A pandemia da covid-19 no Brasil tem sido mais dura do que nos demais países emergentes. Além das questões sanitárias, econômicas e institucionais, enfrentamos uma crise de confiança. Ao tentar minimizar a gravidade da doença, culpar governadores e prefeitos pelo desastre na economia e maquiar estatísticas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) coloca o Brasil numa posição delicada no mapa global. Afugenta investidores, prejudica a imagem externa do País e compromete a velocidade da retomada econômica.
O desempenho frustrante do PIB brasileiro em 2019, com taxa de crescimento de 1,1%, começou a afastar os estrangeiros do País antes mesmo da chegada do novo coronavírus. A expectativa é que essa fuga acelere o passo este ano graças ao risco político, à recessão provocada pela covid-19 e à descontinuidade das reformas propostas pelo governo Bolsonaro. Essa saída tem acontecido por duas frentes: recursos aplicados no mercado financeiro (em ações, fundos e renda fixa) e na redução do Investimento Direto no País (IDP).
Só em março e abril, os estrangeiros sacaram R$ 29,2 bilhões da bolsa de valores e devem continuar ‘cancelando’ o País. “O Brasil perdeu completamente sua atratividade externa, tivemos a nossa maior saída histórica de capital externo em 2020, uma parte foi porque os juros caíram. Mas tem uma parte relevante foi porque os investidores passaram olhar o Brasil como um ambiente problemático, em constantes atritos e brigas, e mais importante, onde não se debate mais as agendas de fato importantes para o País. O presidente é o principal responsável por isso. Esse comportamento pode até agradar sua base mais radical, que se vê no espelho e nutre as paranoias e desdém pela democracia liberal, mas é um completo desastre para o imagem externa no Brasil”, alerta o investidor Paulo Dalla Nora Macedo.
Bolsonaro negou o poder do vírus, contrariou as orientações de distanciamento social, defendeu o uso da cloroquina e hidroxicloroquina, alimentou o confronto com os governadores e comprou briga com o Legislativo e o Judiciário. Enquanto ao redor do mundo seus pares buscavam união para enfrentar a doença e recebiam apoio do povo, aqui o presidente perdeu popularidade e lá fora foi apontado como o pior presidente do mundo no enfrentamento à covid-19. Pesquisa do Instituto Datafolha, publicada no final de maio, aponta a maior rejeição do seu mandato com taxa de 43%.
O líder da Nação também não cansou de prestigiar manifestações realizadas por apoiadores e participar de aglomerações, muitas vezes sem máscara. Apesar de ressaltar que não apoia atos contra a democracia nem com contra suas instituições, os seguidores do presidente chegaram a realizar o protesto “300 Brasil”, que só teve 30 pessoas, em frente ao Supremo Tribunal Federal (STF) para criticar o ministro Alexandre de Moraes, relator do inquérito contra as fake news. O que chamou atenção foram as roupas pretas, máscaras de terror e tochas acesas lembrando a organização racista Ku Klux Klan.
Todos esses movimentos na contramão do que se espera de um líder de uma Nação, lançou holofotes sobre a condução do combate à pandemia no Brasil e alçou o Brasil a uma posição de lugar com ‘restrições aos negócios’. Não foram apenas os investidores estrangeiros da bolsa que partiram em disparada. Os Investimentos Diretos no País (IDP) também despencaram. Dados do Banco Central (BC) mostram que abril registrou o pior resultado dos últimos 25 anos, somando US$ 234 milhões contra US$ 5,1 bilhões no mesmo mês do ano passado. O resultado surpreendeu o próprio BC, que mesmo com a pandemia, projetava um ingresso de US$ 1,5 bilhão de IDP em abril.
A previsão é que o resultado negativo não seja revertido em curto prazo. Mais uma vez não só por causa da crise sanitária e econômica que acomete o mundo todo, mas pelas particularidades da condução brasileira. O vírus chegou mais tarde no Brasil e a expectativa é que a retomada seja naturalmente mais lenta, mas isso pode piorar a depender do comportamento do governo. “Esse isolamento pode piorar, pois o único líder relevante que ainda dialoga com o estilo de Bolsonaro é Trump, quem tem chances reais de perder a eleição. Em função disso a nossa recuperação será muito mais lenta que a média dos mercados mundiais, essa subida no último mês da Bolsa aqui por exemplo, foi muito mais torcida, especialmente por conta dos milhares de novatos na Bolsa, do que baseada em análise concreta. Não estou nada animado com o Brasil e penso que anos muito difíceis nos esperem, o que talvez seja bom como aprendizado para o futuro”, afirma Dalla Nora Macedo.
A gestão Bolsonaro também tem chamado atenção da imprensa internacional. Desde que começou a pandemia, ele já foi duas vezes tema do editorial do Financial Times (uma das publicações econômicas mais reconhecidas do mundo), em abril e no domingo passado. Intitulado “Jair Bolsonaro desperta medo pela democracia brasileira”, o jornal cita o comportamento antidemocrático e lembra que o Brasil sobe no ranking do número de mortes por coronavírus.
Na última sexta-feira, o Brasil passou o Reino Unido e ocupou o segundo lugar no ranking de mortes por covid-19 no mundo. Os óbitos também motivaram outra crise no governo. Alegando que os governadores estariam inflando os dados, o presidente mudou a metodologia de divulgação, mas o STF desfez a alteração. No ano passado, Bolsonaro também questionou os dados sobre o desmatamento na Amazônia.
CONTRAPONTO
Sócio da Multinvest Capital, Osvaldo Moraes, faz um contraponto observando que a crise do coronavírus trouxe oportunidade ao investidor brasileiro. “Na virada de maior para junho a bolsa brasileira teve um comportamento atípico de alta porque os investidores brasileiros estão migrando da renda fixa e de outros investimentos para a bolsa, que oferece taxas de juros mais elevadas. O brasileiro está acostumado com taxas de juros altas de 12%, 13%, 14% ao ano, mas como agora a taxa está entre 2,5% e 3% é melhor aplicar na bolsa. As ações estão baratas em relação ao valor real delas. No caso do brasileiro, acredito que está pouco se lixando para política, estão interessados no desempenho das empresas, porque o governo muda e elas ficam”, defende.
Na última sexta-feira (12), o Ibovespa esfriou o otimismo da virada de maio para junho e registrou a terceira sessão negativa e retrocedeu ao menor nível desde 2 de junho. O resultado refletiu o temor de uma segunda onda de Covid-19 nos Estados Unidos e na Europa, que possam significar uma reversão no processo de reabertura das economias.
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