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Noel Rosa ganha disco com canções pouco conhecidas

Cantora Jacque Falcheti e o trio Retrato Brasileiro regravam o Poeta da Vila com um toque de leveza pop celebrando os 110 anos do compositor

José Teles
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José Teles
Publicado em 07/12/2020 às 17:11
Matheus Assim/Divulgação
Jacques Falcheti e Retrato Brasileiro - FOTO: Matheus Assim/Divulgação

Noel Rosa foi um dos primeiros da música popular a pedir inscrição no clube dos 27. Morreu com 27 anos, em 1937, e deixou um legado musical imenso, para o pouco tempo de atividade. Ainda hoje boa parte de suas composições é obscura. Gravam-se quase sempre umas duas dezenas que se tornaram clássicas. A cantora Jacque Falcheti fez uma imersão na obra do Poeta da Vila, não apenas nas canções, mas no contexto de cada uma das mais de duas centenas e meia de composições. O objetivo era gravar um álbum celebrando os 110 anos de Noel, cujo aniversário é em 11 de dezembro, dia do lançamento oficial do disco.
Outras Bossas chama-se o trabalho que Jacque Falcheti gravou nos estúdios da Fatec de Tatuí e que será lançado pela Gravadora Experimental. Embora o nome da gravadora aponte para ousadias, descontruções musicais, Outras Bossas é de fácil digestão, mas nem por isso convencional. A cantora é acompanhada pelo trio Retrato Brasileiro (a quem o disco também é creditado na capa) que traz outro tipo de instrumentação para a música de Noel Rosa.
Nada do óbvio regional, violão de 7, pandeiro. O trio emprega guitarra, baixo acústico e vibrafone, que substituem a contento esses instrumentos. O grupo utiliza células rítmicas de forma que uma guitarra pode simular tamborim; o contrabaixo, um surdo; o vibrafone, um repique de anel; entre outras criações. Na parte harmônica existe uma profunda influência dos regionais de samba e choro, apropriando-se de elementos comuns em instrumentos como o violão 7 cordas, cavaquinho, viola caipira e bandolim.
Enquanto Jacque Falcheti tem um timbre de voz bem particular, fraseia com elegância, e mostra-se reverente à música de Noel, trazendo-o para os tempos atuais sem atropelos, mesmo nas canções quase cômicas, a exemplo de Maria Fumaça, lançada por Almirante, em 1936, e que não foi exatamente um sucesso. Como não foi Estátua da Paciência, um fox-trot (parceria com Jerônimo Cabral), de 1931, mesmo que com a letra datada, pelo sumiço dos trens na vida do brasileiro, a música estava merecendo uma regravação, como igualmente estava João Ninguém, lançada pelo próprio Noel em 1935, embora tenha recebido várias versões ao longo dos anos.
Noel além de extremamente profícuo tinha uma vocabulário e imaginação demasiadamente, digna dos grandes repentistas. É o que acontece com Minha Viola, uma embolada, gravada por ele em 1929, quando a embolada nordestina se tornou moda no Rio. Tipo Zero é a composição mais conhecida desde disco, da opereta A Noiva do Condutor, um jogo de palavras digna de um Otacílio Batista: “Você é um tipo que não tem tipo/com todo tipo você se parece/e sendo um tipo que assimila tanto tipo/passou a ser um tipo que ninguém esquece”.
A interação entre a cantora e o trio impressiona, os músicos solam, dão um molho de jazz ao acompanhamento, mas sempre discretos, nunca os instrumentos aparecendo mais do que a voz de Jacque Falcheti. Bom reouvir Meu Barracão, lançada por Mário Reis em 1934, e relativamente bem gravada, é um dos grandes sambas pouco conhecidos de Noel Rosa. Ganhou uma versão mais ou menos popular de Aracy de Almeida, em 1955, no disco Canções de Noel Rosa Com Aracy de Almeida, que tirou o compositor do ostracismo a que vinha sendo relegado.
De certa forma este Outras Bossas tem parentesco com o citado LP de dez polegadas de Aracy de Almeida (que tem capa do modernista Di Cavalcanti). A capa do álbum de Jacque Falcheti é do artista plástico Yuri Reis, que faz pop art, o que oxigena ainda mais a música de um dos poucos compositores da música popular brasileira que pode ser adjetivado de gênio.

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