O Dia do Frevo de Bloco, neste 1º de novembro, coincide com a gravação do mais famoso dos frevos neste estilo. No dia 3 de novembro de 1956, no programa Variedades Fernando Castelão, na Rádio Clube de Pernambuco, foi tocado, pela primeira vez, o frevo de bloco Evocação, recém-gravado na Rozenblit, interpretado pelo coro feminino do bloco Batutas de São José, com orquestra de pau e cordas dirigida por Nelson Ferreira o autor da música, e do arranjo. Até hoje Evocação continua sendo o mais bem sucedido frevo gravado em Pernambuco, a música mais tocada do Carnaval brasileiro de 1957.
Até Evocação só existiam dois estilos de frevo, o de rua, ou instrumental, e o canção, com letra. O maestro Nelson Ferreira criaria o de bloco. Na verdade, a adaptação da marcha regresso, entoada pelas agremiações, quando retornavam, cansados, do desfile. Uma prática tão pernambucana, que quando surgiram as primeira escolas de sambas no Recife elas acrescentaram sambas regresso ao repertório. Os blocos tiveram seu auge nos anos 20, saíam à rua tocando frevos canção e de rua, com uma roupagem em que entravam orquestra, e conjuntos de pau e corda. Borboleta Não é Ave, por exemplo, primeiro frevo gravado, para o carnaval de 1922, foi feito por Nelson Ferreira, para o bloco da Concórdia. Raul Moraes, Luperce Miranda, os Irmãos Valença e o citado Nelson Ferreira, foram alguns dos fornecedores de composições para estas agremiações
Evocação chegou aos Batutas do São José num encontro casual de Nelson Ferreira com o seu tesoureiro, este pediu ao maestro um composição para o clube, que iria comemorar 25 anos no Carnaval de 1957. Nelson prontamente lhe ofereceu uma música inédita, que pretendia gravar na Rozenblit. Os ensaios aconteceram na casa do tesoureiro, na sede do Batutas, ou no estúdio da gravadora, na Estrada dos Remédios. Foi feita uma seleção nas vozes do para que se chegasse á um coro de vinte vozes: “O trabalho foi exaustivo, principalmente na parte da dicção, levando-se em conta a dificuldade de se obter boa compreensão das palavras cantadas por várias vozes”, explicou Nelson Ferreira, em entrevista da época.
A exigência na clareza das vozes fazia-se necessária, já que a letra, embora não muito longa, mesmo assim contem três estrofes, e não tem refrão, contradizendo a regra para a música carnavalesca. Ainda por cima, Evocação está cheia de citações a blocos e foliões de trinta anos atrás, de que no Recife poucos lembravam, e nas outras regiões não se tinha ideia de quem se tratavam. A citação a Pedro Salgado (do Bloco da Flores), e Felinto Moraes ( que tocava na orquestra do Apois Fum), deu margem à equivocos em outras cidades. Muita gente pensou se tratar uma homenagem ao integralista Plínio Salgado e Filinto Müller, o temido chefe da polícia do Rio, na ditadura de Getúlio Vargas.
Nelson Ferreira compôs a canção em 1955. Segundo explicou, não a gravou logo, por considerar que os equipamentos da Rozenblit não ofereciam condições técnicas para tal: “No fins de 1956, porém, com o novo e moderno estúdio em perfeito funcionamento, era chegada a grande oportunidade”, palavras do maestro em fevereiro de 1957, quando Evocação já ultrapassara a barreira dos 100 mil 78 rotações vendidos (chegaria a propalados 200 mil). “O Ritmo contagiante do Frevo fez reviver pro vezes a imponência e delírio dos carnavais passados, dando um toque mágico ao delírio dos foliões, despertando-os de uma letargia perigosa para a loucura dos passos e requebrados da Música de Pernambuco ... e o carioca aprendeu a letra de Evocação, uma das mais difíceis de gravar, e veio para a rua canta-lo, fazendo concorrência ao samba”, da matéria do Correio da Manhã, um balanço do Carnaval de 1957.
ENIGMA
Não se tem explicação plausível para o imenso sucesso de Evocação, também conhecida como Evocação nº1, ter emplacado no disputado terreno da música carnavalesca carioca, que movimentava milhões de cruzeiros, e era restrita a marchinhas e sambas. Foi um destes fenômenos que acontecem eventualmente. Começou a acontecer na capital pernambucana. Letra à parte, Nelson Ferreira compôs uma melodia contagiosa, que caiu no gosto do povo. Chegou ao topo das paradas no Recife, em dezembro, um mês depois de lançada. Em segundo lugar vinha Maracangalha, de Dorival Caymmi, que se imaginava seria a campeã do Carnaval brasileiro em 1957.
