Desde que a pandemia do novo coronavírus (covid-19) chegou ao Brasil, mudando a rotina e as perspectivas de todos, quem vive no país tem lidado com situações que pedem um momento de reflexão diante de várias incertezas. Há cerca de dois meses em isolamento social por causa das medidas restritivas para tentar conter o avanço da doença, muitas pessoas têm aproveitado este período para repensar a carreira e mudar de emprego ou até a área de atuação.
Este é o caso da auxiliar administrativa Bruna Almeida, de 28 anos. Quando a quarentena começou, ela trabalhava no setor administrativo de uma rede de lojas de departamento na capital pernambucana. Demitida por causa da crise gerada pela pandemia, a jovem já tem planos para abrir o próprio negócio. “Eu estava querendo ocupar a cabeça enquanto durasse a quarentena, comecei a ver vídeos na internet e fui me aventurar na cozinha”, conta ela, afirmando que não tinha pretensões de trabalhar com confeitaria até que, no aniversário da mãe decidiu se arriscar a fazer um bolo diferente. “Todo mundo elogiou e acho que, realmente, levo jeito para isso”, diz ela, que deve se inscrever em algum curso na área quando a pandemia passar.
Outro profissional que está aproveitando a quarentena para repensar a carreira é o professor Eduardo Menezes, 32. Desde que o governador Paulo Câmara decretou o fechamento de comércio e serviços não essenciais, em março, Eduardo está sem dar aulas em uma escola particular da Zona Oeste do Recife. “Com toda essa crise, a direção da escola informou que precisaria encerrar meu contrato”, afirma o professor, contando que encontrou na demissão a oportunidade certa de dar vazão a uma antiga paixão antiga, a Enfermagem.
O tempo extra proporcionado pelo isolamento social e a quebra da rotina fizeram com que Eduardo Menezes questionasse sua profissão, pensasse melhor sobre a vontade de ser enfermeiro e pesquisasse meios para viabilizar a nova carreira. “Gosto muito de ser professor, mas comecei a pensar em tudo que vem acontecendo no mundo e decidi seguir o coração”, diz ele, lembrando que a Enfermagem sempre foi um sonho, mas que acabou não seguindo porque sua família não tinha dinheiro para arcar com as despesas do curso. “Hoje, com tantas pessoas doentes, se eu fosse enfermeiro, poderia estar ajudando na guerra contra o vírus”, declara Menezes, alimentando a esperança de que ainda poderá ajudar a salvar muitas vidas, após ingressar no curso de Enfermagem.
Abril foi o último mês da técnica em contabilidade Desirée Vidal, 30, como funcionária de uma empresa do ramo varejista. Ela foi demitida ao lado de mais 9 pessoas que trabalhavam com ela no escritório da companhia no Recife. “Infelizmente, eu já esperava isso porque, com a pandemia, o setor sofreu uma queda grande”, explica ela, que estava na empresa há três anos. Agora, desempregada, Desirée começa a planejar a volta ao mercado. “Eu estou ponderando as vantagens e desvantagens para decidir o que vou abraçar”, diz ela, afirmando que já tem em mente algumas opções para tentar explorar. “Meu maior desejo é voltar a trabalhar, ainda que eu seja com um salário menor que antes”, pontua, reforçando que só vai mudar de carreira depois que tiver noção dos riscos que corre.
Comportamento natural que exige calma
Para a psicóloga Alexandra Pontes, coordenadora adjunta do curso de Psicologia da Estácio e especialista em orientação profissional, esse tipo de reflexão sobre a carreira em momentos de crise como o que passamos é um comportamento natural. “Nós estávamos vivendo sem tempo para refletir. Agora, com a quarentena, passamos por um momento em que estamos entrando em contato com nós mesmos, e, por isso, é comum surgirem questionamentos”, diz Pontes, segundo quem fazer perguntas para si mesmo é algo positivo. “Antes da pandemia, pouquíssimas pessoas paravam para pensar sobre como sentiam no emprego e sobre mudanças na carreira”, explica ela, afirmando que, além de natural, fazer um “balanço” da vida profissional é necessário.
Essas reflexões, entretanto, precisam ser feitas com cuidado. É o que explica Diogo Galvão, consultor de carreiras e pró-reitor Acadêmico da Unit. Para ele, apesar de ser mais difícil mudar de área do que permanecer na mesma, vale analisar as condições de empregabilidade do segmento em que o trabalhador tem experiência. Feito isso, a dica de Galvão é “busque identificar, segundo o seu perfil, qual seria outra área que se alinha com você”. Segundo o consultor, um reposicionamento de carreiras tem que ser muito bem pensado para que eventuais prejuízos sejam evitados. “Essa é uma decisão que não pode ser baseada no desespero”, diz ele.
Na mesma linha, a psicóloga Alexandra Pontes explica que, nesses momentos de questionamento sobre carreira, é interessante que as pessoas busquem entender a motivação do desejo pela mudança de carreira. “É essencial, em primeiro lugar, pensar porque a pessoa quer sair da empresa ou da área em que está trabalhando”, aconselha a psicóloga, segundo quem ouvir opiniões de pessoas próximas pode ajudar a ter mais clareza sobre a decisão. “Ouça quem você ama, quem convive com você, e pese as vantagens e desvantagens dessa transformação profissional. Feito isso, certamente, haverá uma maior segurança na hora de decidir”, pontua.
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