Entre subsídios e empregos

NO BRASIL Setor automotivo é um dos que mais recebe incentivos fiscais, mas indústria não é tão competitiva como em outros países

ADRIANA GUARDA
EDILSON VIEIRA
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ADRIANA GUARDA EDILSON VIEIRA
Publicado em 14/01/2021 às 2:00
SÉRGIO BERNARDO/ACERVO JC IMAGEM
O projeto modifica alguns pontos da Lei Complementar nº 449/2021, que dispõe sobre a regularização de débitos do ICMS - FOTO: SÉRGIO BERNARDO/ACERVO JC IMAGEM
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O encerramento das atividades industriais da Ford no Brasil trouxe de volta discussões sobre os subsídios oferecidos às montadoras no País. Sem dúvida, o setor é grande gerador de emprego e renda, mas a questão é até que ponto as vantagens oferecidas pelos governo têm dado retorno. Em Pernambuco, a fábrica da FCA/Jeep é uma das favorecidas destes incentivos. Instalada em 2015, a unidade se beneficia do Programa de Desenvolvimento do Setor Automotivo do Estado, criado em 2008 pelo governo estadual, e que dá um desconto de 95% no saldo devedor de ICMS, apurado pela empresa em cada período fiscal. O benefício segue até 2032 e o programa também atende toda a cadeia produtiva do setor.

No âmbito nacional, dados da Receita Federal mostram que entre 2000 e 2021, a renúncia fiscal da União em favor da atividade automotiva soma R$ 69,1 bilhões. Com 26 fabricantes e 65 montadoras em operação, o parque nacional está em 7° lugar entre os setores empresariais que mais recebem subsídios no Brasil. Em Pernambuco, a Secretaria da Fazenda diz que, por conta do sigilo fiscal, não pode informar o benefício de renúncia fiscal da Jeep. Como a Ford já havia anunciado sua saída da Bahia, o governo baiano abriu a informação à imprensa dizendo que, somente entre 2018 e 2020, a renúncia foi de quase R$ 1 bilhão (R$ 948 milhões).

POTÊNCIA JEEP

Com tamanhas vantagens fiscais, as indústrias do setor garantem uma grande oferta de emprego. Em Pernambuco, o polo automotivo da FCA/Jeep conta cinco mil funcionários na planta principal, outros seis mil empregados nas 16 empresas que compõem o parque de fornecedores de componentes e três mil terceirizados, compondo um exército de 14 mil trabalhadores. Os números mostram que a operação no Estado é praticamente o dobro em volume de produção e dimensões do que a Ford tem em Camaçari, na Bahia.

O polo automotivo de Goiana ainda é responsável por 25% da indústria de transformação em Pernambuco. "A indústria automotiva quase equivale a toda a indústria de alimentos do Estado, incluindo o tradicional setor do açúcar. Quando o polo automotivo vai bem, o PIB do Estado vai bem. Quando o contrário acontece, ele arrasta o PIB para baixo", explica Rodolfo Guimarães, gerente de estudos e pesquisas da Agência Estadual de Planejamento e Pesquisas de Pernambuco (Condepe/Fidem).

No ano passado, entre os meses de abril e junho, em plena pandemia, o desempenho da indústria automotiva pernambucana caiu 60%, acarretando em um PIB 9,4% menor em comparação ao trimestre anterior. A pior variação trimestral desde 2002. O PIB pernambucano encolheu neste período de R$ 51,6 bilhões para R$ 38,9 bilhões. Uma amostra do que significaria para o Estado a perda de um complexo industrial como a FCA/Jeep. "Juntando o polo automotivo e a refinaria você tem quase 40% da indústria pernambucana. O que antes não existia, hoje é fundamental para o Estado", conclui Rodolfo Guimarães.

VALE A PENA?

A aparente relação de ganha-ganha, porém, é questionada quando a empresa decide fechar as portas, deixando para trás todo investimento feito pelo setor público com a concessão de benefícios fiscais, além do fechamento das vagas de emprego. Criticando a retirada da Ford, o presidente Jair Bolsonaro chegou a comentar que a empresa recebeu R$ 20 bilhões em incentivos. "Vocês querem que continue dando R$ 20 bilhões para eles como fizeram nos últimos anos — dinheiro de vocês, impostos de vocês — para fabricar carros aqui? Não, perdeu a concorrência, lamento", criticou o presidente.

Hoje os principais programas federais de subsídio à indústria automobilística são o Rota 2030 e o benefício regional para as regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. O Rota 30 tem validade de 15 anos e veio substituir o Inovar Auto, que expirou em dezembro de 2018. Dentre seus principais pontos está a redução do Imposto sobre Produtos Importados (IPI) sobre veículos menos poluentes como híbridos e elétricos. O programa também estimula as empresas a investir em pesquisa e desenvolvimento, tendo em troca a possibilidade de acumular um teto de R$ 1,5 bilhão em créditos tributários.

No caso do programa regional, Bolsonaro sancionou em outubro de 2020 a lei que prorroga até 2025 os incentivos fiscais para fabricantes de veículos e autopeças nas regiões Norte, Nordeste e Centro-Oeste. A prorrogação também beneficia o Polo Automotivo Jeep em Pernambuco, que poderá postergar o aproveitamento dos créditos presumidos do IPI de 31 de dezembro de 2020 para 31 de dezembro de 2025.

PRECISA MELHORAR

Para o presidente da Federação da Indústria do Estado de Pernambuco (Fiepe), Ricardo Essinger, a saída da Ford do País acende um "alerta amarelo" em relação à política industrial brasileira. "Eu acho que o governo deve analisar com muita calma, muita tranquilidade. A capacidade instalada talvez seja maior do que o mercado, no momento, aliada às condições de negócios no País, que é muito ruim".

Essinger comentou ainda a fala do presidente Jair Bolsonaro: "A indústria brasileira não precisa de subsídios. Ela precisa não ser onerada. E nós somos onerados por uma legislação trabalhista e pela dificuldade no pagamento de tributos". Para o presidente da Fiepe, o governo tem que se posicionar em relação à reforma tributária e administrativa, além da infraestrutura. "Quem tem um ambiente de negócios em um lugar melhor, por quê vai continuar aqui?", analisou.

Por outro lado, alguns especialistas defendem que se faça uma análise do Custo Brasil para entender melhor a desistência da montadora de permanecer no País. "Não sou a favor de incentivos, mas temos que nos validar de fontes seguras de informações para entender que o setor automotivo é um dos que mais pagam impostos no País. De quem é a culpa pelos incentivos? De um governo que tributa o veículo em 30,4%, enquanto na Itália (18%) e no Japão (9,9%) o imposto é bem menor ou dos fabricantes que vivem um inferno tributário que os torna não competitivos?", questiona o economista-chefe da TCP Partners, Ricardo Jacomassi.

Usando o anuário 2020 da Anfavea (associação dos fabricantes de veículos) como fonte, ele compara que só em 2019 foram arrecadados US$ 65 bilhões em impostos com as vendas de veículos no Brasil, totalizando R$ 345 bilhões (com a cotação a R$ 5,30). Já a renúncia fiscal em 2019 foi de R$ 7,7 bilhões.

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INCENTIVO Fábrica da FCA/Jeep, em Goiana, tem desconto de 95% no ICMS recolhido no Estado até 2032 - FOTO:SÉRGIO BERNARDO/ACERVO JC IMAGEM

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