Covid-19 afeta o 13º salário

DINHEIRO Trabalhador que sofreu redução de jornada, ou suspensão de contrato, na pandemia deve sentir o impacto na gratificação natalina

Edilson Vieira
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Edilson Vieira
Publicado em 01/11/2020 às 2:00
MARCOS SANTOS/USP IMAGENS
O pagamento do Auxílio Brasil volta a ser feito nesta semana à população brasileira. - FOTO: MARCOS SANTOS/USP IMAGENS
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Os trabalhadores que sempre contam com o 13º salário no fim do ano como uma renda extra para investir, pagar contas ou garantir os presentes de Natal podem ter uma desagradável surpresa. Se o funcionário de carteira assinada foi incluído nas reduções de jornada e de salário, ou suspensão do contrato de trabalho, previstos na Medida Provisória nº 936, ele vai receber um 13º salário menor - ou nem receber.

Segundo dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), 9,7 milhões de trabalhadores brasileiros estavam inscritos nos regimes flexíveis de trabalho até setembro último. As empresas têm até o dia 30 de novembro para pagar a primeira parcela do décimo terceiro, e o dia 20 de dezembro para honrar com a segunda parcela.

O advogado trabalhista João Galamba é categórico. Quem teve a jornada reduzida em 25%, 50% ou 70%, como prevê a lei, pode perder parte da gratificação natalina, proporcional à redução e ao período que ela vigorou, simplesmente, por uma questão de interpretação. Como exemplo, ele fala de quem teve a jornada reduzida em 25%. "Como a lei 4.090/62 que rege o décimo terceiro salário diz que quem trabalhou ao menos 15 dias no mês tem direito ao salário integral para efeito de cálculo do décimo terceiro, esse trabalhador, teoricamente, terá o décimo terceiro integral. Mas a empresa pode interpretar que só precisa pagar pela média dos salários efetivamente pagos ao trabalhador e, assim, subtrair os 25% do período em que houve a redução de jornada", diz o advogado.

Para Galamba, os que estão incluídos nos 70% de redução não conseguem fechar a conta e terão o 13º reduzido. Claro que a medida penaliza quem está há mais tempo na redução de jornada. Quem passou o tempo máximo de oito meses com corte de 50% ou mais no salário terá direito a apenas 4/12 do 13º.

A situação fica difícil também para quem teve suspensão do contrato de trabalho (43,6% dos 9,7 milhões de trabalhadores). João Galamba explica: "Quem teve seis meses de contrato de trabalho suspenso vai pegar o salário, dividir por 12, e multiplicar por seis. Ou seja, ele vai receber metade do valor do 13º que está acostumado a receber", diz o advogado.

SUSPENSÃO

Outro problema é que o 13º salário é calculado tendo como base o salário do mês de dezembro. Como o governo prorrogou o prazo que permite ao empregador suspender os contratos de trabalho até o fim deste ano, como ficam os empregados que ainda estarão em suspensão de contrato em dezembro? "Eu entendo que deve haver uma flexibilização na lei para que seja considerado como referência o salário do último mês que ele trabalhou, se não vai ser um prejuízo gigante para o trabalhador", afirmou João Galamba.

O advogado pontua ainda que a Medida Provisória 936 ou a lei 14.02/2020 não previram estas situações. "Não é que a lei não foi clara, ela simplesmente não tocou neste assunto. O que a gente está levando em consideração é o que está na CLT e na lei que envolve o direito de trabalho. Vai haver muita discussão no âmbito judicial", diz o advogado que prega o entendimento entre as partes. "A empresa que possa pagar o 13º a seus funcionários que pague com sempre fez, mas, ao mesmo tempo, a gente entende que será um desafio para os pequenos empresários penalizados pela crise", admitiu Galamba.

O advogado trabalhista Erick Marques lembra que o governo, ao criar a MP 936 no início da pandemia, previu a celebração de acordos entre patrões e empregados. "Pode ser que exista dentro destes acordos uma cláusula onde o empregador se comprometeu a contribuir para complementar o 13º do trabalhador. Mas eu não conheço nenhum caso onde isso tenha acontecido", diz Erick Marques.

O Ministério Público do Trabalho deve publicar esta semana uma nota técnica com orientações sobre as questões envolvendo a situação das empresas e empregados que aderiram a flexibilização dos contratos de trabalho. Mas a procuradora do Ministério Público do Trabalho em Pernambuco, Débora Tito, afirmou que cabe ao governo federal estabelecer as diretrizes. "Na verdade, o que o governo fez foi uma grande covardia com o trabalhador, que é o que está acontecendo desde 2017 com a reforma trabalhista". A procuradora diz ainda que tanto os trabalhadores quanto as empresas estão num vácuo jurídico e que não pagar, ou pagar parte do 13º, nesse contexto de pandemia pode ser interpretado como legal. "Mas nem tudo o que é legal é bom", indagou Débora Tito.

A procuradora disse ainda que as medidas que autorizaram as reduções da jornada e de salários e a suspensão dos contratos com o intuito de salvaguardar empregos durante a pandemia demoraram a acontecer, e ainda vieram incompletas. "Muitas empresas também estão quebradas, sem capital de giro. Como é que eu posso exigir que a empresa pague o 13º? É nessa hora que o governo também deveria entrar. Era hora de cobrar políticas públicas robustas e realmente efetivas, o que o governo não tem feito e quando faz, faz tardiamente", diz a procuradora.

A reportagem entrou em contato com a Secretaria Especial do Trabalho e Previdência, que assumiu as funções do antigo Ministério do Trabalho, extinto ano passado pelo presidente Jair Bolsonaro. Até o fechamento desta edição não houve respostas às nossas mensagens.

 

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