O dólar fechou a semana com valorização de 2,12%, após acumular perdas na semana passada. Preocupações com a situação fiscal do Brasil voltaram a pesar e a impedir melhora do real, mesmo com o exterior positivo, como foi nesta sexta-feira, 16, dia que marcou a quarta alta seguida da moeda americana no mercado doméstico.
O dólar caiu ante a maioria das moedas mundiais, mas subiu no Brasil, em meio às crescentes dúvidas sobre o respeito ao teto de gastos em 2021 e ainda a discussão sobre o elevado montante de vencimento da dívida pública no começo do próximo ano.
No fechamento, o dólar à vista encerrou a sexta-feira, 16, em R$ 5,6450, com alta de 0,34%. No ano, a moeda americana sobe 40,7%. No mercado futuro, o dólar com liquidação para novembro subia 0,54% às 17h, negociado em R$ 5,6465.
JPMorgan, Citigroup, Société Générale, Commerzbank, Barclays e Bank of America estão entre os bancos internacionais que fizeram alertas recentes sobre a situação fiscal do Brasil a seus clientes. "Incertezas fiscais provavelmente vão permanecer no foco no Brasil e na África do Sul", comentam os economistas do inglês Barclays. Em Nova York, os estrategistas do Citi avaliam que o risco fiscal está contendo a apreciação do real. O banco americano calcula que a moeda brasileira está 15% mais depreciada do que sugerem os fundamentos globais da economia brasileira.
Apesar de a atividade econômica do Brasil estar retomando em nível rápido e melhor que seus pares, a analista de moedas e mercados emergentes do Commerzbank, Alexandra Bechtel, destaca que este fato não tem ajudado a retirar pressão do câmbio. "A incerteza sobre os desdobramentos das finanças nacionais permanece alta e provavelmente vai continuar a criar pressão para o real", avalia ela. O banco alemão prevê o dólar em R$ 5,60 no final do ano, R$ 5,20 na metade de 2021 e R$ 5,00 em dezembro.
Novas preocupações de que o governo brasileiro possa violar o teto de gastos, ou mesmo desistir do mecanismo, vão seguir pressionando o real, comenta a analista do Commerzbank. Mesmo que o governo tenha insistido recentemente que vai respeitar o teto, Alexandra Bechtel ressalta que os detalhes de como isso será feito não estão claros. Ela avalia que Jair Bolsonaro vai seguir pressionando o ministério da Economia por mais gastos sociais, na medida em que foram as transferências de renda aos mais pobres que ajudaram a aumentar sua popularidade em meio à pandemia.
Ibovespa
O Ibovespa perdeu a carona do dia majoritariamente positivo na Europa e em Nova York, onde dados favoráveis sobre o varejo e a confiança do consumidor americano contribuíram para que Wall Street interrompesse perdas que haviam se estendido por três sessões. Na B3, mesmo com o estrangeiro de volta às compras neste mês até o dia 14, prevaleceram temores sobre a situação fiscal, que desperta a atenção do mercado para os vencimentos do Tesouro no primeiro quadrimestre de 2021 - a percepção começa a ser de que o BC precisará elevar os juros para atrair interesse ao financiamento da dívida.
Ao fim, o Ibovespa mostrava perda de 0,75%, aos 98.309,12 pontos, na mínima da sessão, saindo de máxima a 99.171,96, com abertura a 99.054,06 pontos. Na semana, o ganho ficou limitado a 0,85%, ainda assim o segundo semanal consecutivo, colocando o avanço acumulado em outubro a 3,92% nesta virada para a segunda quinzena do mês, após perdas de 4,80% em setembro e de 3,44% ao longo de agosto. O giro financeiro desta sexta-feira foi de R$ 22,5 bilhões.
"Seria interessante se o Copom, na próxima reunião, desse sinal sobre a possibilidade de aumento da Selic, apesar da tranquilidade que tem mostrado sobre a inflação. A sinalização contribuiria para acalmar o mercado e melhorar as condições para os vencimentos do primeiro trimestre, de R$ 640 bilhões. A taxa de juros para janeiro de 2022 estava hoje em 3,4% ou 3,5%. Esta Selic a 2% não está servindo para muita coisa", diz Marcelo Serrano, sócio-gestor da União Investimentos. "O mercado tem exigido prazos mais curtos e taxas maiores do governo, que tem sido obrigado a pagar mais, inclusive nas prefixadas."
