EMPREENDEDORISMO

Pequenos negócios estão pagando uma conta grande para sobreviver

Em meio à carestia, último levantamento do Sebrae apontou que 47% dos empreendedores ainda tinham dificuldades para se manter no mercado

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 12/02/2021 às 17:00
THIAGO LUCAS/ ARTES JC
JC-ECO0214_CUSTOS2 - FOTO: THIAGO LUCAS/ ARTES JC
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Os negócios são pequenos, mas as despesas para continuarem vivos no mercado são gigantes. Empreendedores dos mais diversos segmentos entraram em 2021 ainda sob forte impacto de uma carestia geral que segue em crescimento desde o início da pandemia da covid-19. A operacionalização das pequenas empresas para oferta de produtos e serviços tem sido dia e noite motivo de preocupação. Para piorar, sem auxílio emergencial, os clientes sumiram, entrando em cena um verdadeiro malabarismo em busca de alguma margem de lucro.

 

Desde o fim do primeiro semestre de 2020, quando iniciado pelo governo de Pernambuco a retomada gradual de algumas atividades econômicas, a esteticista Isabela Nascimento, 27 anos, vive às voltas com a calculadora. Proprietária de um estúdio de beleza e estética (@studioisabelacristina_) no bairro de Beberibe, Zona Norte do Recife, ela tem acompanhado de perto a variação de praticamente tudo que precisa para exercer suas atividades. Primeiro foram os materiais sanitários e de higienização, à conta somaram-se despesas com aluguel e energia, enquanto na outra ponta as clientes perdiam renda e gastavam cada vez menos com os serviços.

“No decorrer da pandemia, os custos foram aumentando. Por ser uma área que também demanda muitos utensílios utilizados por profissionais de saúde, como luvas, máscaras e toucas, os produtos começaram a ficar escassos. Onde eu comprava uma caixa de luvas por R$ 25, agora é R$ 90 no mínimo, além disso tem os custos de energia e aluguel. O contrato com o locador só foi renovado porque houve sensibilidade para uma renegociação, coisa que por exemplo não vou ter com a empresa de energia”, conta ela.

Embora 2020 tenha sido um ano complicado, o início de 2021, segundo Isabela, tem se mostrado ainda mais desafiador. O acúmulo de reajustes agora coincide com o momento em que boa parte da sua clientela está sem renda. E quem costumava gastar mais de R$ 200 em procedimentos estéticos, já reduziu esse ticket médio para mais da metade.

YACY RIBEIRO/JC IMAGEM
12.02.21 - EMPREENDEDOR - Na foto: Isabela Nascimento, esteticista - A pandemia trouxe o aumento dos custos que impacta os pequenos negócios. - YACY RIBEIRO/JC IMAGEM

“O cliente não entende muito se tiver um reajuste de valor, e ficar aumentando, só piora a situação. O empreendedor tem que se virar e tentar compensar de alguma forma. Eu tinha uma média de quatro clientes atendidos por dia. Atualmente, são cinco por semana. Todo o começo de ano normalmente é de maior aperto, mas este parece ainda pior pela falta do auxílio emergencial. Quando ainda tinha, o pessoal, mesmo com o pouco que ganhava, investia nos meus serviços, mas agora não investe mais. A procura está bem baixa mesmo, em contraponto a toda a subida dos custos”, lamenta.

O caso da esteticista não é isolado, tampouco restrito apenas ao segmento de serviços de beleza. Embora ainda não tenha compilado dados sobre o impacto do fim do auxílio emergencial e dos reajustes sazonais sobre os pequenos negócios, no último mês de novembro, o Sebrae contabilizava que 68% dos pequenos negócios estavam com dívidas. Dentre as micro e pequenas empresas, o percentual era de 76%, sendo 29% delas já com atraso. Àquela época, 47% dos empreendedores ainda afirmavam ter muita dificuldade para manter os negócios.

“A gente tem um trabalho que acompanha a retomada dos segmentos, mas o nível de faturamento em geral ainda está abaixo do nível pré-pandemia. Para piorar, na virada do ano você tem revisões de contrato, só de aluguel o índice (IGP-M) chegou aos 24%, a inflação esteve na casa dos 4,5%. Se pegarmos só pela inflação dos alimentos, negócios de alimentação fora de casa estão duramente abalados, tendo alguns operados apenas com o delivery, fechando salões, mas mesmo assim lidando com outro custo que é o combustível”, explica o gerente do Sebrae na Região Metropolitana do Recife, Leonardo Carolino.

Alternativas

Há mais de 20 anos trabalhando com a família no segmento de alimentação, o gastrônomo Eduardo Bruno, 29 anos, não opta mais pelo salão nem mesmo delivery. As vendas de comida que faz na Pizzaria e Hamburgueria PlayTime (@chefeduardobruno), que mantém em Ponte dos Carvalhos, no Cabo de Santo Agostinho, são só no modelo de retirada no local, que tem dado certo para a sobrevida do negócio.

“Praticamente tudo que eu preciso de alimentos para a produção aumentou. A carne subiu mais de R$ 10 o quilo. O queijo aumentou mais de 100%. Outra coisa também foram as embalagens. Uma caixa de pizza (25 unidades) custava R$ 18. Já cheguei a pagar R$ 80 no mesmo produto”, queixa-se.
A solução encontrada pelo gastrônomo foi se juntar com outros empreendedores para fazer compras maiores e ter poder de negociações com fornecedores, mas mesmo essa alternativa não durou muito tempo.

Divulgação
Gastrônomo e proprietário da PlayTime pizzaria, Eduardo Bruno - Divulgação

“No início eram quatro amigos e quatro fornecedores . A economia era entre 20% a 30% de desconto no preço que era oferecido. Formamos um grupo de fornecedores que conseguiram baixar sua margem de lucro e juntos puderam oferecer preços mais acessíveis, que convertemos em promoções para o cliente final. No início deu muito certo, praticamente ficamos uns seis meses fortes, mas com os aumentos que chegaram constantemente, até com reajustes diários, alguns fornecedores não suportaram manter ou até mesmo fecharam os negócios”, afirma Bruno.

De acordo com o gerente do Sebrae, o início de 2021 de fato tem sido ainda desafiador aos pequenos empresários. O custo da operação continua pressionando o equilíbrio entre receitas e despesas, e é agravado pela baixa demanda, já que os próprios consumidores têm enfrentado grandes dificuldades para manter a renda.

“No terceiro trimestre de 2020 a gente já tinha alguns segmentos recuperando as perdas. No quarto trimestre, já houve um novo impacto trazido pela redução do auxílio emergencial. Certamente quando tivermos os dados de janeiro, isso será nítido. O que se pode fazer é rever a questão dos custos e, dependendo do ramo em que atua até fazer substituição de produtos. Há ainda muitas possibilidades de negociação, além de buscar sempre manter a eficiência dos processos”, recomenda Carolino.

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PRAZO Micro e pequenas empresas e MEIs somam R$ 135 bi em passivos - FOTO:YACY RIBEIRO/ACERVO JC IMAGEM
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Praticamente tudo que eu preciso de alimentos para a produção aumentou. A carne subiu mais de R$ 10 o quilo. O queijo aumentou mais de 100%. Uma caixa de pizza custava R$ 18. Já cheguei a pagar R$ 80", queixa-se Eduardo Bruno - FOTO:DIVULGAÇÃO
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O empreendedor tem que se virar e tentar compensar de alguma forma. Todo o começo de ano normalmente é de maior aperto, mas este parece ainda pior pela falta do auxílio emergencial", observa Isabela Nascimento - FOTO:YACY RIBEIRO/JC IMAGEM

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