Alunos da rede de academias Smart Fit têm reclamado que não conseguem cancelar as matrículas. Alguns clientes desejam suspender o serviço por não terem condições de pagar por ele, em razão da crise econômica causada pela pandemia do novo coronavírus. Outros, porém, querem promover um boicote à rede depois que o dono, Edgard Corona, se tornou alvo de uma operação da Polícia Federal que apura um esquema de disseminação de fake news.
Proprietário de uma pequena lojas de roupas no centro do Recife, Gustavo Alves, 32 anos, viu sua renda cair durante a pandemia e precisou cortar gastos que não considerava essenciais. Ele, porém, tem tido dor de cabeça para cancelar o contrato com a academia. “Em março, recebi um e-mail da Smart Fit informando que as atividades seriam suspensas junto com as mensalidades. Mas não foi isso que aconteceu”, conta.
Alves diz que já enviou e-mails à empresa solicitando o cancelamento da cobrança, mas não foi respondido. “Entrei em contato pelo único meio que a academia disponibiliza e não recebo nenhuma resposta”, diz Gustavo, que acionou o Procon para não ser prejudicado.
O lojista não está só. De acordo com os Procons do Recife e Pernambuco, ao menos 32 pessoas já procuraram os órgãos de defesa do consumidor na tentativa de encontrar uma saída para cancelar a matrícula na rede de academias.
Em São Paulo, após mais de 830 denúncias, o Procon decidiu notificar a empresa, que deverá se explicar sobre os procedimentos adotados para cancelamento de contratos a pedido de clientes.
Numa rápida visita às redes sociais da Smart Fit, é possível encontrar vários usuários reclamando que, ao tentarem cancelar o plano pela internet, são informados de que só o podem fazer presencialmente. Acontece, porém, que as unidades da rede estão fechadas desde de março em diversas partes do Brasil, por causa da pandemia.
Em resposta a alguns internautas, o perfil oficial da SmartFit no Twitter informa que o cancelamento não pode ser realizado, uma vez que as matrículas estão congeladas no período. “Não temos como realizar o cancelamento via online, apenas presencialmente. Reiteramos que não haverá cobrança na mensalidade enquanto estivermos fechados”, diz uma das respostas da academia.
Bom dia, Duda. Tudo bem? Não temos como realizar o cancelamento via online, apenas presencialmente, ok? Reiteramos que não haverá cobrança na mensalidade enquanto estivermos fechados.
— Smart Fit (@SmartFitoficial) June 5, 2020
Bom dia! Tudo bem? Então, desde 01/04/20 optamos por não fazer a cobrança das mensalidades enquanto estivermos fechados. Esse débito pode ter sido o da manutenção anual, não? Dá uma olhadinha nesse vídeo que preparamos sobre os pagamentos: https://t.co/EHmefFienp.
— Smart Fit (@SmartFitoficial) June 4, 2020
Na plataforma ReclameAqui, que reúne queixas de consumidores, a Smart Fit tem 297 reclamações não respondidas. A maior parte delas está relacionada a tentativas frustradas de cancelamento ou a cobranças indevidas no período em que as academias estão fechadas.
Smart Fit não pode impedir cancelamento
Para a especialista em direito do consumidor, a advogada Tatiana da Hora, coordenadora do Núcleo de Prática Jurídica do Unit-PE, a conduta da Smart Fit, embora não seja ilegal, carece de bom senso. "Não há ilegalidade porque o Código de Defesa do Consumidor, assim como nós, não previa uma situação como a que vivemos. Então, é necessário que a empresa tenha bom senso para fazer uma repactuação dos termos contratuais”, avalia.
Tatiana observa que colocar obstáculos para suspensão ou cancelamento neste momento não faz o menor sentido, visto que há uma interrupção da prestação do serviço.
O advogado Artur Sodré, do escritório Martins Advogados diz que a Smart fit pode cobrar eventuais penalidades daqueles que desejam cancelar o serviço, mas não pode se negar a fazer o cancelamento. "Não há razão para exigir que o cancelamento seja presencial durante a pandemia."
Segundo Sofré, mesmo que a prática esteja no contrato, a cláusula tende a ser considerada abusiva pela Justiça.
Aos clientes que se sentirem lesados, no entanto, o especialista orienta que, antes de levar o caso à esfera jurídica, as pessoas devem buscar outros meios, como o Procon.
"Não havendo resposta, aí sim o consumidor deve pensar em um processo para tentar terminar o contrato”, afirma ele.
Procurada pelo Jornal do Commercio, a Smart Fit não havia se pronunciado até a última atualização desta reportagem.
Inquérito das fake news
O aumento de reclamações contra a rede de academias coincide com campanhas na internet que incentivam o boicote à empresa depois que seu dono, Edgard Corona, foi um dos alvos da operação da Polícia Federal que investiga esquema de fake news.
O empresário, apoiador do presidente Jair Bolsonaro (sem partido), teria enviado em fevereiro uma mensagem a um grupo de WhatsApp do movimento empresarial Brasil 200.
Na ocasião, Corona dizia precisar de dinheiro para investir em marketing e impulsionar vídeos de ataque ao presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ).
A mensagem do dono da Smart Fit encaminhava um vídeo afirmando que a PEC 45 (projeto de reforma tributária encampado por Maia) elevaria os custos das empresas, e que o valor seria repassado para o consumidor final, com aumento de 300% de impostos em escolas privadas, serviços de saúde e transportes.
A gravação dizia também que grandes nomes da indústria brasileira, como Ambev e Natura, pagariam até 300% menos impostos na reforma apoiada por Maia. Havia ainda críticas ao banco Itaú.
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