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Prepare a agenda: setor de eventos, como casamentos, pode levar até um ano e meio para dar conta de alta demanda

Retomada do setor precisa dar conta de agenda represada e conciliar a enxurrada de festas e demais serviços previstos no calendário de 2022

Lucas Moraes
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Lucas Moraes
Publicado em 24/11/2021 às 11:24
DIVULGAÇÃO/GRUPO ARCÁDIA
DESMOBILIZAÇÃO Setor sofre com falta mão de obra qualificada, desde a equipe da cozinha até os músicos - FOTO: DIVULGAÇÃO/GRUPO ARCÁDIA
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A crise durante o momento mais crítico da pandemia da covid-19 foi grande. O setor de eventos, englobando festas e shows, foi duramente atingido, em muitos casos, com a perda total da receita. Com o avanço da vacinação, as atividades estão de volta, mas organizar a casa e oferecer o mesmo serviço do pré-pandemia tem sido uma tarefa árdua. Pesam sobre as operações o avanço da inflação, que encarece tudo e reduz a margem de lucro, e a falta de profissionais qualificados para dar conta da demanda que, em alguns casos, chega a ser maior do que o período antes da pandemia. O resultado são agendas lotadas, mas ainda assim a busca de equilíbrio dos custos para conseguir fazer as entregas sem ficar no prejuízo. A normalização do setor pode demorar até um ano e meio para acontecer.

Das menores festas até os eventos que podem reunir centenas de pessoas, a procura, mediante as liberações pelo País, tem se intensificado. Na Região Metropolitana do Recife, o grupo Arcádia, que mantém quatro casas de festa, sente esses efeitos. Diariamente, a missão tem sido otimizar os serviços para dar conta da agenda de eventos represados desde 2020, inclusive mediante a readequação de preços nos contratos já firmados, resolvendo situações que vão da redução dos eventos para otimizar os custos ao caminho contrário.

“Tá bem complicado. Tivemos que remanejar todos os eventos para esse período do fim de 2021, retomando os eventos que eram para ter acontecido no período em que estava mais crítica a pandemia. Em alguns casos, estamos tentando esticar para 2022. O que acontece é que há uma demanda reprimida, mas na verdade são muitos eventos de menor porte. Está se voltando aos poucos, ainda não na quantidade normal, porque muita gente está diminuindo o número de pessoas, ainda realizando eventos na praia ou no campo, sempre buscando uma otimização, porque essa retomada tem aumentado todos os custos de maneira geral”, explica Patrícia Gomes, uma das empresárias à frente do grupo Arcádia.

Por todo o País, o setor, sobretudo no que diz respeito a festas como casamentos e aniversários, tem comemorado o retorno, mas quebrado a cabeça para conseguir atender ao público. De acordo com o presidente da Associação Brasileira de Eventos (Abrafesta), Ricardo Dias, o setor até 2020 movimentou cerca de 6 milhões de empregos, número que drasticamente caiu 50% no último ano.

“Temos pontos bons e ruins. Bom que estamos voltando, mas o ruim é o excesso de trabalho. A mão de obra foi embora, mudou de segmento, e estamos vivendo uma carência de profissionais com conhecimento técnico para atuação no setor. Hoje temos um cenário que 50% das empresas conseguem entregar e 50% não estão conseguindo. É um número provavelmente ainda um pouco maior, e deve levar um ano e meio para ser normalizado”, diz Dias. Segundo ele, falta mão de obra qualificada do garçom aos bartenders, passando pelos floristas e músicos.

Manter a equipe de trabalho foi uma das saídas encontradas pelo grupo Arcádia para conseguir voltar com a mesma eficiência e qualidade dos serviços prestados. A equipe, que chegou a ser reduzida em até 50%, hoje já apresenta uma taxa de retorno de 70%.

“Estamos com equipe que mantivemos durante toda a pandemia. Tivemos que ajustar algumas coisas no período crítico, mas para não perder os profissionais qualificados, a redução do quadro sempre aconteceu priorizando a manutenção do nosso serviço”, detalha Patrícia.

