O prefeito do Recife, Geraldo Julio (PSB), teve dias turbulentos na semana que passou. Na sexta-feira (22), a Polícia Federal (PF) fez uma visita à sede da Prefeitura pedindo esclarecimentos sobre uma licitação superior a R$ 15 milhões. No meio da semana, a PCR revogou – após orientação do Tribunal de Contas do Estado (TCE) – a compra de 12,5 mil celulares que representaria um prejuízo de R$ 900 mil aos cofres públicos. Já na quinta e sexta-feiras, a polêmica ficou por conta da aquisição de 500 respiradores por R$ 11,5 milhões à microempreendedora individual de São Paulo Juvanete Barreto Freire, que foi denunciada pelo Ministério Público de Contas de Pernambuco (MPCO) por indícios de irregularidades. Diante da suposta fraude, a empresa desistiu do contrato.
Desde o início da pandemia, a Prefeitura do Recife calcula que gastou R$ 144 milhões no enfrentamento à doença. As compras com dispensa de licitação estão no radar dos órgãos de controle e dos vereadores da oposição. O ponto de partida para fiscalizar as contas da Prefeitura é o Portal da Transparência. Quem abre o link destinado às contratações referentes ao novo coronavírus se depara com 17 páginas em PDF, onde se descreve apenas o órgão que está adquirindo, o que está sendo comprado (sem as quantidades), a data de vigência, o valor total, o nome do fornecedor e o CNPJ.
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No link do número da dispensa, onde deveriam constar informações detalhadas, como contrato, termo de referência, documentação da empresa e outros dados, aparece apenas a página escaneada do Diário Oficial com a publicação da licitação.
Essa lacuna na transparência motivou o Ministério Público Federal (MPF) de Pernambuco e o MPCO a emitir uma recomendação conjunta à Prefeitura cobrando a efetiva transparência nos gastos. “Essa transparência tem que ser ampliada, senão como você e eu vamos fiscalizar? Como vou cumprir meu dever de ofício?”, diz a procuradora do MPF, Sílvia Regina Lopes.
A Lei Federal 13.979/2020 permitiu a dispensa de licitação em função da emergência da pandemia, mas os gestores públicos não estão liberados de apresentar as documentações dos contratos. “A ampliação da dispensa quer dizer que a transparência também deve ser ampliada. Mesmo nesse momento de pandemia, com instabilidade nos preços de produtos e serviços, há critérios para se avaliar superfaturamento. Os gestores ainda precisam especificar quantidades compradas, valores, tipos para que seja possível utilizar os parâmetro de controle”, observa a procuradora.
Questionada sobre por que a prestação de contas no combate à covid-19 não detalha as contratações, a PCR responde enaltecendo suas posições em diversos rankings. “A ONG Transparência Internacional reconheceu o Portal da Transparência do Recife como um dos melhores do Brasil na transparência dos gastos com ações contra o novo coronavírus, onde existe um ícone específico para a covid-19, e lá estão publicados todos os processos de compra e contratação para a pandemia. Importante lembrar que o Portal da Transparência do Recife foi reconhecido como o melhor do Brasil em 2014 pela ONG Contas Abertas, ficou em primeiro no ranking do Tribunal de Contas em 2015, obteve nota 10 na avaliação do Ministério Público Federal em 2016, foi reconhecido em 2017 como o melhor do país pela Controladoria Geral da União e em 2019 foi avaliado no nível mais alto pelo Tribunal de Contas e mais uma vez como melhor do Brasil pela CGU, o que demonstra o forte compromisso da gestão com a Transparência Pública”, diz.
A fragilidade na transparência suscitou a instauração de duas auditorias especiais pelo Tribunal de Contas do Estado (TCE), que vai analisar as dispensas de licitação e a execução dos contratos. Até o momento, a Prefeitura totalizou 138 processos de dispensas de licitação de compras para enfrentamento à pandemia da covid-19. Destes, 76 processos foram enviados ao TCE, somando R$ 109 milhões. “Alguns tipos de empresas chamam atenção e os órgão de controle têm um olhar mais atento. Por isso, o Tribunal filtra e pesca esse tipo de contratação para fazer alerta aos gestores”, diz Adriana Arantes, coordenadora de Controle Externo do TCE.
