Pandemia feita de plástico

COMPORTAMENTO Pedidos de comida delivery aumentam o descarte de lixos plásticos que não podem ser reciclados por estarem sujos

EDILSON VEIRA
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EDILSON VEIRA
Publicado em 23/08/2020 às 6:00
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
ENTREGAS Cooperativa de reciclagem no Arruda tem recebido mais material plástico durante a pandemia - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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A facilidade em pedir uma refeição rápida pelos aplicativos de entrega tem resolvido o problema de muita gente que não tem tempo, ou paciência, para cozinhar em casa. Mas as embalagens utilizadas no acondicionamento desses alimentos podem estar gerando um problema para as cidades.

Segundo a Associação Brasileira de Empresas de Limpeza Pública e Resíduos Especiais (Abrelpe), a quantidade de resíduos recicláveis coletados por serviços de limpeza urbana aumentou 28% em maio de 2020, em todo o País, em relação ao mesmo período de 2019. Ao mesmo tempo, houve queda de 9% na coleta de resíduos sólidos urbanos.

No Recife, a Empresa Municipal de Limpeza Urbana (Emlurb), informou que, durante a pandemia, houve uma pequena redução na quantidade de lixo coletada nos meses de maio e junho, e aumento em março, abril e julho. No mês passado, foram coletadas na capital 45.825 toneladas de lixo domiciliar (que também envolve comércio e escritórios). Foram 1.400 toneladas a mais do que em julho do ano passado.

Bruno Cabral, diretor de Limpeza Urbana da Emlurb, disse que a interrupção das atividades econômicas durante a quarentena contribuiu para uma produção menor de resíduos. "Mas, enquanto a coleta no Centro da cidade diminuiu, nos bairros aumentou", disse. Segundo Cabral, cerca de 3% do lixo coletado no Recife é reciclado. "Outra parte, bem maior, que também poderia ser reciclada, não é contabilizada porque é misturada pela população ao lixo comum", diz. Recife tem 54 pontos de coleta exclusiva para lixo reciclável e nove caminhões de coleta que circulam nos bairros para apanhar o lixo já separado pelos moradores.

A capital pernambucana tem cerca de 10 cooperativas de reciclagem associadas à prefeitura. Elas recebem o lixo coletado pelos garis e fazem a seleção dos objetos de acordo com o material (plástico, vidro, papel e papelão, e metais) para venda. Karina da Silva, cooperada da Associação Palha de Arroz, no Bairro do Arruda, Zona Norte, confirma que tem recebido nos últimos meses mais embalagens de alimentos junto com o material que é enviado pela prefeitura.

Mas, o que poderia se traduzir em mais renda para a associação, na prática, representa apenas mais trabalho. "Não aproveitamos canudos plásticos e nem embalagens de isopor porque não têm como reciclar", explica Karina. Ela conta ainda que, antes da pandemia, havia uma empresa que comprava os pratos de plástico mas, depois da quarentena, não houve mais pedidos. "Sem falar que os pratos e embalagens plásticas que chegam pra gente vêm sempre sujos, então vão direto pro rejeito", diz. Os produtos não aproveitados vão parar nos aterros sanitários.

Para Eduardo Elvino, diretor de controle de fontes poluidoras da Agência Estadual do Meio Ambiente, os resíduos sólidos urbanos — incluindo os produtos descartáveis —, ainda são um problema para Pernambuco. Mesmo com havendo um avanço no número de aterros sanitários no Estado em substituição aos antigos lixões. "Nós saímos de 11 aterros sanitários em 2015 para 19 em 2020. Mas ainda temos 74 municípios descartando seus resíduos de forma inadequada, em lixões. O que nos dá um alento é que a maior parte dos resíduos sólidos são produzidos na Região Metropolitana do Recife e nas grandes cidades do interior, locais onde 75% do lixo coletado é enviado para os aterros".

Elvino pondera que, apesar da lei federal de resíduos sólidos, de 2010, dizer que os municípios devem montar uma estrutura mínima de coleta seletiva, nem sempre isso acontece. Assim, o lixo que vai para o aterro sanitário não é necessariamente selecionado. "Ainda temos um grande percentual de material descartável sendo aterrado, é o maior problema."

A Associação Brasileira da Indústria do Plástico (Abiplast) informou que a produção de embalagens plásticas cresceu 12% em junho deste ano, em relação ao mesmo mês de 2019, mas não revelou quanto desse total foi reciclado ou produzido com material biodegradável. Há 20 anos o Brasil conta com uma tecnologia que torna o plástico utilizado em embalagens em biodegradável, através da adição de um composto químico no momento da fabricação. Isso faz com que o material plástico se decomponha em até três anos, se transformando em água, gás e biomassa.

Eduardo Van Roost, sócio administrador da RES Brasil, empresa pioneira nesta tecnologia no País, estima que, no mundo, cerca de 2% do plástico produzido seja biodegradável. No Brasil esse percentual é menor que 1%. Para Van Roost, o aumento no custo de produção entre 5% e 10% deve explicar por que a tecnologia biodegradável ainda não deslanchou. "Um custo irrisório para o valor que tem proteger a natureza e a vida selvagem contra a poluição por plástico indevidamente largado pelas pessoas na natureza."

A Copobras, uma das maiores empresas nacionais de embalagens descartáveis para alimentos, com sede em Santa Catarina, informou que a demanda por embalagens de delivery de alimentos cresceu 30% durante a pandemia em comparação ao mesmo período do ano passado) e considera que a "a população tem recorrido a estes itens descartáveis devido à segurança que o produto oferece contra contaminações."

 

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Não aproveitamos canudos plásticos e nem embalagens de isopor porque não têm como reciclar. Pratos e embalagens plásticas que chegam pra gente vêm sempre sujos, então vão direto pro rejeito", diz Karina da Silva, cooperada da Associação Palha de Arroz. - FOTO:BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
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Eu tento não usar nada descartável mas, quando acontece, tenho o cuidado de lavar as embalagens, copos e pratos para que sejam aproveitados pelos catadores", explica o engenheiro ambiental Luís Cometti - FOTO:DIVULGAÇÃO

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