigas do Gorillaz e parceiro de Damon Albarn, da qual participa o rapper inglês Skepta. A faixa foi gravada pouco antes da pandemia. Allen, morreria em abril, aos 79 anos. Um disco em que as faixas estão no mesmo nível de qualidade, e que vai na contramão da mesmice em que se fixou a música popular, com a indústria fonográfica investindo e insistindo na monocultura musical. Damon Albarn e seus muitos convidados mostram que os vários afluentes podem convergir para um mesmo rio sem perder suas particularidades.

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