ESTUDO

Especialistas questionam como a economia do Nordeste vai se comportar sem o auxílio emergencial

Estudo da Ceplan Consultoria revela que a região sofreu grandes perdas no emprego e na renda dos trabalhadores, aumentando as desigualdades socioeconômicas

EDILSON VEIRA
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EDILSON VEIRA
Publicado em 15/09/2020 às 18:01 | Atualizado em 15/09/2020 às 18:37
BOBBY FABISAK/JC IMAGEM
Suape está crescendo muito em termos de cargas e melhorando a sua viabilidade. É muito esquisito. Ninguém sabe aonde foram buscar estes dados que Suape não é viável economicamente", comentou a economista Tânia Bacelar. - FOTO: BOBBY FABISAK/JC IMAGEM

Como a economia do Nordeste vai se comportar com o fim do auxílio emergencial em dezembro deste ano? Esse foi um dos questionamentos feitos pela equipe da Ceplan, consultoria econômica especializada em políticas públicas, com sede no Recife, ao apresentar nesta terça (15), o primeiro estudo regional sobre os impactos da pandemia do coronavírus no mercado de trabalho no Nordeste. Para Jorge Jatobá e Tânia Bacelar, economistas sócios da Ceplan, a pandemia só acentuou o quadro de desigualdade social da região em relação ao Brasil e enfatizou a dependência do Nordeste em relação a investimentos e a políticas de governo de cunho social.

Citando dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), a equipe da Ceplan mostrou que o país teve um saldo negativo entre contratações e demissões de 1.547 milhão de vagas formais de janeiro a julho deste ano. Do total, 16,9% foi registrado no Nordeste. O percentual superior à participação da região na economia brasileira (14,5%).

“O Nordeste tem 28% da população brasileira mas representa apenas 14% do PIB nacional. Este era o cenário antes da pandemia. O problema, é que a economia vinha caminhando neste cenário que já é de subutilização da mão de obra e caiu em um precipício”, afirmou o economista Jorge Jatobá.
No Nordeste, o índice de atividade econômica (IBC-Br), medido pelo Banco Central, sofreu uma redução de -3,5%. Nas três principais economias da região, a maior perda foi a do Ceará, de -4,9%, seguida por -3,5 da Bahia e -2,6% de Pernambuco. O estudo da Ceplan revela ainda que no comparativo entre o primeiro semestre de 2020 e o mesmo período do ano passado, a maior queda na composição do PIB brasileiro ocorreu no volume de impostos (-8,1%), e no consumo das famílias (-7,1%). Pelo lado da produção, encolheram a indústria (-6,5%) e os serviços (-5.9%).

PREOCUPAÇÃO

“Um quadro claramente recessivo que só não foi pior por conta do auxílio emergencial”, assinalou Jatobá. Pela análise da Ceplan, o auxílio emergencial distribuído pelo governo federal ajudou os informais e aqueles sem renda alguma a sobreviver e, como foi de ampla distribuição, trouxe efeitos positivos nas vendas de alimentos, material de construção e de eletrodomésticos. Trouxe também à tona o debate sobre a instituição de uma renda mínima, cujo financiamento encontra resistências por conta da crise fiscal e dos limites orçamentários do teto de gastos. “Alguns empresários já se mostram apreensivos em relação ao fim do auxílio emergencial. De fato, vamos ter uma ideia mais concreta do que isso vai representar a partir deste mês, com a redução do valor pago em 50%, e no início de 2021”, afirmou Jatobá.

Neste cenário de economia paralisada, a Ceplan demonstrou que os trabalhadores do Norte e do Nordeste perderam mais que os das demais regiões do Brasil. A Taxa de Participação da Força de Trabalho (TPFT) que mede a proporção de pessoas ocupadas ou à procura por trabalho, apresentou, em média, uma redução de 8 pontos percentuais na comparação entre o quarto trimestre de 2019 e o segundo trimestre de 2020. Os resultados mostram que no Brasil apenas 55,3% dos trabalhadores estavam ocupados ou ainda procurando trabalho no segundo trimestre de 2019. Já no Nordeste, a TPFT ficou em 46,9%; em Pernambuco 45,3%; na Bahia 50,1% e no Ceará em 47,7%.

Os dados mostram que a desocupação tem sido mais forte na Bahia onde a taxa de desemprego chegou a 19,9% no segundo trimestre deste ano. No mesmo período, a taxa foi de 16,1% no Nordeste, 15% em Pernambuco e 12,1% no Ceará, todas acima da média brasileira (13,3%).

RECUPERAÇÃO

Quanto à retomada, a equipe da Ceplan aponta como principal desafio reestruturar o mercado de trabalho em tempos de maior flexibilização. “Não basta olhar o curto prazo, apenas para a pandemia. Precisamos olhar com um foco maior porque as mudanças no mercado de trabalho já estavam em curso, mas a pandemia acelerou esse processo. São novos desafios para os trabalhadores, empregadores e o sistema educacional. Não é uma mudança quantitativa, é qualitativa”, pontuou Tânia Bacelar.

