Entrevista

Quem é o empreendedor que convence empresas bilionárias a investir em projetos sociais no Brasil

Edu Lyra quer acabar com a pobreza no Brasil e transformar as favelas em comunidades inteligentes e auto sustentáveis

Adriana Guarda
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Adriana Guarda
Publicado em 19/12/2020 às 12:41 | Atualizado em 19/12/2020 às 13:09
REPRODUÇÃO
Eduardo Lyra - CEO do Instituto Gerando Falcões - FOTO: REPRODUÇÃO

O empreendedor social Eduardo Lyra, 33 anos, tem sonhos audaciosos. Quer acabar com a pobreza no Brasil e transformar as favelas em comunidades inteligentes e auto sustentáveis. O desejo é cumprir o desafio antes que Elon Musk, o excêntrico CEO da SpaceX, envie um veículo espacial tripulado a Marte. A vontade do fundador e CEO do Instituto Gerando Falcões é colocar a miséria da favela num museu. Para viabilizar o desafio estratosférico, Edu Lyra conta com a capacidade de engajar parceiros e empresas bilionárias em seus projetos. Neste sábado (19) ele estará no Recife para participar da inauguração do Centro Comunitário da Paz (Compaz) Dom Helder Câmara, no Coque, no Recife. Entusiasta da chamada ‘fábrica de cidadania’, ele tem como consultor e parceiro o secretário de Segurança Urbana do Recife, Murilo Cavalcanti. Os dois - além do fundador do Instituto Tellus, Germano Guimarães, e do empresário Rafael Hawilla -, acabaram de voltar de uma viagem a Medellín, na Colômbia. Nesta entrevista, ele fala sobre seus projetos.

 

COMPAZ

O Compaz é uma ‘fábrica de cidadania’ em territórios de pobreza e vulnerabilidade social. Ele mostra que agentes públicos podem promover a segurança através da convivência. E o Compaz é isso, um espaço público e social de convivência onde você tem a interação de diversas tecnologias sociais trabalhando juntas para combater a pobreza e dar dignidade às pessoas. Eu vou participar da inauguração para celebrar também os esforços do Murilo Cavalcanti, que é o único secretário de segurança do Brasil que cuida de biblioteca e não armou a guarda civil.

Andréa Rego Barros/Divulgação
Compaz Dom Hélder Câmara, no Coque, é o quarto inaugurado pela Prefeitura do Recife - Andréa Rego Barros/Divulgação

MEDELLÍN

Murilo foi o líder da expedição em Medellín. A cidade que já foi a mais violenta do mundo, com uma taxa de homicídio de 83 para cada mil habitantes, conseguiu mudar. Através das lideranças, da academia, das ONGs e da iniciativa privada transformaram o inferno que era Medellín em um case de urbanismo social, de combate à pobreza e de segurança cidadã. Eu vi em Medellín o que eles chamam de acupuntura social, que é a intervenção de várias políticas públicas em um mesmo território. Num mesmo espaço eu vi escada rolante, teleférico, Casa da Justiça, moradia cidadã, pista de skate, quadra poliesportiva, biblioteca parque, saneamento, água, energia elétrica e ruas limpas. Na favela de Medellín eu não senti cheiro de esgoto, eu senti cheiro de pão doce.

VIOLÊNCIA

Quando se aplica todo esse conjunto de iniciativas em um território, as pessoas começam a perceber que o crime não compensa. Nós estamos acostumados a combater o crime com armas, com fuzil, com granada e essa ótica não produziu nenhum resultado para o Brasil. Têm outras formas de combater o crime, com intervenção social, com políticas públicas de cultura e esportes, reforço escolar, primeira infância, capacitação para inclusão produtiva do jovem no mercado de trabalho. Atrair o jovem mais do que o tráfico, contar uma história mais sedutora do que o tráfico conta, apostando em intervenção artística com grafite, hip-hop, dança e outros. Os colombianos vieram visitar o Brasil para conhecer a Favela-Bairro e o sistema de transporte de Curitiba, mas voltaram tão determinados e foram além. Eles ultrapassaram o Brasil a ponto de terem lá o Museu Casa da Memória (guarda histórias da violência). Se Medellín conseguiu, o Brasil também pode. Quando eu descobri que o Murilo esteve 34 vezes em Medellín eu pensei: tem alguma história aí que eu estou perdendo e é preciso ir checar.

Divulgação
Favelas crescem organicamente no Brasil - Divulgação

REDESENHO DE FAVELAS

Murilo é nosso consultor de iniciativas sociais para combate da pobreza. Assinamos termo de cooperação com a prefeitura de São José do Rio Preto (interior de São Paulo), contratamos o Instituto Tellus, que é uma agência de design do serviço público e a consultoria global Accenture, que está fazendo um projeto (no regime de doação) para fazer a modelagem econômica. Nós teremos lá uma intervenção de moradias, com casas populares inovadoras, de políticas de primeira infância, de empoderamento feminino, de cultura de paz, de saúde, de educação e de empreendedorismo, tendo um olhar de qualificação dos negócios, da mão de obra local e microcrédito para novos empreendedores. Nosso objetivo é redesenhar toda essa favela sob o aspecto de encontrar soluções que combatam a pobreza, que tirem as pessoas da linha da extrema pobreza e que entregue para o País um modelo de uma comunidade auto-sustentável, que possa no futuro virar uma política pública e ser replicada em todo o Brasil.

