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Paul McCartney em mais um disco da banda do eu sozinho

McCartney III foi gravado durante durante a pandemia, com o ex-beatle tocando todos os instrumentos e fazendo todos os vocais

José Teles
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José Teles
Publicado em 27/11/2020 às 16:41 | Atualizado em 27/11/2020 às 20:44
HUMBERTO REIS/DIVULGAÇÃO
RECIFE Cantora Isaar França foi uma das artistas locais ouvidas por Amanda Coutinho durante a pesquisa - FOTO: HUMBERTO REIS/DIVULGAÇÃO

Do álbum McCartney para o McCartney II passaram-se dez anos. Do II para o McCartney III, 40 anos. Paul McCartney foi pioneiro no primeiro escalão da música pop, a gravar um álbum tocando todos os instrumentos e colocando todas as vozes. Curiosamente, a trinca foi feita enquanto ele vivia circunstâncias especiais. No primeiro, os Beatles rumavam para o final, e o álbum McCartney foi a gota d’água que faltava para a debandada. No segundo, tinha sido preso por posse de maconha no Japão, e dissolvera os Wings. Por fim, este terceiro foi realizado durante os meses iniciais da pandemia.

Nenhum começou como um projeto de disco, comentou Paul McCartney em recente entrevista para a revista inglesa Uncut: “Em todos os três a intenção foi a de fazer música em casa, mas nunca com a intenção de um álbum. O McCartney III começou com um instrumental que criei para trilha de uma animação de meu amigo Geoff Dunbar, teria que ser feito logo, então entrei em estúdio, e comecei a terminar outras canções e a coisa foi indo”.

O estúdio a que se refere fica na pequena propriedade rural, em Susex, onde Paul está passando a pandemia, com a mulher, e parte dos filhos. Ele conta que é o seu passatempo preferido ir para o estúdio e mexer nos instrumentos, compor linhas de baixo, trechos de músicas, tocar coisas aleatórias: “Quando é um álbum de carreira, comercial, ou lá que nome chamem, aí é menos divertido. Mas gravando por curtição dá prazer, e não tem pressão, fico tirando onda, como aconteceu com McCartney e McCartney II. Eu só o professor Pardal fazendo experiências em seu laboratório”.

Ele costumava gravar ideias que lhe surgem num iPhone. Mas lhe chegam tantas, todas gravadas, que não tinha tempo de ouvir tudo, o que finalmente conseguiu fazer durante o lockdown. Selecionou um lote de canções incompletas e passou a trabalhar nelas. Veio basicamente daí o repertório de McCartney III. Uma exceção é When Winter Comes, uma das faixas do álbum que mais se aproximam do que poderia ser uma música para os Beatles. É de 1992, e foi produzida por George Martin, o produtor do antigo grupo de Paul.
McCartney revela que até hoje consulta John Lennon quando está compondo. Toca um trecho da música como se estivesse amostrando a John, e pensando no que ele diria. Na citada entrevista, concedida em outubro, conta que no dia anterior, estava trabalhando numa música. “Consultou” John Lennon. Os vocais não estavam bons. Ele os refez, e a música tomou outro rumo.

50 anos atrás, quando lançou McCartney, Paul foi impiedosamente malhado pela crítica. Foi seu trabalho mais polêmico, porque ele se recusou a lançá-lo depois de Let it Be, que seria o derradeiro álbum dos Beatles. Os integrantes da banda, executivos da EMI não conseguiram demovê-lo a postergar o lançamento, para não atrapalhar as vendas do álbum dos Beatles. Ele irritou também a crítica. Maybe I’m Amazed foi a única faixa elogiada. As resenhas baseavam-se mais na expectativa de quem escreveu sobre o álbum. Para os críticos a medida era os Beatles. E McCartney é um trabalho sem pretensões, com algumas faixas curtinhas, quase vinhetas, sem os arranjos complexos, nem com o trabalho dos engenheiros de som de Abbey Road.

40 anos atrás, o McCartney II teve melhor acolhida, inclusive de John Lennon, que começava a trabalhar no que seria seu último álbum. Lennon elogiou particularmente Coming Up, o hit do disco de Paul, que emplacou também Temporary Secretary, uma incursão pelo pop eletrônico, que se tornou uma das preferidas das pistas. McCartney III fica a meio caminho da despretensão de McCartney, e do burilamento de McCartney II.

III abre com um instrumental, de cinco minutos, Long Tailed Winter (McCartney tem também um instrumental, Kreen-Akarore, inspirado por uma tribo descoberta na época na Amazônia). Um tema que pode cair bem na animação para o qual foi composto, mas se não estivesse no disco não faria falta. Parte das canções foi criada quando ele gravou o álbum anterior, Egypt Station, de 2018. Pretty Boy, uma das onze faixas de McCartney III soa na linha melódica e sonora de Egypt Station (um dos melhores álbuns de McCartney em anos). Tanto esta, quanto Find My Way, a segunda faixa são pop no estilo forjado Paul, nada que surpreenda, é ele sendo ele. Não na letra. Find My Way nasceu no início do lockdown, e Paul confessa que sentia medo de contrair o vírus. Pessoas conhecidas suas adoeciam, estavam no hospital: “Foi um período assustador. Já houve outras doenças, feito a gripe aviária, mas estas coisa atingiam outras pessoas, mas esta todo mundo estava pegando”. Os versos iniciais da canção diz: “A gente não costumava ter medo de dias assim/Mas agora está estupefato/por suas ansiedades”.

Uma das melhores baladas do álbum, Seize the Day também reflete o clima da pandemia: “Os velhos dias estão acabando/não haverá mais sol/e a gente queria que houvesse”, a música é envolta por um arranjo sofisticado. A estas alturas, aos 78 anos, Paul McCartney domina os estúdios, e os instrumentos. Aqui ele usa do jurássico mellotron, ao não menos antigo contrabaixo de pau, que pertenceu a Bill Black, integrante do primeiro trio de Elvis Presley. O contrabaixo que se escuta em, por exemplo, Heartbreak Hotel, foi um presente que Paul ganhou de Linda McCartney.

A faixa Lavatory Lil é um esporro que dá em alguém, cujo nome não revela. Sai um pouco da linha paz e amor de McCartney. Deep Deep Feeling é a mais burilada do álbum, ele experimenta com timbres, andamentos, com momentos que surpreendem, em que ele torna a voz mais um instrumento. São 8 minutos e 23 segundos de uma música com uma sonoridade contemporânea, mas sem ir na onda alheia.

Seu dedilhado no violão é preciso, ele tem um estilo bem particular. Em The Kiss of Venus são usados pouco overdubs, é Paul e violão, com filtros nos vocais, lembra as canções menos conhecidas do Album Branco. A sequencia das faixas também seguem um conceito. Vão ficando mais empolgantes a medida que o disco vai se aproximando do final. As três finais são muito boas, Seize the Day, Deep Down, culminando com Winter Bird/When Winter Come.

Claro, a evolução dos estúdios, facilitou a que se faça um disco sozinho, ainda mais sendo um músico com 60 anos de carreira. McCartney III não tem nenhuma canção à altura de Maybe I’m Amazed, do primeiro álbum do grupo do eu sozinho, mas tampouco tem vinhetas e canções incompletas, ou enjeitadas pelos Beatles. É um álbum tão consistente quanto e elogiado Egypt Station, de dois anos atrás.

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