Nesta sexta-feira na B3, a reação positiva ao balanço da CSN (+0,41% no fechamento), na inauguração da temporada do terceiro trimestre, colocou o setor de siderurgia entre os destaques pelo segundo dia (Usiminas +4,33%), mais uma vez em contraponto ao desempenho ruim de commodities (Petrobras ON -2,48%, PN -2,13%) e de bancos (Santander -3,12% e Bradesco ON -2,66%). Na ponta do Ibovespa, Braskem subiu hoje 5,58%, seguida por Suzano (+4,61%) e Usiminas. No lado oposto, Cogna caiu 4,17%, à frente de Yduqs (-3,30%) e Santander.
"O fiscal é o nosso principal problema e tem sido acompanhado com lupa pelo investidor doméstico, que hoje tem participação muito maior no financiamento da dívida, e pelo estrangeiro. O tempo corre contra a situação fiscal e, se não resolver, a dívida vai pra 100% do PIB. É um cenário que tem se deteriorado gradativamente", diz Mauro Morelli, estrategista da Davos Investimentos, chamando atenção para a inflação que, mesmo sem ter decolado de forma preocupante, traz um "desconforto no descasamento entre IGP-M e IPCA". "O próximo movimento do BC sobre a Selic tende a ser de alta, não neste ano, mas provavelmente no segundo semestre (de 2021), talvez mesmo antes, no segundo trimestre", acrescenta.
A perspectiva de Morelli, contudo, é positiva para o Ibovespa, que pode vir a atingir os 110 mil pontos em horizonte de três a seis meses, em movimento acompanhado por volatilidade. Nas próximas semanas, fatores de risco externos, como a segunda onda de covid-19 na Europa e especialmente o desenlace da eleição americana, continuarão a exigir atenção e cautela. "Saímos dos 94 mil para os 98, 99 mil, mas tem faltado força. No início da semana, S&P 500 e Nasdaq estavam perto do topo, com o Ibovespa abaixo dos 100 mil pontos", acrescenta. "Há um pequeno aumento de aversão aos emergentes como um todo, não só com o Brasil."
Juros
Os juros futuros não sustentaram à tarde o movimento de queda visto até o final da manhã e fecharam a sexta-feira, 16, em alta, retomando a tendência que o mercado considera como "natural" em meio ao cenário fiscal incerto e à forte pressão sobre a dívida pública. As taxas pioraram junto com o real, com o dólar se firmando acima dos R$ 5,60 na etapa vespertina e o mercado evitando passar o fim de semana exposto ao risco prefixado. Os vértices mais afetados foram os contratos curtos e os do miolo da curva, onde estão localizadas as grandes posições sujeitas tanto ao risco fiscal quanto à mudança na política monetária e também que coincidem com as ofertas do Tesouro.
A taxa do contrato de Depósito Interfinanceiro (DI) para janeiro de 2023 encerrou na máxima de 4,82%, de 4,695% ontem no ajuste. O DI para janeiro de 2022 encerrou em 3,38%, 3,315% ontem, e o DI para janeiro de 2025 fechou com taxa em 6,64%, de 6,595% ontem. A taxa do DI para janeiro de 2027 subiu de 7,534% para 7,57%.
Após uma manhã marcada pela volatilidade, os juros começaram a tarde em queda moderada, enquanto o dólar ainda hesitava perto da estabilidade, mas na medida em que a moeda americana passou a ganhar força a curva também reagiu. "Não tivemos nada de novo à tarde, é mesmo o câmbio servindo de proxy para os DIs", disse o economista-chefe da Infinity Asset, Jason Vieira.
Vitor Carvalho, sócio da LAIC-HFM, afirmou que, pelo volume fraco, hoje parecia 'segunda-feira' e, em função da proximidade do fim de semana, o mercado ficou mais leve e com pouco giro. "Já tivemos uma boa onda de stop loss em setembro, é muito difícil ficar doado nesse contexto de incerteza", disse. Na sua visão, uma melhora poderia ocorrer caso a agenda de reformas andasse ou houvesse algum avanço nas discussões do Renda Cidadã.
Assim, diante dos fundamentos frágeis da economia e com a enorme preocupação sobre a rolagem da dívida de mais de R$ 630 bilhões que vence no primeiro semestre de 2021, o alívio visto entre o fim da manhã e o início da segunda etapa parecia mesmo ter vida curta. "Não tem muito motivo para melhora, o risco fiscal cresce à cada dia", afirmou Carvalho.