A economista afirmou ainda que não acredita, com o fim da pandemia, em uma volta em “V” da economia, como diz o ministro Paulo Guedes. E sim, em uma volta em “U”, ou seja, lenta e gradual. “Será preciso reestruturar o mercado de trabalho. O home office será mais comum. A revolução digital, tanto na produção quanto no consumo é inevitável e vai revolucionar o mercado de trabalho. Será um mercado mais flexível inclusive na regulamentação”, diz Tânia Bacelar.

Segundo a Ceplan, a atividade econômica em Pernambuco vem resistindo razoavelmente, apesar do forte impacto negativo no mercado de trabalho. “Mas a nosso favor temos três ativos estratégicos que podem acelerar essa retomada. O ecossistema de inovação, ancorado no Porto digital, o polo logístico que é fundamental para entregar com mais eficiência e rapidez e o polo educacional que apoia o investimento necessário em capacidades humanas”. Tânia Bacelar espera ainda que esse debate futuro inclua a educação básica. “Pernambuco já investiu em ensino médio e colheu resultados muito positivos, mas temos que ir além. O Ceará fez o mesmo caminho em relação ao ensino básico. Nesse campo, o Nordeste tem o que falar para Brasil”, afirmou.

RETRATO SOCIAL

A análise da Ceplan mostrou que mulheres, jovens, negros, e pessoas de baixa escolaridade sofrem mais com o desemprego. A taxa de subutilização aumentou, mas foi maior entre as mulheres do que entre os homens tanto no Brasil quanto na região e nos estados citados. A subutilização também cresceu em todas as faixas etárias, mas foi maior entre os jovens de 14 a 24 anos. No Nordeste chegou a 82,5% no intervalo de 14 a 17 anos e a 63,7% entre os de 18 a 24 anos, no segundo trimestre de 2020. Quando a análise foca a escolaridade, as taxas de subutilização se mostraram mais altas nos grupos com menos anos de estudo no Brasil, no Nordeste, em Pernambuco, na Bahia e no Ceará. O crescimento da subutilização também alcançou pessoas de todas as cores e raças, mas predominou entre os pretos e pardos, chegando a 43,9% no Nordeste, entre abril e junho deste ano.

Em relação aos rendimentos, os nordestinos também tiveram perdas acima dos brasileiros. No país, na comparação entre o primeiro semestre de 2020 com o mesmo período de 2019, a queda foi de -1,5%. No Nordeste ficou em -3,9%. Entre os maiores Estados da região, Pernambuco sofreu a maior redução: -9,1%; na sequência o Ceará, com -2,9% e a Bahia, com -0,5%. Isso reduziu o consumo das famílias, contribuindo significativamente para a queda do PIB.

EMPREGO FORMAL

No mercado formal de trabalho os resultados do Caged apresentam quedas nos níveis de emprego formal na maior parte dos setores da atividade econômica, de janeiro a julho de 2020, em todo o País. As exceções foram na agropecuária que criou 86.217 empregos; por conta da necessidade maior de produção de alimentos, e no segmento de saúde humana e serviços sociais onde foram gerados 57 mil empregos; para dar conta das etapas do contágio na população. A administração pública, defesa e segurança social, geraram 3.623 novos postos de trabalho pelas necessidades de se aumentar a prestação de serviços públicos também para enfrentar a pandemia. Por último, a construção civil também teve saldo positivo, embora pequeno, e contratou 8.742 trabalhadores.

O comércio liderou as demissões deixando um saldo de 453.503 empregados entre admitidos e demitidos. Logo atrás, vieram o segmento de alojamento e alimentação, setores ligados ao turismo e ao lazer, com saldo de 329.713 e a indústria de transformação com 194 mil pessoas. No universo dos demitidos, os mais atingidos foram as mulheres; adultos entre 25 e 59 anos; pretos e pardos e trabalhadores com ensino médio completo e superior incompleto.

Dos nove Estados do Nordeste, apenas o Maranhão registrou saldo positivo entre demissões e admissões de janeiro a julho, com saldo de 2.327 empregados formais. Entre os demais, Pernambuco liderou o saldo negativo regional com 63.101 demissões e a Bahia com 58.987. No Ceará, o saldo foi de 37.474 vagas fechadas. O estudo da Ceplan conclui que, no Brasil, a urgência em recuperar a atividade econômica e o nível de emprego, que já estavam lentos no período pré-pandemia, passa por investimentos públicos que não são fáceis de viabilizar num governo dividido sob quais rumos tomar. Novas formas de financiamento como PPPs e concessões aparecem como o caminho natural para criar infraestrutura econômica e social com impactos diretos e indiretos para a demanda por trabalho. O estudo demonstra que o governo precisa definir os rumos da economia e evitar tropeços políticos que gerem insegurança a investidores internos e externos, atores importantes para retomar o nível de atividade econômica e para dinamizar o mercado de trabalho via geração de novos empregos.

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