MARTE

O meu sonho é que antes do Elon Musk chegar em Marte e levar um milhão de pessoas para morar com ele, oferecendo vida multiplanetária para a humanidade, nós vamos encontrar a solução para interromper o ciclo de pobreza nas favelas e colocar a miséria da favela num museu. Esse é o meu sonho, é pra isso que eu existo e é pra isso que eu lidero um time de pessoas na Gerando Falcões dedicadas a isso. O tempo para esse piloto será de 4 anos, com 600 pessoas beneficiadas.

FOGUETE

O Brasil precisa construir planos de longo prazo de combate à pobreza nas favelas. Nós temos que regenerar nossa capacidade de acreditar no futuro. O homem além de ir pra marte, o homem e a sociedade estão trabalhando com inteligência artificial, com dados, com robótica, drones fazendo entregas, carros autoguiados, não é possível que a gente não consiga fazer nossas crianças ler e escrever de forma aceitável. Não é possível que a gente não consiga encontrar tecnologias que combatam a pobreza. A gente precisa ficar de pé como sociedade e liderar um processo de transformação social. É isso que estamos fazendo na Gerando Falcões, tentando puxar um movimento, colocando as melhores pessoas em torno da mesa, construindo uma agenda de cooperação com Medellín, ouvindo empreendedores sociais, o que há de melhor no poder público, o que há de melhor no terceiro setor, na ciência. Estamos aplicando ciência de foguete para combater a pobreza no Brasil.

SOCIEDADE

O meu desafio não é só encontrar uma solução para transformar a favela, é convencer o Brasil de que podemos mudar as favelas. Há mais de 100 anos, quando nasceu a primeira favela no Brasil, no Morro da Providência no Rio, a sociedade tem olhado para elas e dito: esse problema está além da nossa competência. E tem sido omissa em apresentar uma solução. A favela é a franquia que mais cresce no Brasil, mais que McDonald's e Burger King juntas. A franquia da pobreza é a que tem maior crescimento orgânico, então a gente tem que barrar esse crescimento e iniciar um processo de evolução e transformação das favelas que já existem.

PANDEMIA x DESIGUALDADE

A pandemia criou mais desigualdade, porque as crianças de famílias de classe média e alta estudaram pelos meios digitais, enquanto as crianças pobres não estudaram. Esse gap ficou ainda maior. Daqui a alguns anos quando elas forem concorrer no mercado de trabalho a desigualdade de conhecimento vai se sobressaltar. E vai gerar consequências econômicas, sociais e de violência. O Brasil precisa diminuir essa desigualdade de forma acelerada.

RACISMO E DIVERSIDADE

As crianças que menos aprendem, segundo o Ideb, são as mais negras e as mais pobres, seguramente moradoras de favelas. O Brasil ainda é um País muito racista. O que aconteceu é que durante muitos anos isso não foi reconhecido, mas agora está cada vez mais escancarado. E o Brasil não vai ser competitivo diante do mundo se os tomadores de decisões forem todos brancos, que estudaram nas mesmas universidades e frequentaram os mesmos lugares. Precisa ter diversidade entre os tomadores de decisões, entre os que fabricam os produtos. Essa diversidade é a riqueza do Brasil. A nossa diferença é a nossa riqueza, mas é preciso celebrá-la, ter metas de inclusão da sociedade negra nos lugares de protagonismo no Brasil.

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Edu Lyra combate a pobreza no Brasil - Divulgação

ESPERANÇA

Eu nasci em um barraco, visitei meu pai dentro de um presídio, que foi preso e indiciado por roubo a banco. Minha mãe todo dia me dizia: “Filho, não importa da onde você vem, o que importa na vida é para onde você vai”. Então eu sempre acreditei no que minha mãe me dizia. Eu tinha certeza que era questão de tempo, mas um dia eu ia conseguir romper com a desigualdade e assumir um protagonismo e esperança no meu País.

JOVENS

A mensagem que eu deixo a todos os jovens de Pernambuco é que, por mais difícil que seja, não deixe de sonhar, não deixe de acreditar em si próprio. Procure ajuda numa ONG, num mentor, numa entidade social, numa política pública, sobretudo num aparelho como o Compaz e aproveite cada minuto para se desenvolver, para adquirir conhecimento, porque é isso que vai te levar a um outro patamar de vida na sociedade. Aposte na educação.

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Edu Lyra consegue engajar parceiros e empresas bilionárias em seus projetos - FOTO:REPRODUÇÃO/INSTAGRAM
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Imagem do Compaz Dom Helder Câmara, no Coque - FOTO:ANDRÉA REGO BARROS/DIVULGAÇÃO
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Favelas crescem organicamente no Brasil - FOTO:Divulgação
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Edu Lyra combate a pobreza no Brasil - FOTO:Divulgação

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