Um dos fornecedores que o TCE está analisando o contrato é do Instituto Humanize de Assistência e Responsabilidade Social, que assinou uma dispensa de licitação com a PCR no valor de R$ 69,1 milhões para gerenciar o hospital de campanha da Imbiribeira. No Portal da Transparência, a descrição do contrato aparece em quatro linhas do D.O e sem nenhuma documentação. O endereço do Instituto fica em uma pequena garagem, em Cajueiro Seco, em Jaboatão dos Guararapes.
Questionada sobre o Instituto Humanize, a Prefeitura dá uma resposta protocolar, a mesma que costuma replicar nas suas redes sociais ou nos questionamentos da imprensa. “Todas as contratações da Prefeitura do Recife são legais e todos os processos estão sendo enviados, por iniciativa da própria gestão municipal, ao Tribunal de Contas desde abril”, diz. Não explica se o fornecedor tem expertise na atividade para a qual foi contratada, nem fornece maiores detalhes.
A mesma resposta serve para o questionamento dos valores pagos pelos alugueis dos lugares onde funcionam os hospitais de campanha, que está sendo analisado pelo MPCO, mas em fase de conclusão. Avaliadores judiciais acostumados a esses cálculos apontam que os valores estariam muito acima do mercado. A compatibilidade da empresa com o objeto da contratação é alvo de investigação. A empresa de artes visuais Cardoso Indústria e Comércio Arts Visuais foi contratada para a montagem dos hospitais de campanha.
RESPIRADORES
Foi esse desencontro entre o que a empresa faz e para que ela foi contratada que chamou a atenção do MPCO no caso dos respiradores. A fabricante dos respiradores era a Bioex, com fábrica em Sumaré (SP), mas o contrato foi fechado pela microempreendedora individual Juvanete Barreto Freire. O procurador do MPC, Cristiano Pimentel, detectou indícios de irregularidades, como o fato de a empresa ser MEI, ter um capital social de apenas R$ 50 mil, ser revendedora de produtos veterinários e colchões e vencer uma licitação de R$ 11,5 milhões para entregar 500 respiradores. O filho de Dona Juvanete e dono da Bioex, Leonardo Freire, explicou que a venda foi feita pela empresa da mãe, porque a Bioex não pode fazer venda direta ao consumidor e ela serviu como representante.
Na última sexta, a empresa desistiu do contrato e reembolsou a PCR em R$ 1,075 milhão. A alegação foi de que a polêmica sobre os respiradores trouxe uma repercussão negativa para Dona Juvanete. Mesmo com a desistência do contrato, o MPCO informou que vai continuar com a investigação e vai exigir que a Prefeitura cobre multa contratual pela quebra de contrato. A PCR foi insistentemente questionada pelo JC, mas não respondeu quantos respiradores a microempreendedora entregou.
Leonardo Freire, da Bioex, disse que a Prefeitura do Recife pagou R$ 1,075 milhão antecipado pela compra de 50 respiradores, mas que só foram entregues 35. A próxima entrega seria feita na última quinta-feira (21), por frete aéreo, mas foi suspensa após a denúncia do MPCO.
Diante dessa informação, outra interrogação que ficou no ar é por que a PCR não exigiu que a empresa entregasse os 15 respiradores que estava lhe devendo, no lugar e receber o dinheiro de volta e deixar que tirassem dos hospitais 35 equipamentos vitais aos pacientes graves da covid-19. De acordo com a Prefeitura, a gestão conta com 133 respiradores, dos quais 125 estão nas UTIs dos hospitais de campanha. A falta dos equipamentos impede que a Prefeitura coloque em funcionamento outras 188 UTIs nos hospitais de campanha do Recife. Enquanto isso, a fila de espera por um leito de UTI no Estado chega perto de 250 pessoas.
A PCR informa que "como existe uma disputa internacional por respiradores, item essencial para o funcionamento das UTIs, a Prefeitura já realizou 10 processos de compras com diversos fornecedores diferentes e espera a chegada de mais equipamentos em junho".
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