BRASÍLIA, DF (FOLHAPRESS) - Embora o governo tenha afirmado que não incluiu juízes e procuradores na proposta de reforma administrativa por determinação constitucional, especialistas afirmam que essas carreiras poderiam ter sido atingidas na medida sugerida pelo Executivo.
A reportagem ouviu ex-membros do governo, um procurador e advogados especializados direito administrativo. Todos afirmam ser equivocado o argumento de que o presidente da República não tem autonomia para propor mudanças que afetem membros de outros Poderes.
Na apresentação da proposta de reforma do serviço público, o Ministério da Economia disse que não poderia partir do Poder Executivo a proposição de novas regras para essas carreiras, o que inclui juízes, desembargadores, procuradores e promotores.
"A proposta não se estende aos membros de outros Poderes porque, constitucionalmente, o chefe do Poder Executivo não pode propor normas de organização dos demais Poderes", afirmou, no dia 3, o secretário especial adjunto de Gestão, Gleisson Rubin.
Com a decisão, a proposta do governo alcança servidores do Executivo, Legislativo e Judiciário, mas não atinge os cargos considerados da elite. Por exemplo, haveria efeito para a carreira de analista do Judiciário, mas não para juízes.
O professor da FGV (Fundação Getulio Vargas) Direito São Paulo e presidente da Sociedade Brasileira de Direito Público Carlos Ari Sundfeld discorda do argumento apresentado pelo governo.
Segundo ele, o presidente tem autonomia para sugerir uma PEC (Proposta de Emenda à Constituição) que alcance membros de outros Poderes.
As únicas restrições são emendas que tendam a abolir a federação, o voto direto, a separação de Poderes e os direitos e garantias individuais. Para o pesquisador, nenhuma dessas hipóteses se enquadraria na reforma administrativa.
O professor da FGV ressalta que atualmente a Constituição impede o presidente de propor leis específicas (com hierarquia mais baixa do que PEC) para regulamentar as carreiras do Poder Judiciário e do Ministério Público. Ele pondera que mesmo essa restrição poderia ser alterada pela proposta do governo.
"O presidente pode propor a mudança de qualquer regra que tenha a ver com o regime funcional dos juízes, promotores, procuradores, deputados. Pode propor o que ele quiser", disse.
"É responsabilidade dele fazer isso. Se não quer fazer por razões políticas, tem de explicar politicamente por que não quer. É uma questão política, não é jurídica."
Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo na última semana, o ex-ministro do Planejamento e da CGU (Controladoria-Geral da União) Valdir Simão disse que é válida a preocupação do governo de não atingir essas categorias, mas discordou que o Executivo não tenha autonomia para propor as mudanças.
"Eu acho que essa foi uma precaução até justificável, mas, a princípio, entendo que ele [presidente da República] teria competência [para propor a mudança de regras]", disse.
Procurado, o Ministério da Economia informou que a Constituição estabelece uma distinção de competência.
Segundo a pasta, o presidente pode propor leis que tratem de servidores da União, mas não poderia fazer essa proposição para a "organização do Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros".
"Portanto, há risco jurídico em proposições de iniciativa do chefe do Executivo que atinjam membros de outro Poder. Por outro lado, não há qualquer dúvida de que o Congresso possa ampliar escopo da PEC e decidir pela aplicação de algumas das suas medidas para os membros de Poder", disse a pasta em nota.
O ministério não mencionou a possibilidade, citada pelos especialistas, de o presidente propor a alteração de regras na Constituição para que a reforma alcance os membros de Poder.
Professor da Faculdade de Direito da UnB (Universidade de Brasília), Lucas Rocha Furtado também avalia que o governo federal tinha condições de apresentar uma proposta de reforma estendida a membros de outros Poderes.
"Sendo PEC, poderia tratar de qualquer categoria. Não se trata [de outros Poderes] porque politicamente não interessa [ao governo]", afirmou Furtado, que também é subprocurador-geral do Ministério Público Junto ao TCU (Tribunal de Contas da União).
A visão é compartilhada pelo professor da Escola de Administração de Empresas de São Paulo da FGV Nelson Marconi, que foi diretor da política de Recursos Humanos do governo Fernando Henrique Cardoso (PSDB) quando o Congresso avaliou um pacote de reforma administrativa.
"A Constituição é soberana. Se eles quiserem propor uma mudança na Constituição que tenham negociado com os outros Poderes, por que não podem propor? Não fizeram isso na reforma da Previdência?", disse.
Como outra opção, Marconi afirma que o governo poderia ter trazido normas gerais na PEC valendo para todos. Depois, deixaria que o Congresso e os órgãos tratassem das leis específicas em conjunto, usando como base essa estrutura única.
Na reforma da Previdência, a equipe econômica saiu derrotada quando a ideia era deixar discussões de pontos sensíveis para um segundo momento, como a sugestão para trocar o regime de previdência atual por um de capitalização (no qual cada trabalhador faz a própria poupança).