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África Brasil, de Jorge Ben Jor, é dissecado em livro

De 1976, o álbum foi descoberto pela geração da música brasileira dos anos 90

José Teles
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José Teles
Publicado em 26/11/2020 às 10:35
Divulgação
Jorge Ben Jor está morando no Copacabana Palace há dois anos e chegou a ser o único hóspede do hotel no início da pandemia - FOTO: Divulgação

A jornalista carioca Kamille Viola sentia-se frustrada por não escrever uma biografia de Jorge Ben Jor. Ela mantinha na ociosidade uma década de pesquisas e entrevistas sobre o cantor (inclusive com o próprio Ben Jor, cada vez mais arredio à imprensa). De repente, surge-lhe um convite do jornalista Lauro Lisboa Garcia para escrever sobre o disco África Brasil, de Jorge Bem (de 1976, ele só acrescentaria o “Jor” ao sobrenome 13 anos mais tarde). Garcia coordenada, para a Edições SESC a série Coleção Discos da Música Brasileira – História e Bastidores de Álbuns Antológicos.
E a história de Jorge Ben Jor é cheia de interrogações que ele não ajuda a transformar em pontos de exclamação. Teria nascido em 1942, como está em quase todo resumo biográfico ou em 1939? O cantor afirma ter nascido em 1945. Porém em 1963, quando começou a tocar no rádio, dizia ter 21 anos, portanto nascido em 1942. Mas Kamille Viola encontrou uma certidão de nascimento de Jorge Lima de Menezes, de 22 de março de 1939. Quando surgiu ele dizia-se filho de Silvia Duílio Saint Bem Zabella Lima de Menezes. A mãe teria vindo da Etiópia aos 13 anos, seu avô teria saído do país por causa de guerras. Na certidão, no entanto, o nome da mãe é Sebastiana Lima de Menezes; Não se sabe bem de onde saiu o Silvia.
Mas Jorge Ben Jor não um enigma apenas nestes detalhes triviais. Nunca se explicou, ou se entendeu, quais influências que o levaram a criar um estilo tão original e revolucionário na MPB quanto o de João Gilberto. Se João, feito Picasso, reduziu sua arte ao mínimo, Jorge Ben imprimiu na sua uma ingenuidade quase infantil, com uma batida de violão e interpretação totalmente originais. Samba Esquema Novo, é tão importante para a MB quanto Chega de Saudade, o LP de João Gilberto.
África Brasil, o disco que Kamille Viola disseca demorou a ser reconhecido como um dos melhores de Ben Jor. Na época, vendeu estimadas 60 mil cópias, o que era pouco não apenas para ele, mas para a MPB, que começava a deslanchar, com a censura menos incômoda. Milton Nascimento passou a vender bem, Chico Buarque vendeu horrores de Meu Caros Amigos. Embora Chica da Silva tenha tocado bem, impulsionada pelo filme homônimo de Cacá Diegues, as dez restantes tocaram bem menos, sem contar que Taj Mahal era uma regravação (a música foi lançada em 1972, no LP Bem).

DISCO
“África Brasil faz um bom panorama dos temas mais recorrentes do universo jorgebeniano, em suas onze faixas passa por futebol, amor, medievalismo, negritude e infância”, comenta a autora. A canção mais forte do disco, Ponta de Lança Africano (Umbabarauma), seria descoberta pela geração anos 90, que por tabela descobriu o álbum. Ponta de Lança Africano seria incluída numa coletânea de música brasileira lançada pela Luaka Bop, de David Byrne, ídolo daquela geração, e também pelo grupo americano Ambitious Lovers, um duo formado por Peter Scherer e Arto Lindsay, este último também influente para a geração anos 90 (foi umas das escolhas para produzir o disco de estreia da Chico Science & Nação Zumbi).
Os músicos dos anos 90, entrevista por Kamille Viola enfatizam a opção de Bem Jor pela guitarra em África Brasil, mas o instrumento é ostensivo é O Bidú – Silêncio no Brooklin, lançado pelo selo AU, da Rozenblit, de 1967. O disco é quase todo plugado e traz a música mais rock and roll do cantor, Se Manda, e canções aproximada ao rock mais visceral, solos de guitarras abre Frases (que Caetano Veloso gravaria anos depois como Olha o Menino) . O Bidú é o marco zero do que nos anos 90 ganhou o nome de samba rock. Foi o disco cujas músicas foram tocadas no programa Jovem Guarda, na curta passagem de Jorge Ben Jor pelo iê-iê-iê.
A autora cita Gilberto Gil, Mano Brown, Dadi Carvalho (que passou a tocar com ele depois que saiu dos Novos Baianos), Lúcio Maia e Jorge du Peixe (Nação Zumbi), Toni Tornado, ou Caetano Veloso, este o maior entusiasta da obra de Ben Jor, que teve mais um flerte do que militância no tropicalismo. Aliás, Kamille ressalta as guinadas do cantor por movimentos musicais, sem se fixar, nem pertencer a nenhum: “Jorge Bem conta que nunca buscou fazer parte de nenhum movimento, eles é que o adotaram.
Esta quase biografia de 131 páginas joga luzes não apenas sobre um dos momentos brilhantes de Jorge Ben Jor, sua discografia, e um pouco sobre Jorge de Lima Menezes, um gênio único da música popular, assim explicado por Caetano Veloso: “Ele tem um imaginário muito próprio. Muito pessoal. Tudo o que ele menciona fica dentro de uma perspectiva que é dele própria (...).
A primeira vez que Eric Clapton, então celebrado como o “deus da guitarra” na Inglaterra viu Jimi Hendrix tocando, saiu arrasado, decidido a parar de tocar. Depois de Hendrix, tudo que fizesse no instrumento seria redundante. O mesmo aconteceu com Gilberto em relação a Jorge Ben. Quando escutou pela primeira vez o LP Samba Esquema Novo, em Salvador, Gil comentou com os amigos: “Bom, agora eu acho que não preciso nem pensar mai em ficar fazendo música e coisas deste tipo, basta eu cantar Jorge Ben que já está legal”. Passada a perplexidade, Clapton, e Gil continuaram a fazer música, e Jorge a fazer amigos e a influenciar pessoas, não por acaso, o segundo álbum do manguebeat, chama-se Samba Esquema Noise, da Mundo Livre S/A.
A autora do livro é jornalista, tendo passado entre outros, pelo O Globo, O Estado de São Paulo, Folha de São Paulo, Billboard e Marie Claire. África Brasil - Uma Dia Jorge Ben Voou Para Toda Gente Ver, está disponível apenas no formato e-book, e pode ser adquirido no site das Edições SESC São Paulo.



 

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