Contas públicas

João Campos terá que ser criativo na captação e gestão dos recursos para alavancar investimentos no Recife

Não fosse o socorro do governo federal para amenizar os impactos da pandemia, novo prefeito encontraria contas da PCR no vermelho em 2021

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 05/12/2020 às 12:01 | Atualizado em 05/12/2020 às 12:22
YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM
FINANÇAS Média anual de investimentos durante a gestão Geraldo Julio foi de R$ 320 milhões - FOTO: YACY RIBEIRO/ JC IMAGEM

Assim que ocupar seu gabinete, no 9° andar do prédio no Cais do Apolo, o novo prefeito do Recife, João Campos (PSB), terá que fazer contas. É verdade que as finanças da capital não estão desequilibradas, mas o que sobra no cofre — depois do pagamento das despesas — é pouco para fazer investimentos. A capital, junto com outras 11, também está na lista das impedidas pelo Tesouro Nacional de conseguir empréstimo com garantia da União. Na prática, a situação é de caixa apertado e dificuldade para realizar operações de crédito. Será preciso criatividade e capacidade de articulação para driblar os desafios.

O prefeito eleito tem a seu favor a linhagem política (é filho do ex-governador Eduardo Campos e bisneto de Miguel Arraes), o ímpeto dos seus 27 anos e a capacidade de construir parcerias. Vai precisar de tudo isso para executar o ambicioso programa de governo apresentado durante a campanha, que requer pesados investimentos. João Campos se comprometeu a construir um Hospital da Criança, a dobrar o número de vagas em creches, a aumentar a cobertura de saneamento no município, a triplicar um trecho da BR-232, a ampliar o programa Mais Vida nos Morros, a inaugurar mais dois parques municipais e a criar o Crédito Popular.

 

THIAGO LUCAS/ ARTES JC
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Se o programa será factível do ponto de vista financeiro, vai depender de muitas variáveis. Uma delas é se a economia vai reagir, já que a arrecadação depende do dinamismo econômico. Para 2021, ano que ainda sofrerá os efeitos da pandemia, não está prevista a continuidade do auxílio emergencial para a população nem existe promessa de novo socorro de recursos do governo federal para estados e municípios.

SOCORRO FEDERAL

Aliás, é graças ao Programa Federativo de Enfrentamento ao Coronavírus, que João Campos vai receber a Prefeitura do Recife de Geraldo Julio (PSB) com um cofre um pouco mais abastado. A PCR foi beneficiada com R$ 346,2 milhões para utilizar no enfrentamento à covid-19, assistência social e em livre aplicação.

Por meio de nota, a Secretaria de Finanças do Recife informa que, se não fosse o apoio federal, a receita corrente teria registrado queda de 5,7% sobre 2019. Com a injeção de recursos, o resultado do ano vai fechar positivo em 1,7% e João Campos assumirá a PCR com as contas no azul. "A Prefeitura do Recife esclarece que está com as contas equilibradas, fechará o ano com resultado positivo e o Recife terá recursos para realizar investimentos em 2021", diz.

Autor do estudo "As finanças municipais em 2020", o professor do Insper Marcos Mendes aponta que, a despeito do caos financeiro esperado para 2020, em função dos efeitos da pandemia, as contas municipais melhoraram de modo geral.

"Os prováveis motivos para esse resultado inesperado são a rápida recuperação da arrecadação nos três níveis de governo, que levaram a uma baixa perda de receitas próprias e de transferências; o elevado nível do socorro federal que, até agosto, em cálculo aproximado, superou o custo fiscal dos municípios com a pandemia em, pelo menos, R$ 24 bilhões", observou Mendes.

Pelo estudo, a maioria dos prefeitos vai herdar um caixa mais cheio em janeiro de 2021. No caso do Recife, a expectativa é de um crescimento de 204% no saldo de caixa, passando de R$ 219 milhões para R$ 666 milhões, de acordo com indicadores apurados até agosto. Por outro lado, a despesa com pessoal aumentou, chegando a 50,1% da receita corrente líquida (nos últimos 12 meses até agosto). O professor do Insper afirma que nenhum município ultrapassou o limite de 60% da RCL em gastos com pessoal, mas alertou para a tendência de alta.

Apesar do equilíbrio nas contas, o Recife precisa melhorar em alguns indicadores para alavancar sua capacidade de investimento. Durante a gestão de Geraldo Júlio o investimento médio anual foi de R$ 320,6 milhões, bastante tímido para uma capital com as demandas do Recife, considerada a cidade mais desigual do Brasil.

Na avaliação de Sérgio Papini, especialista em direito tributário do escritório Queiroz Cavalcanti Advocacia, as finanças do Recife vão bem em indicadores como endividamento e despesa de pessoal, mas precisa melhorar na capacidade de pagamento. Com nota C na Capag, a prefeitura não consegue captar grandes empréstimos, que exigem garantia da União.

Segundo a PCR, a gestão tem conseguido realizar operações de crédito internas que não precisem de aval da União. "Ficarão para a próxima gestão mais de R$ 300 milhões entre operações de crédito e convênios já celebrados e prontos para execução, sendo cerca de R$ 63 milhões para a área de Saúde e cerca de R$ 236 milhões para as áreas de infraestrutura e saneamento", detalha.

A nova gestão do Recife não terá vida fácil para realizar política pública por meio de sua própria arrecadação. Papini observa que, embora o endividamento do município seja relativamente baixo, a falta de poupança e o pagamento de obrigações financeiras de curto prazo devem criar dificuldades para a gestão realizar investimentos e políticas públicas utilizando a própria arrecadação, agravado pela projeção de retração na arrecadação e sem a perspectiva de auxílios da União.

"Logo, a nova gestão deve ser criteriosa, eficiente e criativa, tanto na geração de receitas quanto na execução das despesas. Certamente as despesas com saúde devem continuar a pressionar os gastos na execução orçamentária. Envolver a iniciativa privada privilegiando convênios e parcerias público-privadas para conseguir concretizar ações, bem como buscar gargalos de ineficiência nos custos e despesas é fundamental", sugere.

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