RITMO NORDESTINO

Em CD de forró, cantor pernambucano valoriza recursos poéticos e passagens da literatura

Além de um disco para forrozar, o trabalho apresenta melodias que inovam os consagrados ritmos nordestinos e letras em que sobressaem recursos poéticos e evocam passagens da literatura e da filosofia universal

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JC

Publicado em 16/03/2021 às 22:07 | Atualizado em 08/04/2023 às 19:18
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A obra parece um CD típico do nosso São João, com os ritmos já consagrados – baião, xote, aboio, toada, arrasta-pé – e na verdade pode assim ser ouvido e dançado. As músicas de “Um pé de tempo” são dançantes, os arranjos privilegiam os tradicionais zabumba, triângulo, pandeiro, agogô e a clássica sanfona, além dos instrumentos modernos já incorporados ao forró: guitarra e baixo elétrico.

O detalhe é que, além de um disco para forrozar, o trabalho apresenta melodias que inovam os consagrados ritmos nordestinos e letras em que sobressaem recursos poéticos e evocam passagens da literatura e da filosofia universal. Exemplos disso é a faixa A rosa e o nome, que retoma a milenar discussão entre o nome e as coisas, disfarçada numa história de amor e diz: “O nome não é a rosa/Sem tê-lo ou por um diverso/Ela ainda será pétala/Perfume, sonho e mistério”.

Também Montando recordação, na qual ecoam os versos do poeta metafísico inglês John Donne – “E por isso não perguntes/por quem os sinos dobram /É por ti que eles dobram”.

Na canção o pensamento é transposto para uma cidade do interior em decadência: “Nos trilhos dos descaminhos/Corre o fantasma dum trem/Os sinos dobram sozinhos/E eu não pergunto por quem.” O recurso aparece ainda em Um pé de tempo, que ambienta numa sala de forró no Sertão o “Carpe diem” [viva o momento], do latino Horárcio, assim traduzido: “Menina colhe o agora/Não deixa cair no chão/A vida é um sopro de pife/Não dura mais que um baião.”

Vale a pena prestar atenção especialmente em três músicas. A já citada A rosa e o nome; Sonsa felina [metáfora para saudade], cantoria lamuriosa de cegos de feira reelaborada, que descreve a chegada sorrateira da saudade: “Felina sonsa e faceira/Nem chia na folha morta/Chega sem mandar recado/Entra nem bate na porta”; e O que é que eu digo a Gonzaga?, com a participação de Bruno Lins [banda Fim de Feira], protesto contra a banalização rítmica do forró e a pobreza de letras apelativas promovidas por artistas contemporâneos. Ressoam os versos: “Tem banda que é peça íntima/Num explícito apelativo/Tem um aí afamado/Que além de ser safado/Se aduba no aumentativo”.

Todas as músicas são feitas em parceria entre o cantor-compositor Zé Linaldo e o poeta Eugenio Jerônimo, que faz também as produções musical e executiva do trabalho.

Zé Linaldo destaca que a base musical são os ritmos tradicionais, mas submetidos a uma releitura. “A essência das melodias são o xote, o baião, o aboio, o arrasta-pé, mas atravessados pela influência de outros ritmos”. Revela ainda que o projeto busca resgatar a tradição poética das letras da música tradicional nordestina.

O trabalho está disponível em CD, à venda na Passa Disco, e nas plataformas digitais de música.

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