Racismo

Empresas adotam política de igualdade racial e causam polêmica no Brasil. Qual é a sua opinião sobre o assunto?

Magazine Luiza liderou as discussões lançando um programa de trainee só para negros. Defensoria Pública da União entrou com ação civil pública acusando a empresa de "marketing da lacração"

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 05/10/2020 às 7:00 | Atualizado em 06/10/2020 às 15:18
MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL
Governo bloqueou verba do MEC - FOTO: MARCELLO CASAL JR/AGÊNCIA BRASIL

Nenhum negro está sentado nas 100 cadeiras das maiores empresas listadas na Bolsa (B3). Na Câmara dos
Deputados, eles ocupam apenas 24,4% das vagas. No conselho de administração das companhias, têm tímida representatividade de 4,9%. E embora sejam maioria na força de trabalho (54,9%), o desemprego é maior entre pretos e pardos (66,1%). Os números são um retrato da persistente desigualdade racial no Brasil. Em meados de setembro, a Magazine Luiza bombou nas redes sociais com o lançamento de seu programa Trainee 2021 exclusivo para negros. O assunto provocou polêmica e abriu discussão sobre a responsabilidade das empresas de promover a igualdade de oportunidades entre negros e não-negros.

O barulho foi grande. Só o post anunciando o programa no Twitter teve 21,6 mil curtidas, retweets e milhares de comentários positivos e negativos. A maioria comemorava a iniciativa de promoção de igualdade social e outros chegaram a acusar a varejista de racismo reverso (contra os brancos). A Magazine Luiza explicou que, nos últimos 15 anos do programa de trainee, foram formadas 250 pessoas, mas apenas 10 eram negras. No quadro geral da varejista, 53% dos colaboradores são negros, mas apenas 16% ocupam cargos de chefia.

No anúncio do programa nas redes sociais, a empresa afirmou: “Igualdade de oportunidades e inclusão são
duas das nossas mais importantes causas. E, por isso, neste ano será exclusivo para candidatos negros”. Destacou, ainda, que seria um problema ignorar a situação, se a empresa prega o valor estratégico da diversidade para o negócio. O “trainne negro” da Magazine Luiza contribuiu para aquecer o debate sobre como as empresas estão tratando o problema no País. Existem ações afirmativas de inclusão de pardos e negros, de incentivo para que ocupem cargos de liderança?

O Instituto Ethos realizou um “Perfil Social, Racial e de Gênero das 500 maiores empresas do Brasil e suas ações afirmativas” e constatou que a representatividade de negros e pardos ainda é muito pequena.
O levantamento mostra que apenas 6,3% dos negros e pardos ocupam cargos de gerência, só 4,7% conquistam uma cadeira de executivo e poucos 4,9% estão no conselho de administração. Só na base a representatividade aumenta, chegando a 35,7% no quadro geral de funcionários.

A economista e supervisora técnica do Dieese na Bahia, Ana Georgina Dias, destaca a relevância da iniciativa da Magalu. “É extremamente importante esse tipo de ação, sobretudo quando parte de redes grandes, que ditam tendência. Teve polêmica, mas em geral a ação foi muito bem recebida pela sociedade e
as empresas que têm as grandes como farol acabam replicando. Ela participa de reuniões da Coalizão de Empresas pela Igualdade de Oportunidades do Ethos.

Uma das principais lideranças quilombolas de Pernambuco, Angela Santos, da comunidade Pau de Leite, em Mirandiba (Sertão), reconhece a importância da ação da Magazine Luiza, tem 189 comunidades quilombolas e 22 estão em Mirandiba. “Nós, populações quilombolas, acreditamos que a iniciativa da Magazine Luiza seja um passo importante para reduzir o racismo estrutural, porém é uma agulha no palheiro. O desafio que temos de construir e pensar em reestruturar esse País é muito maior. É um grande avanço, tendo partido de uma rede de influência como é a Magazine Luiza, mas ainda é um passo distante do que pretende enquanto populações. Precisamos de intervenções mais articuladas”, defende.

Depois da Magalu, outras empresas também mostraram suas ações afirmativas. A Bayer, após a experiência
com a contratação de estagiários e analistas juniores, decidiu realizar uma seleção de trainee para contratar
19 pessoas negras. Hoje, 120 estagiários são negros, de um total de 430. A Unilever também abriu um programa de trainee para negros e a Ambev decidiu tirar a exigência de fluência em inglês para tentar deixar o acesso mais igual. A operadora de telefonia TIM participou na semana passada do Movimento Afro Presença, idealizado pelo Ministério Público do Trabalho e Pacto Global das Organizações das Ações Unidas. A proposta é treinar universitários para que tenham acesso ao mercado de trabalho.

A pesquisa do Ethos questiona se as empresas têm alguma política de promoção da igualdade, mas 88% responderam que não. Entre as que têm alguma política, a principal ação é a capacitação para que as pessoas negras assumam postos mais altos. A polêmica da Magalu também gerou o debate se o trainee exclusivo para negros seria ilegal. O advogado trabalhista Renato Melquíades afirma que não. “A Magazine Luiza não viola qualquer lei, nem comete racismo reverso. A reserva de vagas é um instrumento de mitigação da exclusão da população negra do mercado de trabalho, com respaldo na Constituição e no Estatuto da Igualdade Racial. Tanto que o MPT de São Paulo recebeu 11 denúncias do programa e rejeitou todas” observa. 

VOLTA DA POLÊMICA

Agora, a polêmica voltou com força, com a Defensoria Pública da União ingressando na Justiça com uma ação civil pública acusando a Magazine Luiza de estar se utilizando do "marketing da lacração", querendo se destacar no mercado e conquistar reputação. O processo está cobrando da varejista R$ 10 milhões em indenizações por danos morais coletivos pela violação de direitos de milhões de trabalhadores, inclusive por discriminação de raça ou cor. 

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