Cortesia
Anderson Oliveira - Roadie - Cortesia

Quem tem qualificação comemora, sentindo também a intensa demanda. “Tenho percebido que tem muita solicitação de mão de obra. Normalmente, chego a receber até umas quatro solicitações por semana. Tá faltando profissional. Eu trabalho um dia com um artista só. No mesmo dia já chegaram mais três ou quatro solicitações para dar conta. Está acontecendo tudo num único dia (os eventos) e muita gente desistiu da profissão, porque foi muito tempo parado”, diz Anderson Oliveira, de 33 anos, que há 15 atua como Roadie - encarregado da produção de shows no apoio técnico a bandas.

Nos shows, para se ter uma ideia da demanda nessa retomada, a plataforma Ingresso Prime, que comercializa digitalmente ingressos, já conta na sua grade com 78 eventos em comercialização, e em duas semanas, espera alcançar a marca dos 90. Números maiores do que os registrados no mesmo período pré-pandemia. Só de camarotes privados para o Carnaval, que independem da festa de rua - ainda não definida pelo governo -, as vendas já chegam aos 60%, com alguns dias de shows esgotados.

“As vendas, quando comparadas aos períodos de 2019 e 2020, tiveram um pico maior no lançamento. Há uma demanda reprimida, porque existe aquele público que estava ávido e ainda uma outra parte, que ainda está esperando a confirmação do governo, que deve alavancar ainda mais a demanda”, observa o CEO da Ingresso Prime, Kenyo Lapenda. A empresa, que em 2020 perdeu 60% dos funcionários, planeja terminar 2021 com a recontratação da maioria, além de ampliação da presença física em shoppings do Grande Recife e até do interior do Estado.

O número maior de shows de grande porte, casamentos e formaturas já fez com que a agenda da montadora de camarins Angela Luna lotasse para dezembro, conferindo uma reviravolta na realidade que, há poucos meses, era buscar se desfazer de roupas e produtos e encontrar novas atividades para colocar algum dinheiro dentro de casa.

CORTESIA
Angela Camarins - CORTESIA

“Passei cinco anos juntando gordura. Em oito meses, foi embora rapidamente. Pensamos em tudo para economizar, até mesmo cortar o plano de saúde, o que não fizemos, e foi muito importante porque meu marido chegou a ficar internado com covid-19. Eu trabalho com equipes que chegam a até 30 pessoas indiretamente e, ainda bem, agora os eventos estão voltando ao mesmo patamar. Pelo menos dos funcionários principais, conseguimos reaver todos. Na verdade, a gente nem demitiu ninguém. Fomos puxando daqui e dali, porque a verdade é que a ajuda governamental prometida nunca chegou”, conta.

A falta de apoio do poder público, inclusive, é um dos pontos apontados pela Abrafesta como decisivo para um retorno ainda conturbado do setor. Sem apoio financeiro, manter os funcionários já qualificados foi um desafio triplicado e contribuiu para o crescimento da margem de informalidade no mercado de trabalho de eventos.

“O governo não entende nossa profissão, a CLT elaborada é para chão de fábrica. O poder público não tem conhecimento algum sobre o setor. Garçom trabalha 12 horas, audiovisual trabalha 20 horas, eles não sabem qual o nosso trabalho. Seguimos tapando o sol com a peneira, e quem está sofrendo com isso são as empresas, que não conseguem ajuda e nem crédito. Ninguém deu dinheiro algum para o setor”, reclama o presidente da Abrafesta, que acredita numa predominância atual de 85% da informalidade na cadeia de eventos.

Por meio da Lei nº 14.148/202, o governo federal criou o Programa Emergencial de Retomada do Setor de Eventos (Perse). A medida, no entanto, só autorizou a renegociação de dívidas tributárias e não tributárias, oferecendo desconto de até 70% sobre o valor total da dívida para empresas que realizam congressos, feiras, shows e espetáculos em geral, além de hotéis, cinemas e prestadores de serviços turísticos.

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