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Mariza grava com brasileiros e portugueses tributo a Amália Rodrigues

O celista Jaques Morelenbaum produziu album da maior cantora de fados da atualidade

José Teles
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José Teles
Publicado em 25/11/2020 às 9:14
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ABRAÇO Mariza canta com orquestra músicas que abarcam fases e temas diversos do repertório de Amália - FOTO: DIVULGAÇÃO
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Amália Rodrigues está para Portugal, assim como Carlos Gardel para a Argentina, Bing Crosby para os Estados Unidos, ou como poderia estar Francisco Alves para o Brasil, se o Brasil fosse um país que prezasse e cultivasse seu passado. Amália, falecida em 1999, completaria cem anos em 23 de julho deste 2020. As celebrações tiveram a dimensão que o tamanho da cantora merecia. Com exposição, relançamento de disco, biografia.
Os portugueses não se esqueceram que ela apoiou durante algum tempo a ditadura fascista de Salazar. Não recorreram à prática da inquisição virtual chamada cancelamento. Há que se observar a época e suas circunstâncias. Afinal Carlos Drummond de Andrade foi oficial de gabinete de Gustavo Capanema. ministro da educação de Getúlio Vargas no Estado Novo, um dos períodos mais cruéis da história do país, comparável à ditadura de 1964, em censura, ausência de liberdades individuais e tortura (talvez até mais).
Amália Rodrigues deixou uma obra tão extensa quanto importante, e aproximar-se dela chega a ser um ato e coragem, mais ou menos como regravar Elis Regina no Brasil. A cantora Mariza, um dos nomes mais importantes da renovação do fado, sempre incluiu canções do repertório de Amália nos seus shows, e em discos. agora grava um álbum inteiro com a música amaliana, Mariza Canta Amália (Parlophone), um trabalho que celebra não apenas o centenário da fadista, mas também seus vinte anos de carreira.
Para o público jovem brasileiro, Amália Rodrigues é uma ilustre desconhecida, mas, sobretudo nos anos 60, foi presença ubíqua na imprensa brasileira, cultuada por aqui como se fosse a estrela internacional que o Brasil não teve, incluindo Carmen Miranda, que se adaptou aos estereótipos gringos do sul-americano (em Hollywood, depois do Rio Grande, éramos todos mexicanos). A TV Rádio Clube chegou a transmitir um programa semanal com a cantora portuguesa, e ela até gravou um maracatu de Capiba, Eh u’a Calunga. Amália cantou pela primeira vez no Recife em 1967, na sede do Sport, na Ilha do Retiro. Foi considerado o show do ano na cidade.
Um dos fados mais bem-sucedidos no Brasil, Foi Deus (Alberto Janes), é uma das faixas de Mariza Canta Amália. A música começou a ser cantada por aqui desde os anos 50, e recebeu dezenas de regravações, de Ângela Maria a Chiclete com Banana já a gravaram. Estes último certamente horrorizando os puristas. Assim como puristas do frevo não admitiam que se mexesse nos seus cânones, e acabaram por engessá-lo até o início deste século, os purista do fado, não aceitavam nem que o gênero fosse gravado com orquestra. Mariza não seguiu regras estabelecidas, e já gravou fado das mais diversa maneiras.
Neste disco, ele canta com orquestra regida pelo celista brasileiro Jaques Morelenbaum, que já lhe produziu no disco Transparente, um álbum que revisita o repertório do encontro Sinatra/Jobim, um encontro histórico da música popular do século. A escolha do que cantar nesta homenagem foi reunir canções que deixassem o trabalho atemporal, com músicas de fases e temas diversos, Formiga Bossa Nova (Alexandre O'Neill/Alain Oulman), Estranha Forma de Vida (Amália/Alfredo Marceneiro), Com que Voz (Luís de Camões/Alain Oulman) ou Povo que Lavas no Rio (Pedro Homem de Mello/ Joaquim Campos).
A moçambicana Mariza, chegada criança a Portugal, sofreu influências da música portuguesa e brasileira, e fez este trabalho cruzando o Atlântico, gravou em Lisboa e no Rio, com músicos brasileiros e portugueses: Bernardo Couto e Luís Guerreiro (guitarra portuguesa), Cristóvão Bastos (piano e acordeom), Lula Galvão (violão), Jorge Helder (contrabaixo), Andrea Ernest Dias (flauta baixo), Rafael Barata (bateria), e Marcelo Costa, (percussão), como se nota mais brasileiros, e alguns dos mais requisitados instrumentistas da cena carioca.
Este viés para a música brasileira contribuiu para que o fado cantado por Mariza chegasse aos jovens portugueses, vinte anos atrás, para os quais o gênero não tinha a ver com sua geração. De voz poderosa, carismática, consegue imprimir a melancolia tradicional do fado, e torná-lo ao mesmo tempo contemporâneo. Já tem alguns anos, Mariza é um dos nomes da música portuguesa mais reconhecidos internacionalmente. Se prêmios qualificam o trabalho de um artista, ela já arrebanhou quase todos os que se pode ganhar, dentro e fora do país. Também já se apresentou nos principais palcos do EUA, Europa, Hollywood Bowl (L.A), Carnegie Hall (NYC), Royal Albert Hall (Londres), ou Sidney Opera House (Austrália), ou Palau de la Música (Barcelona).

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ANOS 1960 Amália fez shows no Recife e regravou maracatu de Capiba - FOTO:DIVULGAÇÃO

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