O "segredo" do sucesso de Evocação tenha sido a fraca safra das marchinhas e sambas, conforme assinalou o colunista do jornal Ultima Hora, Simão de Montalverne, em fevereiro daquele ano, ressaltando que imensa maioria das novas marchinhas era medíocre o que, segundo ele, levou as gravadoras a apostarem em reunir várias composições em um LP, em lugar dos costumeiros lançamentos avulsos, a fim de baratear os custos. Algo que, por sinal, a Rozenblit já adotava com a série Capital do Frevo. Montalverne é demasiado crítico, 1957 foi o ano da citada Maracangalha, de Vai com Jeito (João de Barros), Mulata Assanhada (Ataulfo Alves), e Tumba-lê-lê (Francisco Neto/Nilton Neves/Jarbas Reis) cantadas até hoje. Mas nenhuma tocou tanto, nem foi tão cantada quanto Evocação, no Rio, portanto, no Brasil inteiro.
Na edição da quinta-feira, logo depois do Carnaval, no mesmo Correio da Manhã, comentava-se os sucessos da folia: “A marcha Vai com Jeito, e Tumba-lê - lê foram cantadas de ponta a ponta da cidade. No entanto, deve ser dada menção honrosa a Evocação, cantado pelos quatro cantos, levando a desvantagem de ter uma letra difícil, e de ter sido gravada por um coro, cuja dicção dificulta a aprendizagem da letra”. A crítica carioca vibrou com a vitória de Evocação porque ela desmoralizou a pratica do caititu (como então se chamava o jabá). Compositores e gravadoras pagavam fortunas a radialistas e diretores de rádio para que tocassem suas músicas para o carnaval, não raro cediam parcerias a disc-Jockeys de emissoras importantes. Era a fase mais lucrativa para os compositores que atuavam no Rio.
O inesperado arrasa-quarteirão recifense mostrou que o caititu (trabalhar a música nas emissoras de rádio, geralmente soltando um por fora) era um esquema que podia ser furado: “Há uma pequena agitação no meio dos caititus e parceiros janeleiros. É que Nelson Ferreira ganhando o carnaval com um frevo pernambucano (Evocação), passou documento a todos os ingênuos que ainda acreditam que seja golpe dar 150 cruzeiros”, a notinha, publicada em março de 1957, no jornal carioca Tribuna da Imprensa ironiza com a perplexidade dos caitituzeiros depois do Carnaval. Não se sabe quanto faturou o maestro Nelson Ferreira, mas Dorival Caymmi recebeu, no primeiro trimestre de 1057, quase 300 mil cruzeiros de direitos referentes a Maracangalha.
HOMENAGENS
O maestro Nelson Ferreira, então com 55 anos, nunca fora tão festejado. Ele teve que irão Rio, onde foi alvo de várias homenagens, concedeu entrevistas a jornal, rádio e TV. No Recife, Evocação virou palavra da moda, e até paródia. O roteirista, humorista, ator e compositor Luis Queiroga, apresentava na época, na Rádio Tamandaré, o programa A Vida Tem Dessas Coisas. O grande sucesso de Evocação, levou Queiroga a exercer sua verve humorística, criando uma paródia para o frevo de bloco de Nelson Ferreira, que apresentou em seu programa na Tamandaré, en Janeiro de 1957, a letra: Recife, atrapalhado, sem carro, lotação/Cadê teus bondes famosos?/as cristaleiras, zepelins, caixa de fosfro/Onde estão, dos tempos bons, saudosos?/hoje de madrugada/o povo caminhava/pensando já no regresso/e a Viação Progresso, Pedrosa, e Amorim/anda, anda, minha gente/tudo em paz, tudo cantando/não é só a passagem/que faz vai nos fazer mal/porque tá tudo aumentando”.
Seis décadas depois, quase quarenta anos depois da morte do maestro (falecido em 21 de dezembro de 1976), Evocação continua sendo sucesso no Carnaval, e obrigatório no repertório dos blocos que saem hoje às ruas do Bairro do Recife.
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