Desde que a pandemia do novo coronavírus chegou a Pernambuco, a microempresária Antonella Arcuri vem peregrinando pelos bancos em busca de financiamento de capital de giro. Procurou o BNDES, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal e o Banco do Nordeste, mas não conseguiu nada até agora. Dona da casa Delícias Italianas Antonella Arcuri, em Boa Viagem, ela viveu a primeira experiência no “corpo a corpo” com as instituições bancárias oficiais. Nos pacotes de enfrentamento à covid-19, o governo federal anunciou linhas de crédito com flexibilização das regras para facilitar o acesso às micro e pequenas empresas. Não é isso o que tem acontecido. Os bilhões anunciados continuam “nos cofres” dos bancos.
O Sebrae, principal parceiro das micro e pequenas empresas no País, tem feito plantão aos sábados para dar conta da explosão no número de empreendedores precisando de atendimento, em função da crise do coronavírus. A principal demanda é a busca de orientação para acessar os financiamentos e tentar amenizar a perda de faturamento. “O crédito é oxigênio para que as empresas respirem. Se não tiver isso, elas não vão sobreviver. Mas o que se tem visto é uma lentidão na apresentação das medidas, os anúncios a conta-gotas e a falta do caráter de autoimplementação das medidas, que ainda dependem de regulamentação. Além disso, o crédito não chega à ponta. Temos 360 operações orientadas pelo Sebrae que foram para os bancos. Já se passaram 11 dias e só uma foi aprovada e outras 50 negadas”, observa o superintendente do Sebrae em Pernambuco, Francisco Saboya.
Descendente de italianos, Antonella começou a produzir molhos de tomate artesanais para complementar a renda depois que o negócio da construção civil começou a imbicar. Conciliava o trabalho na construtora com a produção dos molhos, que no começo vendia para conhecidos, mas acabaram ganhando fama. Ela virou MEI e rapidamente a receita do negócio superou o valor do salário. Deixou a construtora e abriu uma loja em dezembro do ano passado. O espaço também era utilizado para realizar pequenos encontros de até oito pessoas. Esse serviço ela precisou suspender. Está fazendo delivery, entregando de prato principal até sobremesa. Desde que a crise começou, o faturamento caiu 30%.
"Nós estamos abandonados. O discurso (do governo) na TV é lindo, mas a situação é lastimável. Não estou tendo o respeito que eu merecia como empreendedora que sou. Nós precisamos pagar energia, impostos e nossos fornecedores, que também são pequenos e nós não vamos ajudar a quebrar”, assinala. Antonella conta que se inscreveu no Banco do Nordeste (BNB) para conseguir capital de giro no dia 9 de abril e só recebe pedidos para complementar a documentação. “Na última devolução de documentação que recebi eu chorei de raiva. Devolveram dizendo que a projeção de faturamento tinha sido feita em duas páginas, mas que era pra ser numa folha só. Para que facilitar se você pode complicar? Esse é o lema nesses bancos”, critica.
A economista Beatriz Scherb Kozmhinsky, sócia da MKZ Paisagismo e Consultoria, junto com o marido Marcelo Kozmhinsky, também se deparou com desestimulante burocracia dos bancos. “Estamos há três semanas tentando uma resposta do Banco do Nordeste e eles sempre apontando pendência no cadastro. E não fizemos a solicitação sozinhos. Contamos com o apoio de um consultor espetacular do Sebrae e ainda assim não passou ainda. Reclamaram do comprovante de residência do meu marido. Eu mandei comprovante igual e o meu serviu e o dele não. Nós somos empresários adimplentes, pagamos nossas contas. Não tem costume em deixar nada em aberto. Somos pequenos, mas nossa empresa já tem 15 anos de mercado e fazemos projetos de paisagismo de todos os portes”, destaca.
No final de abril, o Congresso aprovou um programa especial de crédito para micro e pequenas empresas, no valor total de R$ 15,9 bilhões. O Projeto de Lei 1.282/20, oriundo do Senado, cria o Programa Nacional de Apoio às Microempresas e Empresas de Pequeno Porte (Pronampe), que concede crédito mais acessível às microempresas, com faturamento bruto anual de até R$ 360 mil, e empresas de pequeno porte, com faturamento anual de até R$ 4,8 milhões.
BNB
Procurado pela reportagem do JC, o Banco do Nordeste diz que o produto da instituição para atender as empresas nesse momento de crise do coronavírus é o Giro Emergencial, baseado na Resolução 4.798 do Banco Central, que estabelece o uso de recursos do FNE. O crédito tem taxa de 2,5% ao ano, com início do pagamento para janeiro de 2021, prazo de 24 meses e teto de R$ 100 mil pra capital de giro e R$ 200 mil para investimentos. O Banco do Nordeste ainda não emprestou um real sequer dessa linha de crédito às empresas de Pernambuco.
“Essa Resolução saiu a pouco tempo (é de 6 de abril) e precisava que fosse decretado estado de calamidade em Pernambuco. A primeira decretação do estado de calamidade não servia para a área bancária e a gente precisava desse aval para operar a linha. Por isso, as solicitações de financiamento ainda estão em fase de cadastro. Quem já era cliente do banco é mais fácil, mas quem não é precisa fazer esse cadastro”, justifica Joaísa Rodrigues, gerente executiva da célula de negócios na superintendência do BNB em Pernambuco.
Questionada sobre a flexibilização no acesso ao crédito e agilidade na análise orientada pelo governo federal, a gerente responde que o relaxamento nas regras está na redução de taxa, no prazo e na dispensa de consulta ao Cadin, mas que a burocracia permanece a mesma. “O banco é muito criterioso na liberação dos empréstimos, porque estamos lidando com recurso público e somos auditados. Temos regras e normas que precisam ser cumpridas. Sobre o prazo de análise, de fato, estamos atrasando um pouco porque, além de estarmos recebendo uma demanda altíssima, tivemos uma diminuição do quadro de funcionários por conta de teletrabalho, contaminação das pessoas (por covid-19) e ajustes que precisamos fazer, como todas as empresas. A gente entende os empresários e está apoiando ao máximo”, garante. A questão é até quando as empresas vão sobreviver “sem oxigênio”.
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