O sábado (25) amanheceu triste. Foi dia de despedida. O empresário e incentivador da cultura Ricardo Brennand partiu. Aos 92 anos, não resistiu às complicações da covid-19 e faleceu na madrugada, no Hospital Português, no Recife. Pernambuco chorou. Chorou a dor da companheira de sete décadas, Dona Graça, com quem ele constituiu uma família de oito filhos, 20 netos e mais de 30 bisnetos. Chorou a partida do industrial, que deixou um legado para a economia brasileira. Chorou a ausência do intelectual sonhador, que construiu um castelo em plano Recife: o Instituto Ricardo Brennand.
Por conta do novo coronavírus, a cremação do empresário aconteceu ontem mesmo no cemitério Memorial Guararapes, em Jaboatão dos Guararapes, e duas missas foram celebradas virtualmente pelas redes sociais da Paróquia de São Pedro. Ontem Pernambuco registrou mais um recorde no contágio por covid-19, somando 508 novos casos em 24 horas, totalizando 4.507 infectados e 381 mortes.
Ricardo Brennand foi o único filho homem dos quatro que o casal Dulce e Antônio Luiz Brennand tiveram. Ele nasceu no dia 27 de maio de 1927, na Usina Santo Inácio, no Cabo de Santo Agostinho, mas com 4 anos já veio morar com a família no Recife. A trajetória empresarial de Brennand começou na atividade sucroalcooleira, com a produção de açúcar e álcool, mas depois foi se expandindo para outras áreas. A diversificação dos negócios começou na década de 1950, e, nos anos 1990, já estava nos ramos de produção de cerâmica e vidro e fabricação de cimento, com unidades em Alagoas, Paraíba e Goiás.
Em 2002, os primos Ricardo e Cornélio decidiram separar os negócios da família e Ricardo estreou no mercado de energia, criando o Grupo Brennand Energia. As primeiras atividades no setor foram a construção de pequenas centrais hidrelétricas (PCHs), mas depois o negócio foi aumentando e hoje constrói parques eólicos e centrais hidrelétricas.
No Grupo Brennand há 15 anos, Mozart Siqueira (presidente da Brennand Investimentos) conta que, quando chegou para somar forças com sua expertise na atividade, a empresa contabilizava 80 MW de energia instalado, enquanto atualmente já são mais de 600 MW.
A companhia possui exatamente 607 MW de capacidade instalada, sendo 360 MW oriundos de dezessete centrais hidrelétricas, duas UHEs e 15 PCHs, e 247 MW de oito parques eólicos. Além dos parques eólicos em operação na Bahia, outros três novos estão em construção e vão agregar 93 MW. “O que me impressionava em Dr. Ricardo era a capacidade que ele tinha de ver muito além do seu tempo. Ele sempre foi um entusiasta do crescimento do Brasil e sempre teve confiança no processo industrial. Com sua visão estratégica sempre aconselhava os acionistas do negócio (seus filhos) e era ouvido. Ultimamente ele estava muito preocupado com os soluços da economia”, conta Mozart Siqueira.
Ricardo Brennand também se dedicou a vários projetos sociais. A presidente do Instituto do Fígado & Transplantes de Pernambuco (IFP), Leila Beltrão, conta que há 15 anos ele juntou um grupo de empresários pernambucanos para fundar o IFP – instituição privada sem fins lucrativos destinada ao atendimento dos pacientes do SUS. Por sua grande contribuição ao IFP, ele era presidente de honra do conselho deliberativo da entidade, que tem como presidente do mesmo conselho a amiga de muitos anos, Geralda Farias.
Muito abalada, ela comentou a morte do amigo. “Estou chorando junto com sua família e com Pernambuco a sua partida. Estou muito triste. Há homens que são imprescindíveis à construção de um mundo solidário; fazendo vidas e história em artes e em cores. A vida se orgulhou dele, e eu me orgulho de ter sido sua amiga”, emociona-se Geralda.
O trabalho de responsabilidade social do empresário também incluía o Educandário Nossa Senhora do Rosário, na Várzea, além de ser aliado e incentivador do Imip e do Hospital de Câncer de Pernambuco.
No ano passado, Ricardo Brennand recebeu o título de cidadão recifense, proposto pelo vereador André Régis. Num vídeo produzido para a solenidade ele confessou: “Meu prazer e meu passatempo é a meninada em torno de mim”, numa referência às aparições dele no Instituto Ricardo Brennand (IRB). Diversas vezes ele comentou se sentir uma estrela quando virava atração no castelo, porque todos sabiam quem era o simpático senhor de cabelos brancos e habilidade sobre sua cadeira de rodas.
CASTELO
A paixão pelas artes veio do seu tio homônimo (pai do artista Francisco Brennand), a quem ele fez questão de homenagear batizando sua construção dos sonhos, no bairro da Várzea, de Instituto Ricardo Brennand. O espaço é cheio de memórias afetivas, das paixões artístico-culturais e do seu gosto de andar pelo mundo garimpando relíquias. Ao mesmo tempo sempre foi apegado ao Estado. “O homem de Pernambuco é arraigado à terra. Por mais dificuldade que o Estado ofereça, dificilmente ele quer deixar isso aqui”, disse em entrevista.
O desejo de se tornar colecionador começou em 1939, quando estava com apenas 12 anos e ganhou um canivete. Assim começou sua coleção de armas. Em setembro de 2002, fundou o IRB, um presente para a cultura e o turismo de Pernambuco em forma de castelo. Naquela área de mais de 77 mil metros quadrados, funcionava o engenho São João, onde ele passou parte da infância.
O museu é considerado um dos mais importantes da América do Sul, tendo registrado nos últimos 15 anos uma frequência de 3 milhões de visitantes. O IRB é composto por prédios reunindo o Castelo de São João, a pinacoteca, a biblioteca, a galeria e a capela. O instituto tem como acervo a maior coleção privada de pinturas do artista holandês Frans Post e a quinta maior coleção particular de armas brancas raras do globo, iniciada com aquele canivete. Um legado de afetos, sonhos e realizações que Ricardo Brennand deixa para Pernambuco.
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